O globo, n. 30876, 18/02/2018. País, p. 12

 

'Limpeza' nas polícias: intervenção quer combater corrupção

Cristiane Jungblut, Antônio Werneck e Renan Rodrigues

18/02/2018

 

 

Autoridades federais colocam reestruturação das forças de segurança do estado como prioridade

“Não podemos fazer intervenção só do lado de fora, nas ruas; precisamos intervir também dentro das polícias”. A frase foi dita ontem por uma das autoridades federais que participaram de uma reunião no Palácio Guanabara sobre a missão que as Forças Armadas terão no Rio. Segundo ela, durante o encontro, o presidente Michel Temer e o novo responsável pela segurança do estado, general Walter Braga Netto, deixaram claro que o combate à corrupção se tornou uma prioridade, algo tão importante quanto a presença ostensiva do Exército em áreas conflagradas.

Passada a reunião, autoridades se preparam para tentar aplicar o que é considerada a parte mais difícil da intervenção federal na segurança pública do Rio, decretada por Temer na sexta-feira: um modelo de ação que permita a realização do que chamam de “limpeza” nas polícias Militar e Civil do estado. Existe a possibilidade de o presidente assinar um decreto suplementar nos próximos dias, detalhando o poder de atuação de Braga Netto. Isso é uma reivindicação de oficiais, que querem garantir carta branca para o general tomar todas as decisões que julgar necessárias.

PODER PARA TROCAR COMANDANTES E DELEGADOS

Fontes do Planalto disseram que, para Temer, está claro que é preciso reestruturar as polícias do Rio. No entanto, o governo vem tendo muito cuidado ao tratar do tema, para não causar reações dentro das corporações. Na avaliação da cúpula da intervenção, ou se muda a forma de atuação das forças do Rio ou a violência explodirá assim que os militares deixarem o estado, o que está previsto para acontecer no dia 31 de dezembro deste ano.

— Vamos reestruturar as polícias do Rio. Temos que fazer isso agora, ou tudo voltará. Não adianta só colocarmos os militares nas ruas — afirmou um integrante do governo federal.

De acordo com a mesma fonte, o Planalto já tem um diagnóstico da corrupção dentro das polícias Civil e Militar. Relatórios de serviços de inteligência foram elaborados no ano passado.

Como interventor, Braga Netto, responsável pelo Comando Militar do Leste, passou a ter autoridade plena sobre a segurança do estado. O oficial pode mexer em todos os escalões das polícias, do Corpo de Bombeiros e da administração penitenciária. Ele ainda não anunciou mudanças, mas o secretário de Segurança, Roberto Sá, já colocou o cargo à disposição. O general tem ainda autoridade para trocar comandantes de batalhões e delegados.

Ontem, coube ao presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), verbalizar a necessidade dessas mudanças:

— Precisamos começar um processo de recuperação da área (de segurança pública). Temos uma boa oportunidade para reorganizar e requalificar a polícia, de separar aquela parte que não tem atuado de forma correta.

POUCOS CASOS DE DESVIOS DE CONDUTA

Ao que tudo indica, tirar a chamada banda podre das polícias será uma missão difícil para Braga Netto. Falta, no estado, uma estrutura mais eficaz para a investigação de casos de desvios de conduta. Levantamento obtido pelo GLOBO mostra que, de janeiro a outubro do ano passado, nenhum caso de corrupção ativa de PM chegou à comarca da capital fluminense da Auditoria da Justiça Militar. Em 2015, foram registrados três; em 2016, um. Ainda no ano passado, a Auditoria da Justiça Militar registrou apenas três casos de extorsão, contra quatro no ano anterior e sete em 2015.

De acordo com a Corregedoria Geral Unificada, órgão vinculado à Secretaria de Segurança, nos últimos dez anos, 373 policiais civis e militares foram exonerados, número considerado pequeno por quem acompanha casos de abusos de autoridade ou desvios de conduta. O sociólogo Ignacio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, enfatiza a importância de um “olhar externo” para a conduta dos agentes do estado. Ele defende a criação de uma força-tarefa com esse propósito, mas não acredita que a intervenção federal consiga promover uma “limpeza”:

— É sempre um ponto central de qualquer política de segurança a necessidade de tirar os policiais que cometem abusos. Isso realmente precisa ser uma prioridade. Mas é uma ideia ingênua achar que só o Exército poderá tirar os maus policiais das ruas. Precisamos, sim, de uma olhar externo, mas também de uma colaboração ativa das próprias polícias. Uma forçatarefa formada por várias entidades poderia ser a solução. Vale lembrar que vários núcleos do crime organizado do Rio foram desarticulados pela Polícia Federal. Ou seja, o ideal é que haja troca de informações entre diferentes forças.

