O globo, n.30875 , 17/02/2018. ECONOMIA, p.23

REFORMA AINDA MAIS DISTANTE

GERALDA DOCA

CAROLINA BRÍGIDO

 

 

Intervenção no Rio aperta calendário e cria dúvidas jurídicas sobre votação da PrevidênciaA decisão do presidente Michel Temer de decretar intervenção federal na segurança pública do Rio jogou uma pá de cal na pretensão do governo de aprovar a reforma da Previdência na Câmara até o fim deste mês. Embora o Palácio do Planalto e a área econômica não tenham desistido publicamente da proposta, nos bastidores o clima é de desânimo. Três fatores conspiram contra a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC): o calendário, que agora ficou ainda mais apertado; a falta do mínimo de 308 votos para que o texto passe na Casa; e dúvidas jurídicas sobre a possibilidade de mudar a Constituição durante uma intervenção militar, mesmo com o anúncio feito por Temer de que o decreto seria revogado temporariamente, para permitir a votação.

 

— Agora, o governo tem outra prioridade — resumiu ao GLOBO o ministro da SecretariaGeral do Governo, Carlos Marun, referindo-se ao decreto que prevê a intervenção, que terá de ser votado por Câmara e Senado.

 

FALTA DE VOTOS PESOU NA DECISÃO DE TEMER

Segundo um interlocutor do Planalto, na noite de quinta-feira, Temer perguntou a Rodrigo Maia se ele garantia os 308 votos necessários para aprovar a reforma da Previdência. Em caso positivo, Temer disse que seguraria a intervenção. Maia teria respondido que não, pois estava muito difícil conseguir os votos que faltavam. Então o presidente da República teria se sentido à vontade para instituir uma nova agenda voltada à segurança pública.

A próxima semana seria decisiva para a votação da reforma. As discussões começariam na terçafeira, mas o item saiu da pauta. Com isso, sobrarão apenas três dias na semana seguinte. O Planalto queria liquidar esse assunto ainda este mês, porque sabe que, se o processo entrar para março e abril, as chances de aprovação serão ainda mais remotas, diante do calendário eleitoral.

— Sem dúvida, o fato novo da intervenção dificulta muito a aprovação da reforma — disse um interlocutor do governo diretamente envolvido na reforma da Previdência.

 

MINISTROS DO STF DISCORDAM SOBRE TRAMITAÇÃO

A Constituição Federal é clara e não aceita qualquer emenda ao seu texto “na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”. Portanto, enquanto durar o decreto de intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro, o Congresso Nacional não poderá votar a reforma da Previdência. Na avaliação de um integrante do Supremo Tribunal Federal (STF), a reforma não pode sequer tramitar enquanto o decreto estiver em vigor. Para esse ministro do STF, não se pode discutir o tema oficialmente em comissões ou no plenário.

Esse impedimento poderia dificultar ainda mais a já emperrada aprovação da reforma da Previdência. A PEC já foi aprovada pela comissão especial da Câmara e, agora, falta o plenário. Passada essa fase, o governo precisaria de mais tempo para azeitar a tramitação no Senado.

A avaliação sobre as restrições à mudança da Constituição durante a vigência de uma intervenção, porém, não é unânime. Outro ministro do STF acredita que a proibição de se discutir propostas de emenda à Constituição no Congresso durante a vigência de intervenção não é tão clara. Para esse ministro, a proibição seria à aprovação da medida, e não a sua tramitação.

No entanto, o STF nunca decidiu se uma PEC pode tramitar nessas condições. Se o assunto chegar ao tribunal, será a primeira vez que os ministros vão decidir sobre como deve ser o andamento de PEC durante intervenção.

A intenção dos governistas é que, quando a reforma estiver engatilhada, com perspectiva de acordo nos pontos mais cruciais, o decreto do Rio seria revogado para que o tema tramite e seja aprovado a toque de caixa na Câmara. Durante a revogação do decreto, seria adotado o instrumento Garantia da Lei e da Ordem (GLO, mecanismo no qual, normalmente, a gestão da segurança fica a cargo das autoridades locais). Mas, segundo o governo, neste caso, seria criado uma “GLO ampliada”, numa manobra para tentar conciliar a necessidade de aprovação da reforma da Previdência com a intervenção no Rio.

O problema é que, ainda que a reforma seja aprovada na Câmara, as discussões poderiam se estender por mais tempo no Senado, onde o texto teria que passar por comissões antes de ir ao plenário. E o governo não deixou claro se a revogação do decreto de intervenção no Rio valeria só no período de votações ou durante toda a tramitação no Senado.

A revogação temporária do decreto de intervenção foi acertada por Temer com os presidentes da Câmara e do Senado (Eunício Oliveira). Temer destacou que a continuidade da reforma é importante para o futuro do país.

— Quando ela estiver para ser votada... eu farei cessar a intervenção — disse ele.

Ontem à tarde, após o presidente da República anunciar a medida, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, explicou que, em caso de aprovação da reforma da Previdência, será enviado ao Congresso um novo decreto de intervenção.

— O presidente vai revogar o decreto, em seguida ele vai decretar um GLO (Garantia da Lei e da Ordem) ampliada. Vai se colocar uma GLO ampliada, onde nós teremos não apenas a parceria, mas nós ficaremos com a gestão da segurança —explicou Jungmann.

No mercado financeiro, os analistas já dão como certo que a reforma da Previdência não será votada este ano. “Podemos esquecer qualquer chance de aprovação desta esse ano. Sobre a ideia de fazer um interregno na intervenção para a votação, apesar de factível, não nos parece crível”, afirmou ontem, em relatório a clientes, o economista Luis Otavio Leal, do banco ABC Brasil.

Para interlocutores de Temer, agora, mais do que nunca, a reforma está nas mãos do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que disse que só votaria a matéria no dia 28 com os 308 votos necessários — que o governo não tem hoje. Maia, no entanto, ainda buscará apoio dos governadores, em uma reunião na próxima segundafeira, na tentativa de aprovar a proposta, nem que ela seja menor e atinja só os servidores públicos.

— A reforma do setor público tem amplo apoio da sociedade — disse Maia, admitindo porém que isso não resolve o problema das contas públicas.

 

COMO ESTÁ A TRAMITAÇÃO

COMISSÕES: A proposta foi enviada ao Congresso em 6 de dezembro de 2016. A PEC passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados rapidamente e, em maio de 2017, foi aprovada pela comissão especial que tratou do tema, depois de várias modificações no texto original.

PARALISAÇÃO: Com as denúncias contra o presidente Michel Temer, encaminhadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), a matéria ficou parada até novembro, quando as discussões foram retomadas. A PEC já poderia ter sido votada pelo plenário da Casa, mas o governo não tinha os votos necessários.

PRÓXIMOS PASSOS: A votação da reforma pelo plenário estava marcada para o dia 28 de fevereiro. As discussões começariam na próxima terça-feira, mas o item saiu da pauta após a decisão do governo de decretar intervenção no Rio.

APÓS A CÂMARA: Se for aprovada no plenário da Câmara (em dois turnos), a reforma terá de ser encaminhada ao Senado, onde precisará passar passar pela CCJ. Aprovada, seguirá para o plenário da Casa, também em dois turnos. Se houver alteração, precisa voltar para a Câmara. Se for aprovada como veio da Câmara, o próximo passo é a promulgação, em sessão solene do Congresso. Diferentemente de projeto de lei, emenda à Constituição não é sancionada ou vetada pelo presidente da República.