Correio braziliense, n. 20050, 13/04/2018. Política, p. 3

 

Lava-Jato ataca desvios nos fundos de pensão

Renato Souza

13/04/2018

 

 

UM PAÍS SOB TENSÃO » Um dos presos foi Marcelo Sereno, assessor da Casa Civil na época de José Dirceu. Em Brasília, a PF cumpriu mandado contra Milton Lyra, suposto operador do MDB

Exatamente dois anos após o relatório da CPI dos Fundos de Pensão pedir o indiciamento de 145 pessoas, na Câmara, por envolvimento com a prática criminosa na utilização de recursos dos servidores, a Polícia Federal deflagrou mais uma operação para desmontar um esquema de corrupção em torno do programa. Desta vez, a polícia descobriu que recursos do Postalis, dos Correios e Serpros, destinados a funcionários do Serviço Nacional de Processamento de Dados (Serpro), foram enviados ao exterior, de forma ilegal, e retornavam ao Brasil por meio das contas de doleiros, que repassavam a envolvidos no esquema em forma de propina.

A Operação Rizoma, desdobramento da Lava-Jato no Rio de Janeiro, revela que a prática reiterada de crimes usando recursos destinados à aposentadoria complementar dos servidores é maior do que se imaginava em 2016. De acordo com a investigação, pelo menos R$ 60 milhões foram pagos para lobistas envolvidos nas fraudes. Os recursos mantidos pelos fundos eram enviados para fora do país para pagar serviços inexistentes. Então o dinheiro era espalhado em contas de doleiros, e em seguida voltava ao país, e era convertido em propina e distribuído.

Dois doleiros do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral foram presos. Eles ajudavam a trazer o dinheiro de volta por meio de instituições financeiras nacionais. Foram cumpridos mandados de prisão preventiva e de busca e apreensão no Rio, São Paulo e no Distrito Federal. Entre os alvos está o empresário Arthur Mário Pinheiro Machado, que já foi dono da corretora Agora e possui empresas na área de educação, inclusive no Distrito Federal.

No CPF dele estão cadastrados mais de 100 registros de CNPJ. Outro mandado de prisão foi cumprido contra o economista Marcelo Borges Sereno, que é ligado ao Partido dos Trabalhadores (PT). Preso em casa, no Rio de Janeiro, Sereno foi assessor da Casa Civil quando José Dirceu comandava a pasta, durante o mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que também está preso na Lava-Jato. Em Brasília, foi preso Milton Lyra, apontado como operador do MDB no Senado.

Ostentação

Marcelo Sereno é conhecido na política em Brasília e no Rio de Janeiro. É tido como uma figura próxima da cúpula do PT. Nas redes sociais, horas antes de ser preso, ele criticou a Operação Lava-Jato e a prisão do ex-presidente Lula. Ao compartilhar uma postagem sobre a mudança no inquérito que investiga o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, Sereno afirmou que “tucanos são sempre blindados”. Em outra publicação, o economista pede liberdade para Lula.

Fontes ouvidas pelo Correio revelaram que o economista não se preocupava em esconder a vida luxuosa. No período em que morou em Brasília, por conta do cargo no governo, os gastos de Sereno eram notados. “Ele não economizava nos vinhos. Sabia receber as pessoas na casa dele. A adega, que ele fazia questão de deixar à mostra, tinha garrafas que estão entre as mais caras. Fazia inveja até mesmo em gente que tem muito dinheiro”, afirmou um dos visitantes da casa do empresário. Em nota, a defesa de Arthur Pinheiro afirmou que “o cliente não compactua com qualquer ato ilegal e que as empresas dele não estão envolvidas em atos ilícitos”. Os advogados de Milton Lyra disseram que ele já estava à disposição da Justiça do Distrito Federal e que segue colaborando. De acordo com os defensores, ele não cometeu atos ilegais.

O advogado Afonso Destri, que atua na defesa de Marcelo Sereno, negou que o economista esteja envolvido em atos ilegais. “Ao que tudo indica, o Ministério Público fez ilações no caso de Marcelo a partir de fatos isolados, completamente sem fundamento. Meu cliente não exerce, não tem influência de comando sobre qualquer fundo de pensão”, afirmou.

