O globo, n. 30866, 18/02/2018. País, p. 3

 

Fachin devolve oito delações da OAS

Bela Megale, André de Souza e Gustavo Schmitt

18/02/2018

 

 

Acordos feitos na gestão Janot foram considerados excessivamente vantajosos

BRASÍLIA E SÃO PAULO — O relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, devolveu à Procuradoria-Geral da República (PGR) oito delações premiadas de executivos da empreiteira OAS. Os documentos haviam sido enviados para homologação em setembro do ano passado pelo então procurador-geral, Rodrigo Janot. Para Fachin, as propostas estão excessivamente vantajosas para os delatores e devem ser revistas pela PGR.

Caberá à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, sucessora de Janot, fazer a revisão. Ela e sua equipe terão de rediscutir as cláusulas com os advogados da OAS. Não há prazo para esse reexame. Nem garantia de que os possíveis delatores aceitem termos mais duros. O caso está em sigilo.

As oito delações premiadas devolvidas envolvem nomes com foro, como aliados do presente Michel Temer, além dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Espera-se que esses acordos também produzam provas materiais de ilegalidades cometidas por executivos da OAS em conluio com integrantes do Judiciário.

Envolvidos nas negociações relataram à reportagem que Fachin não concordou com as penas e multas fixadas pela procuradoria. O ministro também questionou a cláusula que estabelece imunidade para as pessoas físicas em ações de improbidade administrativa, o que impediria até que os delatores fossem denunciados nessas investigações. Edson Fachin pediu que a imunidade fosse retirada do acordo com a construtora.

As oito delações premiadas foram celebradas entre a PGR e funcionários da OAS de menor escalão — mas de grande importância operacional. Eles atuavam no pagamento de propinas a políticos e funcionários públicos subornados pela empreiteira. Podem, em tese, oferecer testemunhos valiosos para os investigadores, assim como evidências documentais do dinheiro sujo destinado a quem se corrompia. Entre as provas apresentadas estão milhares de papéis e mídias com depoimentos gravados.

Os principais nomes da cúpula da empreiteira ainda continuam em negociação com os procuradores de Brasília e a força-tarefa de Curitiba. É o caso de Léo Pinheiro, um dos donos da empresa, preso pela segunda vez em Curitiba há um ano e cinco meses. Não há previsão para assinatura nem certeza de que essas outras delações serão fechadas. Um dos filhos do fundador da empresa, César Mata Pires Filho, também quer colaborar. Seus representantes, contudo, nem chegaram a fazer reuniões com os procuradores da atual gestão. Ambos negociam com a PGR, em Brasília, porque prometem entregar nomes com foro privilegiado.

Executivos como Léo Pinheiro prometeram entregar fatos envolvendo integrantes do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O funcionário da empresa que mais poderia colaborar com informação sobre o Judiciário, o ex-diretor jurídico Bruno Brasil, não fechou sua delação. Ele se desligou do grupo há cerca de um mês.

Desde que assumiu a Procuradoria-Geral da República, a equipe de Dodge demonstra que as penas e multas das delações serão mais severas do que as estabelecidas na gestão de seu antecessor, Rodrigo Janot. Segundo advogados que tiveram reuniões com o Ministério Público Federal, os investigadores falam abertamente que, nos próximos acordos fechados, os delatores terão que passar algum tempo na prisão.

No primeiro semestre de 2017, quando a OAS retomou as negociações de sua delação com os procuradores de Brasília, a empreiteira tentava emplacar um acordo com cerca de 50 de seus executivos. A ideia era firmar uma negociação nos moldes da Odebrecht, que incluiu 77 nomes ligados à empresa. Com a saída de Janot do cargo, a proposta não prosperou.

Não é a primeira vez que um ministro do Supremo devolve uma delação para a PGR (leia mais detalhes na análise abaixo). O próprio Fachin já havia devolvido uma delação em agosto de 2017, mas a extensão da decisão naquela época foi muito menor. Ele identificou um erro de redação no acordo de Lúcio Bolonha Funaro, apontado como operador de políticos do PMDB em esquemas de corrupção. A falha foi rapidamente corrigida e, no começo de setembro, Fachin homologou o acordo no Supremo Tribunal Federal.

A devolução das oito delações é mais um episódio da negociação da colaboração da OAS, que está em curso há quase dois anos e é marcada por reviravoltas. A principal delas aconteceu em agosto de 2016, quando as tratativas foram suspensas por Rodrigo Janot após vazamentos de informações que supostamente integravam o acordo da construtora.

