GERALDA DOCA
CAROLINA BRÍGIDO
— Agora, o governo tem outra prioridade — resumiu ao GLOBO o ministro da SecretariaGeral do Governo, Carlos Marun, referindo-se ao decreto que prevê a intervenção, que terá de ser votado por Câmara e Senado.
FALTA DE VOTOS PESOU NA DECISÃO DE TEMER
Segundo um interlocutor do Planalto, na noite de quinta-feira, Temer perguntou a Rodrigo Maia se ele garantia os 308 votos necessários para aprovar a reforma da Previdência. Em caso positivo, Temer disse que seguraria a intervenção. Maia teria respondido que não, pois estava muito difícil conseguir os votos que faltavam. Então o presidente da República teria se sentido à vontade para instituir uma nova agenda voltada à segurança pública.
A próxima semana seria decisiva para a votação da reforma. As discussões começariam na terçafeira, mas o item saiu da pauta. Com isso, sobrarão apenas três dias na semana seguinte. O Planalto queria liquidar esse assunto ainda este mês, porque sabe que, se o processo entrar para março e abril, as chances de aprovação serão ainda mais remotas, diante do calendário eleitoral.
— Sem dúvida, o fato novo da intervenção dificulta muito a aprovação da reforma — disse um interlocutor do governo diretamente envolvido na reforma da Previdência.
MINISTROS DO STF DISCORDAM SOBRE TRAMITAÇÃO
A Constituição Federal é clara e não aceita qualquer emenda ao seu texto “na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”. Portanto, enquanto durar o decreto de intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro, o Congresso Nacional não poderá votar a reforma da Previdência. Na avaliação de um integrante do Supremo Tribunal Federal (STF), a reforma não pode sequer tramitar enquanto o decreto estiver em vigor. Para esse ministro do STF, não se pode discutir o tema oficialmente em comissões ou no plenário.
Esse impedimento poderia dificultar ainda mais a já emperrada aprovação da reforma da Previdência. A PEC já foi aprovada pela comissão especial da Câmara e, agora, falta o plenário. Passada essa fase, o governo precisaria de mais tempo para azeitar a tramitação no Senado.
A avaliação sobre as restrições à mudança da Constituição durante a vigência de uma intervenção, porém, não é unânime. Outro ministro do STF acredita que a proibição de se discutir propostas de emenda à Constituição no Congresso durante a vigência de intervenção não é tão clara. Para esse ministro, a proibição seria à aprovação da medida, e não a sua tramitação.
No entanto, o STF nunca decidiu se uma PEC pode tramitar nessas condições. Se o assunto chegar ao tribunal, será a primeira vez que os ministros vão decidir sobre como deve ser o andamento de PEC durante intervenção.
A intenção dos governistas é que, quando a reforma estiver engatilhada, com perspectiva de acordo nos pontos mais cruciais, o decreto do Rio seria revogado para que o tema tramite e seja aprovado a toque de caixa na Câmara. Durante a revogação do decreto, seria adotado o instrumento Garantia da Lei e da Ordem (GLO, mecanismo no qual, normalmente, a gestão da segurança fica a cargo das autoridades locais). Mas, segundo o governo, neste caso, seria criado uma “GLO ampliada”, numa manobra para tentar conciliar a necessidade de aprovação da reforma da Previdência com a intervenção no Rio.
O problema é que, ainda que a reforma seja aprovada na Câmara, as discussões poderiam se estender por mais tempo no Senado, onde o texto teria que passar por comissões antes de ir ao plenário. E o governo não deixou claro se a revogação do decreto de intervenção no Rio valeria só no período de votações ou durante toda a tramitação no Senado.
A revogação temporária do decreto de intervenção foi acertada por Temer com os presidentes da Câmara e do Senado (Eunício Oliveira). Temer destacou que a continuidade da reforma é importante para o futuro do país.
— Quando ela estiver para ser votada... eu farei cessar a intervenção — disse ele.
Ontem à tarde, após o presidente da República anunciar a medida, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, explicou que, em caso de aprovação da reforma da Previdência, será enviado ao Congresso um novo decreto de intervenção.
— O presidente vai revogar o decreto, em seguida ele vai decretar um GLO (Garantia da Lei e da Ordem) ampliada. Vai se colocar uma GLO ampliada, onde nós teremos não apenas a parceria, mas nós ficaremos com a gestão da segurança —explicou Jungmann.
No mercado financeiro, os analistas já dão como certo que a reforma da Previdência não será votada este ano. “Podemos esquecer qualquer chance de aprovação desta esse ano. Sobre a ideia de fazer um interregno na intervenção para a votação, apesar de factível, não nos parece crível”, afirmou ontem, em relatório a clientes, o economista Luis Otavio Leal, do banco ABC Brasil.
Para interlocutores de Temer, agora, mais do que nunca, a reforma está nas mãos do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que disse que só votaria a matéria no dia 28 com os 308 votos necessários — que o governo não tem hoje. Maia, no entanto, ainda buscará apoio dos governadores, em uma reunião na próxima segundafeira, na tentativa de aprovar a proposta, nem que ela seja menor e atinja só os servidores públicos.
— A reforma do setor público tem amplo apoio da sociedade — disse Maia, admitindo porém que isso não resolve o problema das contas públicas.
COMO ESTÁ A TRAMITAÇÃO
PARALISAÇÃO: Com as denúncias contra o presidente Michel Temer, encaminhadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), a matéria ficou parada até novembro, quando as discussões foram retomadas. A PEC já poderia ter sido votada pelo plenário da Casa, mas o governo não tinha os votos necessários.
PRÓXIMOS PASSOS: A votação da reforma pelo plenário estava marcada para o dia 28 de fevereiro. As discussões começariam na próxima terça-feira, mas o item saiu da pauta após a decisão do governo de decretar intervenção no Rio.
APÓS A CÂMARA: Se for aprovada no plenário da Câmara (em dois turnos), a reforma terá de ser encaminhada ao Senado, onde precisará passar passar pela CCJ. Aprovada, seguirá para o plenário da Casa, também em dois turnos. Se houver alteração, precisa voltar para a Câmara. Se for aprovada como veio da Câmara, o próximo passo é a promulgação, em sessão solene do Congresso. Diferentemente de projeto de lei, emenda à Constituição não é sancionada ou vetada pelo presidente da República.