Relatório

O fundo Postalis, destinado aos trabalhadores dos Correios, registrou um deficit de R$ 5 bilhões entre 2012 e 2016, de acordo com as investigações da PF. As causas são problemas de gestão de crimes financeiros que tomaram de conta dos recursos. Os crimes foram apontados pelo relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Fundos de Pensão, que foi apresentado em 12 de abril de 2016, pelo deputado Sérgio Souza, relator do caso. O levantamento concluiu que ocorreram pelo menos 15 casos concretos de negócios realizados por quatro fundos em que predominou a má gestão e fraudes, que resultaram em prejuízos de R$ 4,2 bilhões.

Dinheiro

A PF encontrou R$ 400 mil em espécie e uma pequena quantidade de moeda estrangeira na casa de um dos operadores de propina, ligado ao ex-governador Sérgio Cabral. Ao longo do dia, foram cumpridos 7 mandados de prisão e 21 de busca e apreensão.

Durante a operação, os agentes apreenderam também computadores e documentos ligados aos investigados. A suspeita é de que os valores seriam repassados para lobistas. A entrega em espécie seria para dificultar a localização do dinheiro pelas autoridades.

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R$ 1,3 bilhão desviado de previdências municipais

13/04/2018

 

 

A Operação Encilhamento, deflagrada pela Polícia Federal, aponta que R$ 1,3 bilhão foram desviados de previdências municipais em sete estados. De acordo com a investigação, as fraudes ocorreram por meio da aplicação de recursos de Institutos de Previdência Municipais em fundos de investimento que contém, entre seus ativos, debêntures sem lastro (títulos de dívida que geram direito de crédito), emitidas por empresas de fachada. Entre os alvos de mandados de prisão está Meire Poza, que era contadora do doleiro Alberto Youssef, que fez delação premiada na Operação Lava-Jato e apontou o elo do esquema de propinas na Petrobras com o núcleo político, que envolve deputados, senadores e governadores.

De acordo com a PF, foram cumpridos 20 mandados de prisão e 60 de busca e apreensão em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso, Santa Catarina e Goiás. A Receita Federal integrou as equipes de busca para apreender documentos e descobrir operações financeiras que resultaram no desvio dos recursos. Os mandados foram expedidos pela 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo. Os integrantes da organização criminosa criavam empresas e investiam o dinheiro dos trabalhadores. Como os estabelecimentos não tinham capital nem funcionários, declaravam falência e os funcionários públicos ficavam no prejuízo.

Durante as diligências, foram identificados 28 Institutos de Previdência Municipais que podem ter sido afetados pelo esquema. Os institutos investiram em fundos que, direta ou indiretamente, adquiriram papéis sem lastro, de empresas que só existiam no papel. Foi identificado o envolvimento de uma empresa de consultoria contratada pelas entidades investigadas. Existem ainda indícios que apontam para corrupção de servidores ligados ao grupo criminoso.

São investigados 13 fundos de investimentos. No 2º semestre de 2016 foi constatada a existência de R$ 827 milhões em apenas oito destes fundos, dinheiro que, em última análise, destina-se ao pagamento das aposentadorias de servidores municipais. Em decorrência dos prejuízos com os investimentos fraudulentos, os servidores terão de pagar cotas maiores nos fundos previdenciários, para repor o rombo financeiro.

A operadora de Yousseff, Meire Poza, trabalhava na GFD Investimentos, uma das empresas de fachada do doleiro usadas para lavar dinheiro ilícito e encaminhar propinas a políticos. Meire não firmou acordo de delação premiada, mas colaborou com as investigações da Operação Lava-Jato e se tornou uma testemunha importante. Em um dos depoimentos, ela chegou a reclamar da falência de negócios que administrava.

A Encilhamento é a segunda fase da Operação Papel Fantasma, que foi criada para apurar fraudes envolvendo a aplicação de recursos de Institutos de Previdência Municipais. O empresário Arthur Machado, que foi preso na Operação Rizoma, em São Paulo, também é investigado nesta operação. A defesa de Meire Poza afirmou que “tem convicção de que a contadora não tem qualquer relação com os fatos investigados”.