LENIÊNCIA TAMBÉM PARADA

Em abril de 2017, a Procuradoria-Geral da República e a força-tarefa de Curitiba retomaram as conversas com a empresa, e foi nesse período que os oito acordos de delação foram fechados. A equipe que integrava o grupo responsável pela Lava-Jato afirmou, na época, que optou por assinar as colaborações que traziam a maior quantidade de provas documentais. Essas foram as últimas negociações enviadas para homologação por Janot, que deixou o cargo em 17 de setembro do ano passado.

A OAS, que está em recuperação judicial, também enfrenta outro problema: teve sua proposta de leniência, especie de delação premiada da pessoa jurídica, negada. Assim, a empresa corre o risco de se tornar inidônea e não poder mais ser contratada pelo poder público. Integrantes da força-tarefa de Curitiba, responsável pela negociação, afirmaram que a empresa não trouxe informações relevantes que justificassem o fechamento do acordo.

Procurado para falar sobre a devolução das delações, o gabinete do ministro Edson Fachin afirmou que “não está autorizado a se manifestar sobre processos que tramitem sob regime de sigilo”. A OAS, a Procuradoria-Geral da República e a força-tarefa de Curitiba não quiseram se pronunciar sobre o caso.

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Dos depoimentos do fim do mundo ao pé no freio

André de Souza

18/02/2018

 

 

Tendência de colaborações é de comedimento, tanto na PGR, como no STF

BRASÍLIA — Desde a delação do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, a primeira da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), homologada em 2014, várias outras surgiram. Colaborações explosivas se multiplicaram, uma pior do que a outra. Os 78 delatores da Odebrecht e as dezenas de inquéritos abertos em abril de 2017 já pareciam pertencer a um passado distante quando, um mês depois, a colaboração da JBS e a gravação do empresário Joesley Batista colocaram o presidente Michel Temer no centro da Lava-Jato.

Mas os ventos mudaram, e a tendência agora é de comedimento, tanto na Procuradoria-Geral da República (PGR), como no STF. Ficou mais comum os ministros da Corte devolverem acordos à PGR para ajustes. Não que isso não ocorresse antes. O ministro Teori Zavascki, por exemplo, já havia devolvido, em 2016, a delação do ex-deputado Pedro Corrêa, cujo acordo só viria a ser homologado em 2017 pelo ministro Edson Fachin. Foi um caso isolado.

O que mudou, então? No meio do caminho, tinha a delação da JBS e todos os problemas envolvendo Joesley e o executivo Ricardo Saud. Depois de homologado o acordo, a própria PGR, então comandada por Rodrigo Janot, pediu sua rescisão. Motivo: os delatores esconderam informações. Os críticos da forma como as delações estavam sendo conduzidas, inclusive dentro do STF, caso do ministro Gilmar Mendes, não perdoaram. Destacaram penas baixas ou inexistentes e a “frouxidão” das negociações.

De lá para cá, surgiram casos de colaborações devolvidas à PGR por diferentes ministros. Ricardo Lewandowski fez isso em novembro com Renato Pereira, marqueteiro do PMDB do Rio de Janeiro. Mais ou menos na mesma época, o ministro Alexandre de Moraes devolveu uma delação que estava com ele, mas sem detalhar do que se tratava.

Agora é a vez da OAS, com Fachin, o mesmo ministro que, no ano passado, havia homologado a delação da JBS e, por isso, não escapou das críticas quando a rescisão do acordo foi pedida. Gato escaldado? É possível, embora não se tenha certeza, uma vez que ele não comenta a devolução da delação da OAS em razão do sigilo do processo.

Na PGR, também houve mudanças, a começar pela nova chefe: Raquel Dodge substituiu Janot em setembro do ano passado. Desde então, diminuiu a disposição por novas colaborações. O órgão já rejeitou, por exemplo, a delação do empresário Eike Batista, por considerar as informações entregues por ele superficiais e insuficientes. O acordo com o ex-ministro Antonio Palocci também está travado. E a PGR já até mesmo prepara um “manual da delação” para orientar os procuradores.

Que futuro terão as delações no Brasil? Ainda é cedo para dizer, mas tudo indica que não será da mesma forma como no auge da Lava-Jato, quando, praticamente a cada mês, um colaborador novo aparecia.