O globo, n. 30865, 07/02/2018. País, p. 6

 

Viaduto que desabou em Brasília já estava condenado

Patrik Camporez, Renata Mariz e Daniel Gullino

07/02/2018

 

 

Relatório pediu reforma urgente; para governador, DF ‘está envelhecendo’

-BRASÍLIA- Eram 11h45m da manhã de ontem quando um trecho de 30 metros de um viaduto veio abaixo na área central de Brasília. Depois de um forte estrondo, houve correria e pânico. O local do desmoronamento fica a menos de três quilômetros do Congresso e a poucos minutos da Esplanada dos Ministérios. Quatro veículos foram esmagados pela montanha de concreto, e um restaurante que funcionava sob a estrutura também ficou destruído. Nenhuma pessoa sofreu ferimentos graves.

Entidades como o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-DF) e o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TC-DF) reagiram imediatamente ao acidente, avaliando que “foi uma tragédia anunciada”. Uma auditoria feita em julho de 2012 pelo tribunal indicou que o viaduto sobre a Galeria dos Estados precisava de “manutenção urgente”. Em 2011, um outro relatório, feito pelo Sindicato da Arquitetura e da Engenharia (Sinaenco), deu ao viaduto um selo de “prazo de validade vencido”, pelas condições encontradas na ocasião. No local, passam por dia nada menos que 50 mil veículos, segundo o Departamento de Estradas e Rodagem do DF (DER-DF).

O relatório do TC-DF avaliou “a destinação de recursos para obras em andamento e os procedimentos relativos às atividades de manutenção dos bens”. Os auditores afirmaram que, na época, as atividades de manutenção não estavam “adequadamente organizadas” e disseram que os recursos para a área eram insuficientes, o que ameaçava a segurança da população. Já a presidente do Crea, Fátima Có, disse que faltou “vontade política” para fazer a manutenção, após alertas de vários órgãos, inclusive da entidade que preside.

Na auditoria do Tribunal de Contas, o viaduto sobre a Galeria dos Estados aparece com a avaliação “necessita de reparos/manutenção urgente”. Mais seis construções ficaram na mesma categoria, sendo uma delas, outro trecho do mesmo viaduto onde ocorreu o acidente. Em nota, o Tribunal de Contas informou que, desde a auditoria, “a corte tem reiterado determinações para que o governo do Distrito Federal implemente um plano de conservação de bens e monumentos públicos e destine recursos para essa ação, o que não foi cumprido integralmente pelo Governo do Distrito Federal (GDF)”.

O governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, que esteve no local do desmoronamento, admitiu que o governo tinha conhecimento da falta de manutenção da estrutura do viaduto. Ele disse, no entanto, que começou os reparos, seguindo as recomendações do TC-DF, em outros viadutos da região central que têm maior fluxo, com investimento de R$ 67,7 milhões.

— Infelizmente ainda não tínhamos começado a reforma desse viaduto— afirmou Rodrigo Rollemberg.

O governador determinou a interdição da área até o dia 19 de fevereiro para uma perícia sobre as causas do acidente e intervenções no local:

— Do ponto de vista técnico, tudo que puder ser feito para escorar e recuperar o viaduto será feito. Brasília é uma cidade que está envelhecendo, é feita de concreto.

PÂNICO E MEDO

Três horas após o desabamento, alarmes dos carros esmagados ainda apitavam debaixo dos escombros. Os bombeiros, mesmo usando cães farejadores e drones para vasculhar a área, ainda tinham dúvidas sobre a existência de vítimas sob o concreto. Óleo e combustível que vazava dos veículos soterrados já tinham escorrido por mais de 200 metros, chegando aos bueiros da via paralela.

— Ouvi um estrondo enorme, e tudo veio abaixo. (O viaduto) Caiu em cima de uma região onde ficam flanelinhas. Tive que sair correndo — contou a assistente administrativa Eliane Gomes, de 31 anos, que presenciou a queda da estrutura.

O sargento do Corpo de Bombeiros Anderson Lima, de 47 anos, conta que estava por acaso na área quando parte do viaduto desabou.

— Eu ia numa loja que fica embaixo da Galeria dos Estados. Sem dúvida fui salvo por pouco — afirmou o sargento Lima.

Outra testemunha, Lindemberg Igor, de 50 anos, funcionário do banco BRB, teve seu carro achatado.

— Saí para almoçar. Cinco minutos depois de eu sair do carro. Tenho o hábito de ir no carro descansar do almoço. Hoje não fui. Deus sabe o que faz. Foi um milagre — contou Lindemberg.

CREA: TRECHO DEVE SER IMPLODIDO

Presidente do Crea, Fátima Có discorda. Segundo ela, a estrutura que restou poderá cair a qualquer momento. O trecho, avalia, deve ser implodido

— Aquele viaduto tem seis vãos, que passaram pelas mesmas condições ambientais, de falta de manutenção, sem reparos. Se caiu um, os outros podem cair também — alertou.

Fátima Có convocou a imprensa para apresentar um caderno de propostas, endereçado ao governo do DF em 2011, no qual o Crea aponta a necessidade de manutenções preventivas e corretivas em passarelas, pontes e viadutos.

No mesmo ano, um outro relatório, feito pelo Sindicato da Arquitetura e da Engenharia, recomendava “intervenção urgente face ao alto número de veículos que ali trafega”. Entre os problemas listados, estavam risco de queda de pedras, infiltrações e falta de manutenção. O documento aponta que falhas já haviam sido verificadas em inspeção anterior, feita em 2009.

— Se tivesse havido manutenção adequada, isso não teria acontecido — lamentou o presidente da Sinaenco, Sergei Fortes. — É cultural no Brasil, não só em Brasília, não se fazer manutenção preventiva, periodicamente, com orçamento para isso — completou.