Correio braziliense, n. 20050, 13/04/2018. Brasil, p. 6

 

Cotas raciais nas Forças Armadas

Vera Batista e Bernardo Bittar

13/04/2018

 

 

SOCIEDADE » Supremo estabelece que Exército, Marinha e Aeronáutica terão que reservar 20% das vagas em concursos públicos para candidatos negros. Governo também regulamentou a comprovação, por meio de uma comissão de especialistas, das características físicas dos postulantes

Mais uma vitória para a efetiva aplicação das cotas raciais (Lei nº 12.990/2014) na seleção de concorrentes para a administração pública. Por decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que as Forças Armadas devem reservar 20% das vagas em concursos públicos para candidatos negros. A lei já é adotada para provimento de cargos efetivos e empregos públicos na administração pública federal direta e indireta, nos três poderes.

“A comunidade negra parabeniza o STF, que reconheceu um direito negado pela Aeronáutica e pelo Exército. Essas duas Forças chegaram a dizer, textualmente, que não admitiam as cotas em seus concursos. Parabenizamos também a Marinha, que sempre esteve do nosso lado”, comemorou o presidente da ONG Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes), Frei David Santos, um dos principais responsáveis pela ação na Justiça, que foi negada na primeira instância. A decisão entra em vigor nos próximos certames.

O movimento negro festejou, também, esta semana, uma outra conquista. O governo regulamentou, na terça-feira, a comprovação, por meio de uma comissão de especialistas qualificados, das características físicas de candidatos a concursos públicos que se autodeclaram negros. A Portaria Normativa nº 4, do Ministério do Planejamento, publicada no Diário Oficial da União (DOU) de 10 de abril, criou o procedimento de heteroidentificação complementar (processo em que a banca examinadora do certame confirma se o candidato se enquadra nas cotas, para evitar fraudes). A iniciativa, porém, embora atenda aos termos da lei, não satisfez totalmente as expectativas das entidades que lutam para combater as trapaças dos que querem burlar o regulamento.

No entendimento do Ministério Público Federal do DF, apesar de importante instrumento para assegurar a efetividade das cotas no curto período de vigência da Lei nº 12.990, que é de 10 anos, faltou à portaria, em especial, a previsão da aplicação da mesma norma às empresas públicas e às instituições federais de ensino. “É muito grande o número de candidatos brancos que vêm se inscrevendo para concorrer às vagas reservadas a candidatos negros”, explicou o procurador da República Felipe Fritz. Ele prometeu, por isso, tomar “providências em relação a esses casos”.

Dia a dia

Frei David é um dos que combatem a entrada, dentro dos critérios das cotas, de “pessoas que equivocadamente se consideram negras para fins de concurso público” em lugar daqueles que convivem no dia a dia com o preconceito. Ele destacou que o normativo ratifica uma determinação da Organização das Nações Unidas (ONU), porque, no Brasil, a discriminação se dá pela cor da pele e não pelos ascendentes. “É pela fenotipia. Não adianta tirar o passado do armário e trazer fotos de pai e avô negros”, reiterou.

O presidente da Educafro também lamentou que a portaria não se aplique às cotas raciais em universidades, onde os equívocos são ainda maiores. “Temos informações de que nas faculdades de medicina, por exemplo, de 10 vagas destinadas às cotas para negros, em média, oito são fraudadas”, assinala frei David. Por meio de nota, o Planejamento não quis se manifestar sobre o ingresso em universidades. Em relação aos empregados das estatais, esclareceu que sua atribuição, por meio da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest/MP), é apenas autorizar o quantitativo total de pessoal.

“Uma vez definido o limite, compete a cada empresa — observando-o — gerenciar seu quadro de pessoal, praticando os atos de gestão necessários, entre os quais a seleção e contratação dos empregados, bem como sua lotação e reposição”, afirmou o ministério. A Portaria nº 4 é resultado de uma ação civil pública do MPF/DF e da Defensoria Pública da União (DPU), de janeiro de 2016, contra a União e a Fundação Escola Nacional de Administração Pública (Enap), com o objetivo de obrigá-las a fazer a verificação de casos de falsidade na autodeclaração dos concorrentes às vagas reservadas a negros, antes da nomeação e da posse. À época, no edital do concurso, publicado em junho de 2014, até estava prevista a hipótese de eliminação no emprego público em caso de fraude. Porém, não foram estabelecidas formas de apuração da falsidade de autodeclaração.

“A comunidade negra parabeniza o STF, que reconheceu um direito negado pela Aeronáutica e pelo Exército. Essas duas Forças chegaram a dizer, textualmente, que não admitiam as cotas em seus concursos. Parabenizamos também a Marinha, que sempre esteve do nosso lado”
Frei David Santos, presidente da ONG Educafro