O globo, n. 30864, 06/02/2018. Economia, p. 15

 

Adiamento custará R$ 177 bi

Marcello Corrêa, Cristiane Jungblut, Patrik Camporez e Catarina Alencastro

06/02/2018

 

 

Cálculo mostra quanto o governo deixará de economizar em 10 anos caso reforma fique para 2019

-RIO E BRASÍLIA- Adiar a reforma da Previdência para 2019 custará aos cofres públicos pelo menos R$ 177 bilhões ao longo de dez anos — ou 2,4% do PIB. Este é o montante que o governo deixará de economizar se não conseguir aprovar a proposta ainda neste ano, de acordo com estimativa do economista André Gamerman, da ARX Investimentos. O cálculo considera apenas os gastos do INSS. Segundo o especialista, não há dados suficientes para simular as despesas com servidores públicos. Por isso, Gamerman admite que sua conta é conservadora, e o impacto fiscal será ainda maior. No ano passado, por exemplo, o INSS, que contempla 30 milhões de aposentados, teve déficit de R$ 182,4 bilhões. A conta dos servidores públicos, que inclui só um milhão de pessoas, teve déficit de R$ 86,3 bilhões.

O plano original do governo era aprovar a reforma ainda no ano passado, mas a discussão acabou ficando para este ano por falta de apoio à medida. Agora, com dificuldade para conseguir os 308 votos necessários para fazer passar o texto na Câmara dos Deputados, não há mais um prazo definido, mas várias hipóteses em discussão.

Diante desse cenário, o economista traçou dois cenários: um se a reforma tivesse sido aprovada no fim de 2017, como na previsão original do governo, e outro em que o texto seja aprovado no fim de 2019. Os gastos no segundo cenário, do adiamento, são maiores. Só neste ano, a diferença seria da ordem de R$ 8,5 bilhões. Nos anos seguintes, ultrapassaria os R$ 17 bilhões. E, até 2027, alcançaria os R$ 177 bilhões. A conta foi feita com base em três propostas principais: idade mínima, regra de transição e limite para acúmulo de benefícios (aposentadoria e pensão), que não poderia ultrapassar dois salários mínimos.

Para Gamerman, os dados reforçam a previsão de que, se a reforma não passar neste ano, o governo terá que aprovar medidas mais duras nos anos seguintes. A bola de neve de gastos da Previdência, que só no ano passado responderam por 57% dos gastos do governo, compromete o cumprimento do teto de gastos, que impõe um limite para o crescimento das despesas.

— A reforma ideal do ponto de vista puramente fiscal, que seria sustentável, é a que o governo propôs (em 2017) — avalia o economista, que acrescenta que as concessões feitas para aprovar o texto retornarão no futuro, sob a forma de reformas pontuais. — Toda reforma que for sendo feita (nos próximos anos) será para repor o que foi tirado do projeto inicial. A que o governo propôs permitiria que o teto (de gastos) fosse cumprido durante dez anos.

VOTAÇÃO PODE FICAR PARA O FIM DE FEVEREIRO

O especialista destaca ainda um efeito secundário sobre a relação entre dívida e PIB, um dos principais indicadores observados pelo mercado financeiro. Com um rombo maior, o governo precisaria se endividar mais, comprometendo o equilíbrio:

— Será preciso gastar mais com juros, porque a dívida vai ser maior. São efeitos secundários.

O primeiro dia de retomada dos trabalhos do Congresso depois do recesso parlamentar já deixou claro que a reforma da Previdência não será mais votada na data marcada, dia 19 de fevereiro. Embora o presidente Michel Temer tenha enviado mensagem ao Legislativo ressaltando a importância das mudanças do regime de aposentadorias no país, o relator da reforma, deputado Arthur Maia (PPS-BA), admitiu que ainda faltam votos para aprovar o texto e tempo para consegui-los.

Diante disso, o calendário que havia sido acertado em dezembro, quando a reforma foi adiada para 2018, seria abandonado. Originalmente, a discussão da proposta no plenário da Câmara começaria ontem para que o texto fosse votado no dia 19. Mas, agora, a discussão ficou para o dia 19, com a possibilidade de votação até o fim de fevereiro.

— Estamos enfrentando dois problemas graves. A falta de voto e a falta de tempo — disse o relator, acrescentando que, caso o assunto não seja resolvido na Câmara ainda este mês, pode ser enterrado em 2018: — Se não votar em fevereiro, não vota mais. Essa é minha opinião.

O relator admitiu que será preciso fazer novas concessões na proposta para que ela tenha alguma chance de aprovação. Entre as mudanças que o governo aceita fazer estão a fixação de regras mais benéficas para servidores públicos que ingressaram na carreira antes de 2003 e a possibilidade de acúmulo de pensões acima de dois salários mínimos. Segundo Arthur Maia, o importante é manter a essência da reforma, o que inclui idade mínima e “redução de privilégios” a uma parcela dos brasileiros:

— Vamos mexer no que nos trouxer votos, mas não abrimos mão de duas coisas: de uma idade mínima para aposentadoria e de diminuir os privilégios para uma parcela de brasileiros.

