O globo, n.30882 , 24/02/2018. PAÍS, p.4

Após ‘trágico fim’, Cristiane se vê vítima de ‘infeliz coincidência’

CATARINA ALENCASTRO

 

 

Ao falar pela primeira vez após perder ministério, deputada diz que quase ‘perdeu os cabelos’ e se recusa a fazer mea-culpa

 

Nos 48 dias em que ficou com a vida em suspenso esperando a Justiça decidir se poderia assumir o Ministério do Trabalho, a deputada Cristiane Brasil concluiu que foi vítima de uma “infeliz coincidência” que juntou três elementos: o ódio da esquerda ao seu pai, Roberto Jefferson, por ter denunciado o escândalo do mensalão; um “ativismo judicial” que tenta demonizar a classe política; e a falta de assunto que permeava a política nos primeiros dias de janeiro. Na primeira entrevista concedida após desistir do cargo de ministra, ela não faz autocrítica sobre os inúmeros percalços que detonaram o projeto que, segundo Jefferson, representaria “um resgate” da família.

— Bombardeio faz parte do momento político que estamos vivendo no Brasil, em que a esquerda perdeu o controle do país. Eles perderam o poder, alguns foram presos, e todo aquele ódio veio à flor da pele. Isso acabou refletindo em mim — avalia, complementando:

— Acabou que todos os canhões se voltaram para mim. E temos aí um ativismo jurídico que está sendo muito nocivo para a política nacional. A política está sendo demonizada.

Apesar da falta de mea-culpa, Cristiane cita o ex-premier britânico Winston Churchill ao reconhecer que o fim da história foi trágico, mas necessário. Ao GLOBO, ela conta que “quase perdeu todos os cabelos” durante a crise. Cristiane diz ser inocente de todas as acusações reveladas no período em que ficou com a indicação pendente.

— A pior coisa é quando a vida da gente fica em suspenso, quando a gente não sabe como vai ser o dia seguinte. Esse dia a dia estava realmente me consumindo. Tem uma frase do Churchill que diz que é melhor um fim trágico do que uma tragédia sem fim — conforma-se.

A novela envolvendo Cristiane começou um dia depois de seu nome ser aceito pelo presidente Michel Temer como substituta de Ronaldo Nogueira, que resolvera abandonar o governo. Naquele 4 de janeiro, a TV Globo revelou que a escolhida para assumir o Ministério do Trabalho fora condenada a pagar uma dívida trabalhista após uma queixa de um ex-motorista que alegava ter trabalhado sem carteira assinada. Dois dias depois, outra revelação: na verdade, a indicada tinha duas dívidas trabalhistas com dois ex-motoristas, e um dos pagamentos para saldar o débito saiu da conta de uma assessora de Cristiane. Para piorar, um juiz da 4ª Vara Federal de Niterói concedeu liminar para impedir a sua posse.

O caso virou então um cabo de guerra entre o governo e o Judiciário, com o Palácio do Planalto de um lado, querendo defender o direito constitucional do presidente de escolher quem bem queira para o ministério, e a Justiça de outro, prorrogando o capítulo final. O episódio derradeiro foi a decisão da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, suspendendo provisoriamente a posse até que o plenário da corte decidisse afinal. Em meio a isso tudo, Cristiane atingiu o “pico do estresse”, e gravou um vídeo em que aparece numa lancha cercada por amigos dizendo não entender o “que pode passar na cabeça das pessoas que entram contra a gente em ações trabalhistas”.

A série de tropeços seguiu. E já no início deste mês veio a revelação de que Cristiane era investigada por suposto pagamento, via assessores, a traficantes para fazer campanha na comunidade de Cavalcante, na zona norte do Rio.

— Não lido com traficante. Já chegou no meu ouvido uma vez: se quiser trabalhar nessa área, vai ter que pagar. Não aceito, não faço esse tipo de acordo. Sempre ganhei eleição e nunca precisei fazer. — defende-se.

E como pá de cal apareceu um áudio gravado por um ex-assessor. Numa reunião de pré-campanha com funcionários da prefeitura do Rio, Cristiane pede que votem nela para que consigam manter seus empregos. Orgulhosa de ser uma “capricorniana super organizada”, ela diz que gosta de play by the book ,ou seja, jogar seguindo as regras. E que não obrigou ninguém a nada:

— Não é da minha natureza, nunca obrigaria uma pessoa que trabalha para mim a me ajudar. Se quer me ajudar, beleza. Quem não quis, não quis. Eu sempre falei o óbvio para elas: se eu ganhar, consigo manter o emprego de vocês, porque são cargos de confiança.

E revela que não deixará ninguém mais entrar portando o celular nas reuniões de trabalho:

— O que eu vou fazer nas próximas reuniões políticas é pedir para os meus assessores deixarem os telefones do lado de fora da sala. Se o presidente pode, eu também posso.

Cristiane rebate cada ataque, explicando que já pagou as dívidas trabalhistas. A assessora, afirma, era sua preposta para ir às audiências, e, “nervosa” no lugar de informar a conta da deputada, acabou dando sua conta pessoal na hora de firmar o acordo com o reclamante.

— Foi um erro, já briguei muito com ela. Ela ficou nervosa porque o juiz falou que se houvesse algum atraso, haveria cobrança de juros e multa. Aí ela deu a conta pessoal dela. Eu falei: “Ô Vera, eu sou uma pessoa pública, por que você não deu a minha conta?” Acertamos, não tem essa. Óbvio (que eu a paguei de volta) — disse.

A petebista conta que não obstante a “tragédia” que viveu, considera-se uma pessoa “muito positiva”. E que tirou lições da crise. De todos os percalços, o que mais a machucou foi o vazamento do vídeo.

— Nós estávamos passeando de barco, eram empresários com as suas esposas e crianças. Eles falaram: “Nós queremos nos solidarizar com você”. Falei que se vazasse ia ser complicado. Mas o amigo que gravou passou para um outro, que vazou publicamente. Foi um equívoco — lamenta. Para ela, o fato de ser mulher pesou: — O que mais me chocou foi como a sociedade ainda não está preparada para a ascensão feminina a postos de primeiro escalão. O fato de eu estar no meio de homens, com ou sem camisa, num ambiente de barco, e por ser uma mulher, fez diferença. Com a viralização disso, fizeram memes e colocaram imagens em sites de pornografia. Foi um choque para mim. Os comentários de mulheres renomadas e a jocosidade com que isso foi tratado demonstrou que o nosso país é muito conservador — protesta.