OBSERVATÓRIO ACOMPANHARÁ AÇÕES MILITARES

As ações dos militares que participarão da intervenção federal serão acompanhadas por um observatório, formado por deputados e técnicos, informou ontem Rodrigo Maia. Segundo o presidente da Câmara, haverá uma constante verificação dos índices de violência nas áreas de atuação das tropas. Ele disse ainda que a deputada Laura Carneiro (PMDB-RJ) será a relatora do decreto presidencial que passa para as Forças Armadas a responsabilidade pela segurança pública do Rio. A votação está marcada para amanhã, às 19h. O texto não pode receber emendas, e, se for aprovado, seguirá para avaliação do Senado, que poderá levá-lo ao plenário na quarta-feira.

Também ontem, muitos cariocas acordaram com a impressão de que a intervenção federal já tinha tomado as ruas. Soldados e veículos blindados ocuparam pontos estratégicos na região do Centro e em parte da Zona Sul, mas o motivo era outro: garantir a segurança dos deslocamentos do presidente Michel Temer e sua comitiva.

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Ministério da Segurança Pública vai reunir Polícia Federal e Departamento Penitenciário

18/02/2018

 

 

Ex-secretário Beltrame e o ex-governador de São Paulo Fleury Filho estão entre os nomes cotados

Após a reunião sobre a intervenção federal no Rio, com a presença de autoridades estaduais no Palácio Guanabara, o presidente Michel Temer anunciou a criação do Ministério Extraordinário da Segurança Pública. O presidente afirmou que a nova pasta também vai coordenar ações em todos os estados. A ideia é que reúna os órgãos de segurança que hoje estão subordinados ao Ministério da Justiça: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN).

— Quero criar um Ministério Extraordinário da Segurança Pública, que não vai invadir as competências de cada estado, mas vai coordenar as ações de segurança de todo o país. Isso vai acontecer muito brevemente. Na próxima semana, no mais tardar — disse Temer.

Segundo integrantes do governo, o ministério será criado por meio de medida provisória e ocupado por um técnico. Segundo fontes ouvidas pelo GLOBO, o convite será feito a uma pessoa ligada à área de segurança pública, sem deslocar atuais ministros de suas pastas. Na prática, isso quer dizer que o ministro da Defesa, Raul Jungmann, um dos nomes que eram cotados, permanece no cargo.

Integrantes do governo disseram que o nome ainda não foi fechado. O ex-secretário de Segurança do Rio José Mariano Beltrame também chegou a ser cotado, mas teria perdido a força, uma vez que já recusou convites para participar do governo em outras ocasiões.

Nos bastidores do Palácio do Planalto, o “ministeriável’’ considerado mais forte é o ex-governador de São Paulo Luiz Antônio Fleury Filho (PMDB) — foi sob a gestão dele que ocorreu o massacre no presídio do Carandiru. O nome do subsecretário de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Gustavo Rocha, também foi ventilado, mas sua nomeação encontra resistência pelo fato de ter sido muito próximo do ex-deputado Eduardo Cunha.

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Sobram dúvidas

Paulo Celso Pereira

18/02/2018

 

 

Apesar de serem cogitadas há tempos, nova pasta e intervenção foram anunciadas sem governo saber como funcionarão

 

Quando o presidente Michel Temer convocou o governador Luiz Fernando Pezão a Brasília na última quinta-feira, tudo indicava que estava prestes a ocorrer a enésima reunião que terminaria com promessas vazias de atuação em “parceria” para combater a criminalidade no Rio. Temer, no entanto, surpreendeu e avisou que era chegado o momento de uma intervenção formal no estado.

Um desavisado poderia imaginar que as Forças Armadas tivessem passado os últimos meses preparando um detalhado plano e que chegara a hora de colocá-lo em prática. Qual nada.

A intervenção, que era desconhecida do próprio interventor até horas antes de ser escolhido, vai começar a ser pensada agora que já está em vigor. Apesar de ter tido todo tempo para debater a medida, que há muito já havia sido aventada, ontem o interventor não sabia nem mesmo se manteria os comandos das polícias Militar e Civil. A mesma incógnita ronda o número de militares que irão às ruas.

Situação análoga ocorre em relação ao novo Ministério da Segurança Pública. Aventado há anos, foi anunciado ontem por Temer — mas o presidente fez questão de avisar que só oficializará a criação da pasta em uma ou duas semanas. E, naturalmente, não disse em termos objetivos qual será a vantagem dela em relação ao Ministério da Justiça.