Título: Casais gays testam formulário único
Autor: Batista , Vera
Fonte: Correio Braziliense, 26/03/2012, Economia, p. 8

A regra da Receita Federal que autorizou, no ano passado, a declaração conjunta de Imposto de Renda para casais do mesmo sexo ainda causa polêmica. A discussão chegou a parar no Judiciário, apesar de entendimento no mesmo sentido já ter sido consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), as duas mais importantes cortes do país. Mas, desde 2011, os direitos e os deveres entre heterossexuais e homossexuais se igualaram na hora de solicitar isenções ao Fisco. A única exigência é de que seja comprovada a união estável de pelo menos cinco anos. Mas, ainda assim, os beneficiados pela medida alegam que há muitas dúvidas sobre como acertar as contas com o Leão.

"Os critérios são os mesmos. Assim como ocorre em qualquer união dessa natureza, a Receita eventualmente pode pedir documentação comprobatória", observa o supervisor nacional do Imposto de Renda, Joaquim Adir. As provas podem ser um registro civil, por meio de escritura pública, residência fixa ou conta bancária conjunta. Mas valem também depoimentos de amigos próximos, segundo Eliana Lopes, especialista em Imposto de Renda da H&R Block, empresa norte-americana de consultoria. "No momento da entrega, não há necessidade de anexar o documento. Em caso de dependência, basta preencher a ficha "Dependentes", código 11, e seguir o procedimento exigido pela legislação fiscal, de guardar a papelada por cinco anos", ensina.

Antes mesmo do aval do STF, do STJ e do Ministério da Fazenda, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), desde 2000, já pagava pensões ao parceiro de homossexual falecido, mas apenas obrigado por sentença judicial. Agora, trata-se de determinação do Executivo, que garante a isonomia.

A Receita não tem dados consolidados sobre quantos casais do mesmo sexo fizeram a declaração conjunta ou se beneficiaram dos abatimentos legais do IR em 2011. "Não temos identificação por orientação sexual. Por nome, também é difícil, porque existem alguns comuns a homens e mulheres. Um parâmetro possível seria colocar o nicho interno companheiro ou companheira. Mas fazer isso pode parecer discriminação", justificou Adir.

O supervisor do IR entende, também, que a tendência, entre os gays, é a declaração em separado, porque a maioria tem seus próprios rendimentos. A novidade, no entanto, ainda suscita dúvidas e há casos de exceção. O servidor público Enilson Ferreira, 49 anos, e o estudante Matheus Kalebe, 18, fizeram a declaração pública de união estável há cinco meses. O casal, que vive junto, ainda não é casado no civil e espera que a situação seja regulamentada rapidamente. "Em Alagoas e no Rio Grande do Sul, por exemplo, já é possível", exemplifica Enilson.

Base legal

Ele crê, contudo, que a declaração permitirá a inclusão do parceiro em seu Imposto de Renda, já que o jovem ainda não tem renda. Além de terem conta-corrente conjunta, o estudante figura como dependente do companheiro no plano de saúde, o que pode ajudar a comprovar a união. O contador Alexandre Alves, que cuida da declaração dos dois, acredita que Matheus terá que se declarar isento. "Por enquanto, muitos casais homoafetivos, mesmo que juntos há muito tempo, declaram separadamente, mas não existe a diferenciação entre eles e os heterossexuais para fins de declaração", explica.

Enilson e Matheus estão juntos há sete meses. Sabem que poderiam ter a relação considerada estável automaticamente após alguns anos, mas preferiram garantir a união logo. "Em caso de morte, por exemplo, Matheus é o meu beneficiário", ressalta Enilson. Ele considera que os gastos com a manutenção da casa e outras despesas familiares lhe dão o direito de declarar o parceiro como dependente. Mas a Receita só reconhece períodos inferiores a cinco anos para efeito de dedução do dependente no Imposto de Renda se a união resultar em filhos. Alves entende que, se o plano de saúde admite a dependência, o Fisco deveria fazer o mesmo.

Na avaliação de Luiz Benedito, diretor de Estudos Técnicos do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), a base legal do Regulamento do Imposto sobre a Renda "é plenamente vinculada, ou seja, a lei tem que ser cumprida". Caso não o seja, o contribuinte cai na malha fina. Sendo pego pelo Leão, é cobrada a diferença do imposto, com multa de 75% sobre o valor devido. "O plano de saúde estabelece uma relação comercial com o cliente e permite até sobrinhos ou menor que o pagante tenha a guarda. A ordem tributária é diferente", explicou.

Os documentos de união civil ou dependência no plano de saúde, disse o diretor do Sindfisco, serão úteis apenas para delimitação do marco temporal dos cinco anos.

""Os critérios são os mesmos. Assim como ocorre em qualquer união dessa natureza, a Receita eventualmente pode pedir documentação comprobatória"" Joaquim Adir, supervisor nacional do Imposto de Renda

4 milhões declararam

A Receita Federal já recebeu 4 milhões de declarações de Imposto de Renda. O número representa 16% do total de 25 milhões de documentos esperados pelo Fisco até 30 de abril, quando termina o prazo do acerto de contas com o Leão. No ano passado, 24,37 milhões de pessoas prestaram contas sobre os ganhos recebidos. Os contribuintes que tiveram rendimentos tributáveis superiores a R$ 23.499,15 em 2011 devem enviar a declaração pela internet (www.receita.fazenda.gov.br) ou entregá-la por meio eletrônico em uma agência do Banco do Brasil ou da Caixa Econômica Federal. Os que perderem o prazo pagarão multa mínima de R$ 165,74 e máxima de até 20% o valor do imposto devido.