O globo, n. 30864, 06/02/2018. País, p. 4

 

Inquérito de Jucá completa 14 anos no STF e prescreve

André de Souza e Catarina Alencastro

06/02/2018

 

 

Ao pedir arquivamento, Dodge cita demora e diz que PF não achou provas

-BRASÍLIA- Após 14 anos de tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), um inquérito aberto para investigar o presidente do PMDB e líder do governo do Senado foi arquivado por prescrição de crimes dos quais ele era suspeito. O senador Romero Jucá era investigado por supostos desvios de verbas federais para o município de Cantá, em Roraima, estado pelo qual ele foi eleito. A decisão de arquivar foi tomada pelo relator, ministro Marco Aurélio Mello, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). Nesses casos, a praxe é atender o pedido do órgão acusador.

No pedido de arquivamento, Dodge chamou de “extremamente longo” o período de apuração dos fatos, e ressalta que os investigadores não conseguiram provar a participação de Jucá nos crimes.

Pelas regras da prescrição, ele poderia ser punido até 16 anos depois dos supostos crimes, que teriam ocorrido em 2001. O prazo terminou, portanto, em 2017. O caso foi denunciado em 2002, começou a ser apurado na Justiça Federal de Roraima, mas, como Jucá tem foro privilegiado, chegou ao STF em 2004. Jucá comemorou o arquivamento e disse que outros processos de investigação envolvendo seu nome também serão arquivados.

LAVA-JATO

O senador ainda tem mais de uma dezena de inquéritos no STF. Boa parte deles tem origem na Operação Lava-Jato.

— É ótimo. Fico satisfeito (com o arquivamento). Todas as minhas questões serão arquivadas. Que bom que arquivaram (essa). Já arquivaram três. Quem está na vida pública padece de ser investigado — afirmou o senador.

Para o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende Jucá, houve abuso do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF). Mesmo sem provas, teriam deixado o inquérito se arrastar, prejudicando o senador. A situação só teria mudado na atual gestão da PGR, comandada desde setembro do ano passado pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

“Pelo que se extrai dos autos, as diligências apuratórias empreendidas pela autoridade policial, notadamente em razão do transcurso de período extremamente longo desde os fatos apurados, não se mostrou eficiente para comprovar a materialidade e a autoria de desvio de recursos públicos (...). A autoridade policial não apresentou dados minimamente plausíveis para a continuidade das apurações. Além disto, parte dos crimes investigados foram atingidos pela prescrição”, escreveu Dodge, em dezembro do ano passado.

“Os fatos foram noticiados por meio da Carta-Denúncia nº 01/2002, formalizada pela Central dos Assentados de Roraima — CAR e apresentada na Superintendência Regional do Incra, em Roraima, acompanhada de fita cassete com gravação ambiental na qual o prefeito do citado Município, Paulo de Sousa Peixoto, afirma receber comissões de 10% do valor de toda obra realizada na cidade, aludindo a Senador da República de Roraima, também destinatário de valores espúrios”, diz o despacho de Marco Aurélio.

Segundo o advogado de Jucá, é injusto dizer que o arquivamento foi por prescrição:

— A Raquel está tendo a coragem de tirar esses dinossauros da gaveta. A investigação por um prazo indeterminado já é uma pré-condenação.

Jucá era acusado de peculato, crime definido assim no Código Penal: “Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio”. O delito dá pena de dois a 12 anos de prisão.

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PF acha ligações de Temer com coronel Lima

Daniel Gullino

06/02/2018

 

 

Houve 12 telefonemas entre o presidente e o amigo, que foi intimado a depor

-BRASÍLIA- Um relatório da Polícia Federal (PF) encontrou 12 ligações “aparentemente” feitas entre o presidente Michel Temer e o coronel aposentado João Baptista Lima Filho, entre abril e maio de 2017. Lima é amigo de Temer e foi apontado na delação da J&F como intermediário de propina para o presidente.

Os dois são investigados no inquérito que apura irregularidades em um decreto do presidente sobre o setor portuário. A PF já intimou Lima várias vezes para depor, mas ele tem adiado sucessivamente alegando problemas de saúde.

As informações estão no celular do coronel, que foi apreendido em maio, na Operação Patmos, baseada na delação da J&F. Há registros de conversas com números que estão no nome de Temer, mas a PF não garante que o presidente estivesse do outro lado.

“Verificou-se, após a análise do material, a existência de várias ligações telefônicas aparentemente entre o coronel Lima e o presidente Michel Temer”, diz o texto.

No dia da operação, policiais federais cumpriram mandados de busca e apreensão na casa de Lima e no escritório da sua empresa, a Argeplan, ambas em São Paulo. O inquérito com as informações sobre o celular foi enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF).

As ligações ocorreram entre os dias 20 de abril e 13 de maio — a operação foi deflagrada no dia 18. De acordo com os registros, o telefonema mais longo foi de quatro minutos e 45 segundos, enquanto o mais curto foi de sete segundos.

Os investigadores também ressaltaram que Lima tinha, em seu celular, os contatos do empresário Joesley Batista, um dos delatores da J&F; do ex-assessor presidencial José Yunes, apontado como intermediário de propina para o PMDB nas delações da Odebrecht e de Lúcio Funaro; e do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, um dos mais próximos de Temer.

“Os dados analisados demonstram João Baptista Lima Filho como sendo um homem com acesso direto ao presidente Temer, a pessoas importantes ligadas ao Governo, bem como a investigados pela Operação Lava-Jato”, diz o relatório.

CORONEL INTIMADO OUTRA VEZ

Depois de não comparecer várias vezes à PF para depor desde o ano passado, o coronel Lima foi intimado a prestar esclarecimentos mais uma vez na semana passada.

O inquérito sobre o setor portuário foi aberto após interceptações telefônicas flagrarem conversas entre um diretor da Rodrimar, empresa que atua no porto de Santos, e o ex-deputado e ex-assessor presidencial Rodrigo da Rocha Loures (PMDB), sobre o decreto de Temer.

A Polícia Federal analisou também conversas de texto do coronel. Em uma delas, com uma interlocutora identificada como Maria Helena, Lima diz: “Amiga, nessas condições, ainda tenho esperança de receber as ‘gorjetas’ que você não me deu”. O relatório ressalta que não foi possível identificar quem é Maria Helena e qual o significado do termo “gorjeta”.

Com outro interlocutor, chamado Miguel de Oliveira, foi registrada a seguinte mensagem,: “Recebeu pouco. Nas minhas contas deveria ter recebido 120 mil. Estão ‘garfando’ o coitado”. A PF não deixa claro qual dos dois escreveu o texto, e também não identificou quem é Miguel.

Em outra conversa, uma pessoa identificada como Costa pergunta se “Rodrigo” já havia falado com Lima, e recebe uma resposta positiva. Para os investigadores, trata-se “possivelmente” de Carlos Roberto Costa, sócio do coronel na Argeplan. O texto diz que “é possível” que Rodrigo seja Rodrigo Rocha Loures. O relatório diz que essas dúvidas podem ser esclarecidas “em eventual interrogatório”.