O globo, n. 30885, 27/02/2018. Economia, p. 17

 

Problemas além da previdência

Martha Beck e Geralda Doca

27/02/2018

 

 

Próximo governo terá de decidir, já em 2019, questões fiscais que impactam 70% do Orçamento

-BRASÍLIA- Ao deixar a reforma da Previdência para 2019, o governo Michel Temer só aumentou a lista de problemas fiscais que o próximo presidente precisará resolver já no primeiro ano de mandato. Além de negociar com o Congresso mudanças no regime de aposentadorias, o vencedor da corrida eleitoral terá pela frente a missão de discutir uma nova regra para o salário mínimo (a atual acaba em 2019), negociar com o funcionalismo mais uma rodada de reajustes salariais e encontrar a solução para um desequilíbrio de cerca de R$ 200 bilhões no Orçamento provocado pelo desenquadramento na regra de ouro — aquela que não permite que a União se endivide para pagar despesas correntes. Tudo isso pressionado pela regra do teto de gastos, segundo a qual as despesas públicas só podem crescer com base na inflação do ano anterior.

As decisões de política fiscal tomadas no primeiro ano do próximo governo terão impacto sobre 70% do Orçamento e definirão a trajetória das despesas públicas por um ciclo de quatro anos, afirmam especialistas. Manoel Pires, pesquisador do Ibre/FGV, destaca, por exemplo, que um dos maiores impactos será provocado pela forma de reajuste do salário mínimo. Cada 1% de aumento na remuneração básica dos trabalhadores tem impacto de R$ 3,8 bilhões nas contas públicas.

A atual forma de correção do mínimo — pela qual o salário deve ser reajustado pela inflação do ano anterior mais a variação do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes — vale até 2019. Essa é uma forma de assegurar que haja ganho real para os trabalhadores. Pires lembra que o governo tem dado aumentos reais para o salário mínimo desde a década de 90. Assim, será muito difícil que a nova regra não mantenha o mesmo princípio.

— Do ponto de vista fiscal, a dificuldade é que o salário mínimo tem impacto tanto nas despesas de aposentadorias quanto nas de benefícios como a Loas. E o governo estará pressionado pelo teto do gasto — destaca Pires, lembrando que a própria regra do teto determina que, se ele for descumprido, o governo é obrigado a adotar uma série de medidas de correção, inclusive ficando impedido de dar aumentos reais ao mínimo.

CORTE DE DESPESAS PARA CUMPRIR TETO DE GASTO

Outro desafio será a negociação salarial com os servidores públicos. O acordo firmado com as categorias se encerra em 2018. Para fechar as contas deste ano, a equipe econômica ainda tenta adiar o reajuste de 2018 para 2019, o que representaria uma economia de R$ 4,4 bilhões. A medida, no entanto, está suspensa por liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda precisa julgar o assunto em plenário.

— As categorias têm pautas próprias e vão pressionar por reajustes. O governo também vai ter que fazer essa negociação com o teto em vista — explica o pesquisador do Ibre.

Em meio a esse cenário, o próximo presidente terá pela frente que definir se vai propor uma reforma da Previdência e em que termos. A não aprovação da reforma em 2018 já vai ter um impacto de R$ 19 bilhões nas despesas de 2019, o que obrigará a equipe econômica a apertar o Orçamento do ano que vem. Mas, quanto mais tempo o governo levar para atacar o problema, mais dura será a reforma.

Dados do Ministério do Planejamento mostram que os gastos obrigatórios, incluindo Previdência, pessoal, abono salarial e seguro-desemprego já consumirão 90,6% das despesas primárias de 2018. Esse número subirá para 93,6% em 2019 e para 96,4% em 2020. Em 2022, esse percentual vai superar 100%. Isso obrigará o governo a cortar despesas para cumprir o teto de gastos.

O diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, lembra que existe ainda o problema da regra de ouro. Ela define que as operações de crédito da União não podem ficar acima das despesas de capital (essencialmente investimentos). Seu principal objetivo é impedir que o governo aumente a dívida pública para pagar gastos correntes, como salários e benefícios previdenciários. O problema é que a crise fiscal dos últimos anos derrubou os investimentos e elevou o endividamento, dificultando o cumprimento da norma.

