O globo, n. 30866, 08/02/2018. Economia, p. 15

 

Sem reforma, freio nos juros

Gabriela Valente, Rennan Setti e Joaõ Sorima Neto

08/02/2018

 

 

BC reduz Selic a 6,75% e sinaliza fim dos cortes. Para analistas, incerteza sobre Previdência pesou

-BRASÍLIA, RIO E SÃO PAULO- O Banco Central promoveu ontem o 11º corte consecutivo na taxa básica de juros. O Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu, por unanimidade, a Selic em 0,25 ponto percentual, para 6,75% ao ano, seu menor patamar histórico. Em seu comunicado, o Copom afirmou que “vê, neste momento, como mais adequada a interrupção do processo de flexibilização monetária.” Analistas também avaliam que o ciclo de cortes, iniciado em outubro de 2016, chegou ao fim e que isso se deve à incerteza sobre a aprovação da reforma da Previdência.

“Para a próxima reunião, caso o cenário básico evolua conforme esperado, o comitê vê, neste momento, como mais adequada a interrupção do processo de flexibilização monetária”, disse o Copom no comunicado. Mas deixou uma brecha: “Essa visão para a próxima reunião pode se alterar e levar a uma flexibilização monetária moderada adicional, caso haja mudanças na evolução do cenário básico e do balanço de riscos.”

Para Paulo Petrassi, da Leme Investimentos, essa fresta foi surpreendente.

— A possibilidade de novo corte citada no comunicado pareceu uma espécie de recado sobre a reforma da Previdência: se ela passar, mesmo diluída, pode ser que o Copom baixe a Selic de novo — explicou. — O mercado já dá a Previdência como caso perdido e, se qualquer coisa sobre ela fosse aprovada, teria impacto positivo, ainda que não resolvesse o quadro fiscal.

MUDANÇA EM CENÁRIO EXTERNO PREOCUPA

Tatiana Pinheiro, economista do Santander, concorda. Ela avalia que, se o projeto original da reforma da Previdência tivesse sido aprovado no ano passado, o BC teria condições de estender o ciclo de queda de juros:

— O BC tem repetido, em seus comunicados, que ajustes na economia ajudam a trazer a taxa estrutural de juros do país para baixo. Se a reforma for aprovada, nada impede que o BC estenda o ciclo de de queda, já que a Previdência é o grande gargalo do problema fiscal.

A frustração da continuidade das reformas e dos ajustes necessários à economia é um dos riscos listados pelo BC, pois resultaria em um aumento de juros no mercado financeiro. Isso contaminaria a inflação, o que levaria à alta da Selic. O comunicado citou ainda uma possível mudança no cenário externo, atualmente favorável aos emergentes. Um aumento dos juros nos Estados Unidos mais rápido do que o esperado — algo que alimentou o pânico dos mercados na segunda-feira — faria com que investidores estrangeiros retirassem seus recursos das economias emergentes.

Mas o BC também listou fatores benéficos, que podem levar a inflação a ficar abaixo do esperado, como ocorreu em 2017. Entre eles, o efeito da queda nos preços de alimentos e de bens industriais. Há ainda a possível propagação do IPCA baixo nas perspectivas de inflação futura — ou seja, o empresário deixou o hábito de subir preventivamente o preço com medo da inflação, o que criava um círculo vicioso. Para este ano e 2019, as projeções do BC apontam inflação de 4,2%, abaixo do centro da meta, de 4,5%. No ano passado, o índice ficou abaixo do piso, de 3%.

Para Patrícia Pereira, gestora de Renda Fixa da Mongeral Aegon Investimentos, o cenário do BC só muda se a reforma da Previdência passar. Mas ela não espera que isso ocorra:

— É muito baixa a probabilidade de uma alteração que permita uma nova redução. Só mesmo a reforma da Previdência, e a probabilidade de ela ser votada é muito baixa.

JUROS REAIS ‘AUDACIOSOS’

O economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, porém, não acredita que a aprovação da reforma vá mudar o cenário para a Selic:

— Se tivesse sido feita no ano passado, poderia ter aumentado a probabilidade de novos cortes. Mas, hoje, mesmo que ela passasse, não levaria o BC a cortar a Selic. O texto está diluído, e o governo segue negociando seus detalhes.

Para Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama, não há espaço para novos cortes da Selic:

— Não temos mais perspectiva de uma inflação cadente, não teremos nova supersafra... Os juros reais começam a ficar audaciosos para um país que não tem perspectiva de melhora fiscal até onde a vista alcança. Ir adiante com o corte de juros seria audácia demais.

Com o corte de ontem, o Brasil saiu da 4ª para a 5ª posição no ranking de juros reais do mundo, elaborado pela Infinity Asset/Moneyou.

Pelo Twitter, o presidente Michel Temer afirmou que o governo fez o “dever de casa” e criou as condições para o BC cortar os juros. “O Brasil acaba de receber uma ótima notícia. A taxa básica de juros caiu para o menor nível da história, para 6,75% ao ano. Isso é motivo para comemorar.”

