O globo, n. 30869, 11/02/2018. País, p. 3

 

Diretor da PF intimado

Jailton de Carvalho, Eduardo Bresciani e Patricia Cagni

11/02/2018

 

 

Barroso, do STF, requer explicações após Segovia dizer que não há provas contra o presidente

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso intimou ontem o diretor-geral da Polícia Federal (PF), Fernando Segovia, para que explique declarações em que aponta falta de indícios de crime praticado pelo presidente Michel Temer no caso do decreto dos portos. Também requer esclarecimentos sobre a possibilidade de punição contra o delegado que preside o inquérito, por causa das perguntas endereçadas ao peemedebista. Além de Barroso, delegados da Lava-Jato, procuradores e associações de servidores da PF reagiram à fala do chefe da corporação.

Barroso relata o caso na Corte e afirmou que o diretor-geral da PF pode ter cometido “infração administrativa e até mesmo penal” por sua fala à Agência Reuters, divulgada na noite de sextafeira. Apesar da forte reação, o articulador político do Planalto, ministro Carlos Marun (Secretaria de Governo), assegurou ontem apoio ao diretor, que assumiu no final de 2017 com o apoio da cúpula do PMDB.

BARROSO: DIRETOR DEVE SILENCIAR SOBRE O CASO

Barroso agiu de ofício, sem que fosse provocado por quaisquer das partes no inquérito. Ele pediu ainda que o Ministério Público Federal seja notificado para tomar providências sobre o episódio, pois a instituição tem como atribuição exercer o controle externo da PF. O ministro determinou ainda que Segovia não fale mais sobre o caso.

“Tendo em vista que tal conduta, se confirmada, é manifestamente imprópria e pode, em tese, caracterizar infração administrativa e até mesmo penal, determino a intimação do senhor diretor da Polícia Federal para que confirme as declarações que foram publicadas, preste os esclarecimentos que lhe pareçam próprios e se abstenha de novas manifestações a respeito”, afirmou Barroso, em seu despacho.

O inquérito em andamento apura se houve corrupção do presidente na edição do decreto, em maio passado, que permitiu prorrogar contratos do setor portuário. A empresa Rodrimar opera no porto de Santos e buscava a prorrogação. Interceptações telefônicas feitas com autorização judicial mostraram o ex-assessor da Presidência Rodrigo Rocha Loures tratando do decreto com Temer e com o chefe de assuntos jurídicos da Casa Civil Gustavo Rocha, que também deu apoio à indicação de Segovia. O ex-assessor se encontrou com Ricardo Mesquita, diretor da Rodrimar, no mesmo dia em que recebeu uma mala de dinheiro de Ricardo Saud, executivo da JBS, em abril passado. Temer se defende ressaltando que a empresa não foi beneficiada pelo decreto, que só permitiu a prorrogação de contratos assinados a partir de 1993, o que não era o caso da Rodrimar.

À Agência Reuters, Segovia disse não haver indícios de crime, que a investigação não deve durar muito tempo e afirmou que o delegado Cleyber Malta Lopes, à frente do inquérito, poderia até ser punido pela forma como fez 50 perguntas ao presidente, caso a defesa de Temer formalize uma reclamação. Segovia não tem proximidade com Lopes, que foi designado para a função ainda na gestão de Leandro Daiello.

— Ali, em tese, o que a gente tem visto, nos depoimentos, as pessoas têm reiteradamente confirmado que não houve nenhum tipo de corrupção, não há indícios realmente de qualquer tipo de recurso ou dinheiro envolvidos. Há muitas conversas e poucas afirmações que levem realmente a que haja um crime — afirmou Segovia à Reuters.

DELEGADOS DA LAVA-JATO NÃO FORAM CONSULTADOS

As associações de delegados, agentes e peritos da PF fizeram duras críticas ao diretor. Na visão deles, Segovia não poderia comentar o conteúdo do inquérito e errou ao ter falado sobre uma punição ao delegado do caso.

