O globo, n. 30864, 06/02/2018. País, p. 5

 

Marqueteiros do PT confirmam a Moro caixa 2 da Odebrecht

Cleide Carvalho e Gustavo Schmitt

06/02/2018

 

 

Mônica Moura e João Santana falaram no caso do uso do sítio de Atibaia por Lula

-SÃO PAULO- Mais da metade do valor pago ao marqueteiro do PT na campanha de 2006, que deu ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seu segundo mandato presidencial, veio da Odebrecht por meio de caixa 2. A afirmação foi feita por Mônica Moura, mulher do publicitário João Santana, que depôs ontem ao juiz Sergio Moro no processo em que o ex-presidente é acusado de ter sido beneficiado por empreiteiras com reformas no sítio de Atibaia (SP). Embora tenha ressaltado que não se lembrava dos valores exatos, Mônica disse que o custo foi em torno de R$ 18 milhões, sendo que R$ 10 milhões teriam sido pagos por caixa 2 e outros R$ 8 milhões, oficialmente.

Segundo Mônica, o PT orientou a forma como os pagamentos deveriam ser efetuados. Ela disse que João Santana chegou a conversar com o ex-ministro Antonio Palocci sobre os riscos das operações, já que a imagem do ex-presidente estava abalada pelo mensalão.

— A decisão era absolutamente deles (PT), de receber por caixa 2. Para mim, (pagamento oficial) era menos risco, mais tranquilo, não tinha que carregar mala de dinheiro para lugar nenhum — afirmou Mônica Moura.

A defesa de Lula nega todas as acusações dos delatores. O ex-presidente afirma que é vítima de perseguição política.

Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) referentes à prestação de contas da campanha de Lula em 2006 mostram que a Pólis Propaganda e Marketing, empresa do casal de marqueteiros, recebeu R$ 13,75 milhões por serviços como “produção de programas de rádio, televisão ou vídeo”, “publicidade por materiais impressos”, “criação e inclusão de páginas na internet”, “publicidade por placas, estandartes e faixas” e “produção de jingles, vinhetas e slogans”.

A publicitária disse ainda que seu primeiro contato com a Odebrecht ocorreu justamente na campanha de 2006. Ela e o marido firmaram acordo de delação premiada com a Operação Lava-Jato.

— Nesta eleição (2006), já recebemos parte oficial e parte caixa dois. E a Odebrecht pagou o caixa 2. Foi o primeiro ano que tivemos relação com a Odebrecht, que pagou parte no Brasil e parte no exterior — disse Mônica Moura.

Durante o depoimento de ontem, Mônica Moura afirmou que, mesmo após o escândalo do mensalão, o PT insistiu em continuar com a prática de caixa 2 na campanha de 2006. A defesa do ex-presidente chegou a intervir e lembrar que Lula não foi indiciado na ação do mensalão. Sergio Moro rebateu e disse que estava falando do escândalo, não do processo judicial.

Em agosto de 2005, portanto antes da campanha, abalado pelo escândalo do mensalão, Lula fez um pronunciamento à nação e pediu desculpas aos brasileiros pelo esquema de pagamentos aos deputados em troca de apoio no Congresso. Lula se disse traído e indignado. “Eu me sinto traído por práticas inaceitáveis. Indignado pelas revelações que chocam o país, e sobre as quais eu não tinha qualquer conhecimento”, discursou, na época.

ELEIÇÃO EM EL SALVADOR

Mônica Moura ressaltou que todos os partidos usam caixa 2, mas admitiu que, a partir de 2006, trabalhou apenas nas várias campanhas do PT, como a de Marta Suplicy, em 2008, à Prefeitura de São Paulo e a da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2010. Segundo a publicitária, o negociador dos contratos era o ex-ministro Antonio Palocci, mas a pessoa com quem ela tinha mais contato era com João Vaccari, tesoureiro do PT.

O marqueteiro João Santana confirmou ainda que fez a campanha de Maurício Funes à presidência de El Salvador, em 2009, a pedido do PT. Mônica disse que o pedido partiu de Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula, porque o partido tinha interesse que a esquerda ganhasse as eleições não só em El Salvador, mas em vários países da América Latina.

A Moro, João Santana disse que, numa reunião no Palácio do Planalto, o ex-presidente mandou que procurasse Emílio Odebrecht para que a empreiteira fizesse os pagamentos, já que o dinheiro para a eleição de Funes havia acabado faltando menos de um mês e meio para o fim da disputa em El Salvador.

O marqueteiro contou que voltou ao Brasil e pediu que o petista resolvesse o problema:

— Eu vim conversar com o presidente Lula. Eu disse: ‘Presidente, a situação é como se a gente tivesse comprado um boeing e não tivesse querosene. Falta um mês para acabar. E, se não entrar dinheiro para mídia, não tem chance’ — contou o marqueteiro, que, em seguida, emendou: — O presidente (Lula) disse: ‘Você vai ligar para o Emílio Odebrecht, que ele resolve’.

Segundo o marqueteiro, o empresário respondeu que trataria do repasse com Palocci:

— O Emílio afirmou: ‘Você diz ao nosso chefe que eu prefiro tratar isso com o italiano (Antonio Palocci)’. Eu voltei a El Salvador e, dez dias depois, o problema estava resolvido.