Entidades empresariais, como Fiesp e Firjan, elogiaram a decisão do Copom, mas alertaram que, sem as reformas, os avanços macroeconômicos podem se perder. Já a Força Sindical classificou o corte de tímido.

Logo após a decisão do Copom, Itaú, Bradesco e Santander anunciaram redução nos juros de suas linhas de crédito.

 


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Fresta deixada para uma nova redução é pequena demais

Rennan Setti

08/02/2018

 

 

É improvável que BC retome o ciclo de queda dos juros se não houver mudança de regras na aposentadoria nem continuidade do cenário externo favorável

Ao cortar os juros pela 11ª vez seguida ontem, para 6,75% ao ano, o Comitê de Política Monetária (Copom) matou a curiosidade dos economistas: não pretende reduzir as taxas de novo na próxima reunião. Será o fim de um ciclo iniciado em outubro de 2016. Mesmo assim, o BC julgou prudente deixar em aberto a possibilidade de que “mudanças na evolução do cenário básico e do balanço de riscos” levem a mais um corte adicional e moderado daqui a 45 dias. A verdade, porém, é que, na opinião do mercado financeiro e de economistas, apenas uma surpresa muito positiva poderia fazer com que os juros continuassem cadentes.

Desde a última reunião, em dezembro, dois dos fatores que embasaram a trajetória de corte sofreram mudanças importantes. O primeiro é a continuidade das reformas, cuja adoção contribuiu “para a queda da sua taxa de juros estrutural”, segundo o comunicado do Copom. A verdade é que o ano virou, mas a reforma da Previdência — a de maior impacto fiscal, próximo de R$ 500 bilhões em uma década — parece cada vez mais distante. Na Câmara, o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) quer votar o texto este mês, mas garante que só o fará caso os votos existam. O governo não tem os 308 votos necessários e sabe disso. Tornaram-se raros os investidores e operadores do mercado que acreditam que o governo Temer entregará a reforma prometida.

Sem reformas, argumentam os economistas, a pressão fiscal será tamanha que o nível de juros brasileiro terá de ser necessariamente maior do que o planejado pelo governo. Isso para conter uma inflação mais intensa e convencer os investidores globais a manterem o dinheiro aqui. O comunicado do Copom não faz menção às dificuldades recentes da reforma da Previdência, praticamente repetindo o texto anterior. Mas o BC, como qualquer um em Brasília, sabe quão difícil será sua aprovação.

SOLAVANCO EM WALL STREET DISSIPA OTIMISMO

A segunda premissa que sofreu alterações diz respeito ao cenário externo. O solavanco histórico de Wall Street esta semana — que fez evaporar US$ 1,9 trilhão da capitalização dos mercados globais em apenas um pregão — dissipou um otimismo arrogante que havia tomado conta das Bolsas, mimadas por recordes sucessivos ao longo dos últimos meses. Os agentes ainda estão se levantando daquele atropelo, e ninguém sabe ainda se ele deixará efeitos perenes ou se terá servido apenas como um alerta-relâmpago. Por enquanto, sua consequência mais óbvia foi disseminar cautela.

Em dezembro, o BC observara que poderia mexer em sua política monetária caso ocorresse uma “reversão (...) no cenário externo favorável para economias emergentes.” Isso porque a recuperação das economias globais se dava “sem pressionar em demasia as condições financeiras nas economias avançadas”: ou seja, crescem sem precisar apertar muito os juros. Essa condição ainda se sustenta, e o day-after ao tombo do índice Dow Jones não sugere, por ora, alteração sensível de rota. Mas uma das razões para a queda brusca de segunda-feira foi um número mais forte que o esperado sobre o avanço dos salários nos EUA, divulgado na sexta-feira.

A partir dele, os investidores começaram a se preocupar com a trajetória dos juros americanos. O dado sugeria aceleração mais intensa da inflação e, consequentemente, aperto maior nas taxas do Fed. Especulou-se que o banco central dos EUA e seu novo presidente — que teve o azar de assumir o cargo no dia em que o Dow Jones perdeu a maior quantidade de pontos em sua história, e isso em apenas seis minutos! — precisarão fazer mais elevações nas taxas de juros básicas do que as três previstas para este ano.

Um Fed mais hawkish (jargão do mercado para uma autoridade monetária mais propensa a elevar suas taxas) que o previsto é ruim para o Brasil e seus pares emergentes, que passam a enfrentar maior dificuldade para atrair investidores e, logo, têm menor liberdade para cortar seus próprios juros.

O Copom, a julgar pelo seu comunicado, não parece ter mudado sua percepção por causa dos acontecimentos em Wall Street, contentando-se em fazer breve menção à “volatilidade recente das condições financeiras nas economias avançadas.” Com esses entraves, avalia-se que a fresta aberta deixada para uma nova redução da Selic é de espaço muito curto — tão curto que, talvez, apenas uma reforma considerada certeira pelo mercado poderia penetrar.