— Declarações como essas fragilizam o resultado do inquérito e expõem toda a Polícia Federal — disse Edvandir Paiva, presidente da Associação de Delegados da Polícia Federal (ADPF).

Paiva conversou com Cleyber Lopes e outros delegados antes de fazer as críticas. O presidente da associação afirmou que os profissionais da corporação ficaram perplexos. “Nenhum delegado pode ser alvo de apuração por fazer perguntas a um investigado, independentemente de quem seja ele ou do cargo que ocupe. É natural que interrogados se melindrem com alguns questionamentos da autoridade policial, porém cogitar qualquer tipo de punição seria forma de intimidação e mitigação da autonomia investigativa prevista no ordenamento jurídico”, disse Paiva, na nota.

Em mensagem enviada aos colegas, os delegados que atuam em inquéritos da Lava-Jato no STF afirmaram que a manifestação de Segovia era “pessoal”. “Ninguém da equipe de investigação foi consultado ou referenda essa manifestação, inclusive pelo fato de que em três de anos de Lava Jato no STF nunca houve uma antecipação ou presunção de resultado de investigação pela imprensa”, afirmaram os investigadores.

O presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, Marcos Camargo, também criticou o diretor da PF. “É sempre temerário que a direção-geral emita opiniões pessoais sobre investigações nas quais não está diretamente envolvida”, afirmou Camargo, em nota. A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapf ) também endossou as críticas. “Os policiais federais esperam uma retratação pública desse posicionamento, além de uma mensagem dirigida ao público interno, com um firme posicionamento atrelado a um rol de condutas isentas do dirigente maior da PF, sem qualquer risco de que estaríamos vivenciando uma era de ingerências políticas em nossas investigações”, diz a nota da Fenapf.

O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, também reagiu:

— As instituições precisam transmitir credibilidade para a sociedade. Nesse sentido, não me parece recomendável, nem é apropriado, que o diretor-geral da PF dê opiniões a respeito de investigações em curso, sobretudo porque, recentemente, manteve reuniões com o investigado — afirma Claudio Lamachia, ao lembrar de recentes encontros entre Temer e Segovia, um deles fora da agenda oficial.

MARUN: INVESTIGAÇÃO É POLÍTICA

Entidade que representa o MPF, a Associação Nacional dos Procuradores da República também se manifestou. Observou que cabe à procuradorageral, Raquel Dodge, decidir por um eventual pedido de um arquivamento. “As declarações de Segovia desrespeitaram sua própria instituição e seus subordinados. A PF é um órgão de Estado, e não de governo, e seus profissionais são sérios, técnicos e sempre terão o Ministério Público ao seu lado todas as vezes que sua independência técnica for colocada em risco. O trabalho policial tem de ser e deve permanecer técnico e independente”, afirmou a ANPR.

Já o ministro Carlos Marun saiu em defesa do diretor-geral da PF desde o primeiro momento. Logo após a publicação das declarações, ainda na sexta-feira, Marun comemorou: “mais uma flecha saindo pela culatra”, ironizando o ex-procurador-geral Rodrigo Janot, autor do pedido de abertura do inquérito. Ontem, ele fez nova defesa, após Segovia ser intimado por Barroso.

— O diretor Segovia teve suas razões para fazer uma declaração como esta. Eu tenho a mais absoluta certeza da inexistência de qualquer tipo de indício ou prova contra o presidente. Errado seria se, mesmo diante da inexistência de indícios ou provas, houvesse insistência em cima de um procedimento cuja origem é evidentemente política — avaliou Marun.

