Título: Recrutamento para a barbárie
Autor: Araújo
Fonte: Correio Braziliense, 27/03/2012, Cidades, p. 21

O analista de sistemas Marcelo Valle Silveira Mello recrutava extremistas dispostos a promover um massacre a estudantes da Universidade de Brasília (UnB). Investigadores da Polícia Federal (PF) descobriram que o jovem de 26 anos planejava os últimos detalhes do ataque aos estudantes. Em várias mensagens divulgadas na internet, há cerca de duas semanas, Marcelo convocava seguidores a pegar em armas. Os alvos seriam os alunos do curso de ciências sociais. As ameaças levaram os agentes a deflagrarem a Operação Intolerância, que também colocou atrás das grades o empresário curitibano Emerson Eduardo Rodrigues, 32. Os dois foram presos na última quinta-feira, na capital paranaense.

"Pelo que se desenhava, eles estavam procurando pessoas habilitadas a morrer por essa causa doentia, mas, graças a Deus, conseguimos nos antecipar e evitar o pior", afirmou o delegado responsável pelas investigações, Flúvio Cardinelle Garcia, chefe do Núcleo de Repressão a Crimes Cibernéticos (NRCC), unidade de elite da PF no Paraná. O caso pode ajudar a entender também os motivos de uma barbárie que chocou o Brasil e o mundo: a chacina de Realengo, no Rio de Janeiro.

Ao Correio, Flúvio disse que são cada vez mais evidentes os indícios de que Marcelo e Emerson influenciaram Wellington Menezes, 23 anos, a matar 12 crianças a tiros dentro de um colégio do bairro carioca. Wellington se suicidou na sequência. A tragédia ocorreu em abril de 2011, na Escola Municipal Tasso da Silveira. Mensagens interceptadas indicam que os três se falavam com frequência. "Ao que tudo indica, houve contato do Wellington com o pessoal desse grupo. Era uma influência digital, por meio de troca de e-mails e mensagens criptografadas", contou o delegado.

Ligação Outro fator que reforça a ligação entre os três é o uso corriqueiro de frases ditas por Wellington e reproduzidas à exaustão por Marcelo e Emerson em várias redes sociais. Uma diz: "Só Deus pode nos julgar". A outra: "Os impuros não podem me tocar". Os R$ 500 mil encontrados na conta de Marcelo estão sendo rastreados pelos federais. Em depoimento ao delegado Flúvio, o jovem morador da 313 Norte garantiu que a quantia seria uma herança deixada por seu pai, morto quando ele ainda era bebê. Mas os policiais acreditam que a origem do dinheiro possa vir de doações de pessoas que simpatizam com sua ideologia criminosa. Outra linha de investigação para explicar o meio milhão é que Marcelo tenha usado seus conhecimentos avançados em informática para fraudar transações bancárias pela internet.

Apesar da prisão de dois extremistas, a PF acredita que existe uma organização articulada com tentáculos em todo o país. Os radicais alimentam o ódio contra homossexuais, negros, nordestinos, judeus, mulheres, além de fazer apologia ao estupro e à pedofilia. Há também exposição constante de armas e animais mortos. Outro alvo recorrente da intolerância era o deputado federal Jean Wyllys (PSol-RJ), defensor da causa LGBT.

Como revelou a reportagem do Correio no último sábado, Marcelo é suspeito de ser o representante no Distrito Federal de grupos neonazistas que atuam principalmente no Sul do país, os chamados "homens santos". "Eu não duvido que a seita deles tenha outros colaboradores. Estamos recebendo informações do Brasil inteiro e, em breve, vamos prender mais pessoas que pregam o extermínio a certos grupos", afirmou Flúvio Cardinelle.

Marcelo Valle manifestou ódio até na hora da prisão. Quando os agentes da PF invadiram o quarto de hotel onde ele dormia, no centro de Curitiba, o acusado insultou os policiais. Na Superintendência da PF, o jovem ocupa uma cela separada que fica próxima à cadeia onde estão os outros criminosos. Durante os cinco dias de cárcere, ele tentou organizar uma rebelião, convocando os prisioneiros a "se revoltarem contra o sistema", mas a própria população carcerária tratou de rechaçar qualquer manobra com intuito de provocar confusão no local.

Para saber mais Ligação neonazista

Marcelo e Emerson são suspeitos de integrar grupos neonazistas que atuam em Brasília desde 1982. Os mais antigos, como mostrou reportagem do Correio publicada no domingo, são admiradores declarados de Adolf Hitler. Em 2007, a Polícia Civil do Distrito Federal apreendeu um vasto material na casa de dois suspeitos de pertencerem a uma gangue chamada Carecas do Planalto. No material recolhido pela polícia, chamou a atenção de fotos do aniversário da filha de um dos suspeitos, cuja cobertura do bolo formava uma enorme suástica. A polícia investiga se os radicais são os responsáveis por pelo menos três assassinatos na capital, um deles do adestrador de cães Jáilson Oliveira Nunes, que teria abandonado a seita, atitude considerada inadmissível.