Em 2017, por exemplo, a conta só fechou porque o BNDES devolveu R$ 50 bilhões ao Tesouro. Graças a isso, os investimentos ficaram quase R$ 30 bilhões acima das operações de crédito. Essa margem é pequena quando comparada ao resultado dos últimos anos. Em 2014, ela foi de R$ 112,7 bilhões; em 2015, de R$ 62,2 bilhões; e em 2016, de R$ 86,2 bilhões. Para 2018, a equipe econômica ainda busca uma forma de equacionar esse desequilíbrio, calculado em R$ 208,6 bilhões. Para 2019, a conta também gira em torno de R$ 200 bilhões. No entanto, o BNDES não tem mais recursos a devolver.

— O novo governo terá que resolver logo a regra de ouro. Sem recursos do BNDES para resolver o desenquadramento, é preciso dar uma solução estrutural para o problema. É preciso colocar o dedo na ferida — afirma Salto.

ADEQUAÇÃO DA NOVA LEI TRABALHISTA

Em outra frente que ainda deve passar por ajustes, que podem se estender até o próximo governo, o novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), João Batista Brito Pereira, disse ontem, ao tomar posse na Corte, que a prioridade agora será adequar a nova lei trabalhista à jurisprudência da Justiça do Trabalho. O TST já começou a fazer a atualização das súmulas, que vão servir de base para decisões em todo o país. Ele destacou que, no que depender dele, a legislação será cumprida.

— Enfrentaremos questões complexas (...). A prioridade agora é a implantação da reforma trabalhista na jurisprudência da Justiça do Trabalho. No que depender de mim e, acredito, do tribunal, a lei será cumprida, pois vivemos num Estado democrático de direito — afirmou o ministro.

Brito Pereira assumiu a presidência do TST no biênio 2018/2020, no lugar do ministro Ives Gandra Martins Filho.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

Meirelles: se reforma não sair em dois anos, haverá aumento de impostos

Bárbara Nascimento

27/02/2018

 

 

Ministro avalia que reoneração da folha será aprovada no Congresso

-BRASÍLIA- O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou ontem, em entrevista à rádio Bandeirantes de Porto Alegre, que, se a reforma da Previdência não for votada num prazo de dois a três anos, será necessário aumentar impostos. Segundo ele, esse é o prazo no qual o déficit do sistema previdenciário, que no ano passado superou a cifra de R$ 182 bilhões, começará a subir de forma expressiva e comprometer uma parte ainda maior do Orçamento. Ele frisou, no entanto, que não há previsão de elevação de imposto para este ano.

O ministro afirmou ainda que há “uma possibilidade grande” de aprovação da reoneração da folha de pagamentos pelo Congresso. A votação na Câmara está prevista para esta semana. O projeto é um dos que foram eleitos como prioridade pelo governo federal.

Segundo Meirelles, é natural que empresários questionem o aumento, mas ressaltou que a medida não teve os efeitos positivos esperados e, por isso, será revertida.

— Seria estranho que empresários dissessem “que bom que vai aumentar imposto”. É absolutamente normal e esperável que existam essas observações. O processo de desoneração da folha que foi feito antes visava um aumento da produção e do emprego. Isso não ocorreu, não se justificou essa isenção que passou a ser dada a esses setores. Estamos restabelecendo a normalidade nesse segmento — disse o ministro da Fazenda.

REBAIXAMENTO ERA ESPERADO

Meirelles ainda minimizou a revisão da nota de crédito brasileira pela agência de classificação de risco Fitch, na última sexta-feira. Segundo ele, esse movimento já era previsto pelo mercado, por conta de um movimento similar de outra agência, a Standard & Poor’s, após o adiamento da reforma da Previdência. Ele ressaltou que o mercado já havia precificado a revisão e que, no próprio dia, a Bolsa brasileira continuou subindo.

Ele reafirmou que não houve, até o momento, pedido de aporte das Forças Armadas para a intervenção na segurança do Rio de Janeiro. E disse que, até o momento, cabe ao Rio pagar por suas forças policiais, uma vez que a intervenção só utilizará, inicialmente, a polícia local.