A oposição, por sua vez, anunciou que pretende levar o caso à Comissão de Ética da Presidência da República e convocar Segovia a dar explicações no Congresso. (Colaborou Manoel Ventura)

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Em carta, Segovia nega interferência e diz que equipe tem ‘autonomia’

11/02/2018

 

 

Diretor da PF diz que não anunciou arquivamento de apuração sobre Temer

Numa carta enviada aos servidores da instituição, o diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, negou que tenha anunciado o arquivamento do inquérito sobre supostas irregularidades cometidas pelo presidente Michel Temer na edição do decreto dos portos. O diretor não desmente, no entanto, que falou sobre a inexistência de indícios contra Temer ou que tenha mencionado a hipótese de punição ao delegado Cleyber Lopes, responsável pelas investigações contra o presidente.

“Afirmo que, em momento algum, disse à imprensa que o inquérito será arquivado. Afirmei, inclusive, que o inquérito é conduzido pela equipe de policiais do Ginq (Grupo de Inquéritos Especiais) com toda autonomia e isenção, sem interferência do diretor-geral", disse o diretor no texto endereçado a delegados, peritos, agentes, escrivães e papiloscopistas.

O diretor escreveu a carta depois da reação em cadeia dos presidentes de associações de delegados, peritos e agentes, descontentes com as declarações sobre suposta falta de provas no inquérito sobre Temer.

No texto, Segovia tenta ainda justificar os motivos pelos quais se manifestou sobre o conteúdo do inquérito. “Acompanho e acompanharei com cuidado e atenção exigida todos aqueles casos que passam a ter grande repercussão social, é meu dever, é o que caracteriza o cargo de direção máxima desta instituição, é o que farei", diz o diretor. Num esforço para demonstrar que não tenta abafar as investigações, Segovia argumenta que dobrou o número de delegados disponíveis para as investigações da Operação Lava-Jato.

SEM REFERÊNCIA A DELEGADO

No texto, Segovia não fala diretamente a respeito dos comentários que fez sobre eventual punição ao delegado do caso. Disse apenas que confia “nas equipes que cumprem com independência as mais diversas missões". O diretor diz ainda que o compromisso dele é manter os valores republicanos da polícia.

Na entrevista à Reuters, Segovia disse que não existem indícios de irregularidades na edição do decreto dos portos. Disse ainda que o inquérito sobre o caso deve ser encerrado com sugestão de arquivamento em menos de três meses. Também afirmou que, se Temer fizer reclamação formal, o delegado do caso estaria sujeito a eventuais punições. Recentemente, o presidente reclamou das perguntas da PF sobre o decreto dos portos.

Em conversas com auxiliares mais próximos, Segovia alegou que os comentários dele sobre o delegado teriam sido distorcidos. A explicação é que o diretor falou sobre o assunto de forma genérica ao comentar o caso da delegada Érika Marena, investigada por supostos excessos numa investigação sobre o ex-reitor da Universidade de Santa Catarina. Ele teria dito que a polícia tem mecanismos de controle interno, que podem levar à punição de eventuais deslizes.

TRANSCRIÇÃO PARA BARROSO

A carta, com as explicações parciais, não baixou a temperatura interna. Os delegados esperavam que o diretor-geral viesse a público dizer que tudo não passou de um equívoco, que as declarações sobre o inquérito e sobre o delegado teriam sido distorcidas. Mas, para eles, isso não aconteceu. Para o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, permanece o descontentando com o diretor.

— O simples fato dele dizer que não tem elementos, não tem provas, isso, por si só, causa um problema sério. Mais na frente, se o Cleyber concluir que não tem provas, vão dizer que ele cedeu à pressão. Se ele decidir que tem provas, que tem que indiciar o presidente da República, como fica o dirigente máximo da Polícia Federal? — questiona o presidente da ADPF.

Cleyber Lopes está em viagem ao exterior e deve retornar ao Brasil na próxima semana. Ao longo da manhã de ontem, Segovia chegou a cogitar a divulgação de uma nota. Mas, logo depois, mudou de ideia e decidiu escrever uma carta aos servidores. Também mandou assessores transcreverem a entrevista à Reuters para que seu conteúdo seja entregue ao ministro Luís Roberto Barroso depois do Carnaval.