Em mensagem enviada ao Congresso ontem, Temer classificou o atual sistema de aposentadorias como financeiramente “insustentável” e “socialmente injusto”. E disse que a reforma proposta pelo governo “protege os mais pobres”. Ele instou os parlamentares a tomarem uma decisão. Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), também defenderam a reforma.

— Nesse início de ano, a Câmara terá um papel muito claro: discutir a reforma da Previdência e a agenda de segurança pública. Esta é a agenda que a sociedade precisa — disse Maia, para quem a reforma não será mais votada este ano se não for aprovada em fevereiro.

‘NÃO É UMA MISSÃO IMPOSSÍVEL’, DIZ MARUN

O presidente da Câmara tem uma agenda econômica alternativa, com temas como privatização da Eletrobras e reoneração da folha de pagamento, caso a reforma fique para 2019. Os encontros fazem parte da estratégia de deixar “o discurso vivo” até o fim.

A contagem do governo mostra que ainda faltam entre 40 e 50 votos — mesmo placar de dezembro — para que o texto passe no plenário da Câmara. No entanto, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, afirmou que essa “não é uma missão impossível”. Ele disse acreditar que os votos necessários podem ser conquistados este mês:

— Eu reconheço que estão faltando cerca de 40 votos, mas nós pretendemos, com o apoio dos setores lúcidos da sociedade, conquistar esses votos até o dia em que ela efetivamente for votada. E não ficará para março. Em meio à um universo de 80 a cem indecisos, não é uma missão impossível e não é um desafio que nos assuste ou nos faça fugir.

Marun comparou o clima pré-votação a um campeonato de futebol e deixou claro que o governo concorda com novas modificações na reforma:

— O jogo está recomeçando, os times estão entrando em campo para a prorrogação. O nosso time veste a camisa do Brasil, e, por isso, tenho a certeza de que nós vamos ser vitoriosos. Nós somos um governo do diálogo. Podemos aceitar, apoiar propostas, desde que elas não firam o espírito da proposta, ou seja, estabelecimento de uma idade mínima para aposentadoria e o fim dos privilégios através de um único regime para todos os brasileiros.

Rodrigo Maia se reuniu ontem com governadores para tentar conseguir apoio para aprovar o tema. Uma das ideias discutidas foi a criação de um fundo para ajudar os estados a neutralizar o déficit dos sistemas de aposentadoria dos estados. Isso, no entanto, não garante apoio ao texto. O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, disse que o rombo da Previdência do Rio está calculado em R$ 12 bilhões:

— A Câmara ainda vai elaborar o projeto. A ideia é criar um fundo para compensar os déficits dos estados (no setor da Previdência). A reforma da Previdência é com o Congresso. O presidente disse que vai colocar para votar, se tiver condições para isso.

Segundo Pezão, o Fundo teria uma cesta de recursos: ativos de empresas e receitas com a securitização de dívidas.

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Meirelles: percepção de retomada da economia será sentida até o fim do ano

Bárbara Nascimento

06/02/2018

 

 

Segundo ministro, apesar de indicadores sinalizarem melhora, impacto demora

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou ontem que, até o fim do ano, os brasileiros conseguirão sentir no dia a dia o impacto da retomada da economia. Segundo ele, apesar dos indicadores já terem sinalizado uma melhora, é natural que haja uma demora nessa percepção.

— É tudo uma questão de tempo. Você, em qualquer situação, consegue criar um problema e destruir uma coisa com muita facilidade. Para construir, demora mais tempo. É a mesma coisa na economia.

Meirelles enumerou bons indicadores e ressaltou que a inflação está no menor patamar desde 1998. E que o desemprego tem caído, apesar de ainda haver um grande número de pessoas sem emprego. Ele afirmou que, nos próximos meses, a população começará a perceber que a alta nos preços está contida e que o emprego voltou a crescer.

— Com as companhias contratando, as empresas crescendo, a inflação baixa, mais oportunidades, acredito que a percepção vai se consolidar. Nos próximos meses, até o fim do ano, essa percepção deve ser mais clara — comentou o ministro.

‘CONCENTRADO NO TRABALHO’

Ele voltou a destacar que só tomará uma decisão sobre uma possível candidatura no início de abril e que, até lá, está “concentrado no trabalho” à frente do Ministério da Fazenda. Meirelles também voltou a negar qualquer participação no esquema de corrupção envolvendo a J&F. Ele foi presidente do conselho de administração da empresa entre 2014 e 2016. O ministro explicou que o conselho foi criado para levar adiante a abertura de capital da empresa, que não se concretizou. Desta forma, nunca entrou de fato em operação.

Meirelles disse que, junto à J&F, atuou apenas na consultoria para a criação da plataforma digital do Banco Original. E ressaltou que, paralelamente, atuou como consultor de diversas outras empresas, como o banco internacional Lazard, a empresa de investimentos KKR e a empresa de resseguros Lloyd’s of London.