O globo, n. 30862, 04/02/2018. Sociedade, p. 39

 

A conta não fecha

Renata Mariz

04/02/2018

 

 

Gastos das universidades federais aumentam 40% em 8 anos, mas instituições vivem crise

 

BRASÍLIA- Um estudo interno do Ministério da Educação (MEC) obtido pelo GLOBO aponta que os gastos das universidades federais aumentaram 40% em oito anos, de R$ 33 bilhões para R$ 46,1 bilhões — em valores atualizados. No entanto, o custo anual médio por aluno caiu, ainda de acordo com o levantamento, de R$ 38.840 para R$ 37.551 no mesmo período, entre 2009 e 2016. Despesas obrigatórias ligadas a pessoal, incluindo pagamento de inativos, consomem 86,9% do orçamento das instituições, informa o relatório.

O governo defende que o cenário seria insustentável. Procurado, o ministro Mendonça Filho criticou a gestão de parte das instituições e sugeriu uma reforma universitária, mas descartou a ideia de privatização. As universidades, por outro lado, negam problemas de administração e apontam os cortes nos últimos anos como a causa da crise que se instalou nos campi país afora.

O estudo, elaborado pela secretaria executiva do MEC, também mapeou o custo por aluno em cada uma das 63 universidades federais. No topo do ranking, aparece a Federal de São Paulo (Unifesp), com R$ 81.161 por estudante ao ano, seguida da Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com R$ 71.337. Na lanterna, a Federal do Amapá (Unifap) gasta R$ 14.148 por aluno.

Com uma série histórica de 2009 a 2016, último ano com dados oficiais do Censo da Educação Superior, o levantamento considera todas as despesas de cada universidade, como pessoal ativo e inativo, residência médica e assistência estudantil. E cruza a informação com a quantidade de estudantes de graduação e pós-graduação para chegar ao custo per capita. Os valores foram corrigidos pela inflação até 2016.

A reitora da Unifesp, Soraya Smaili, considera o cálculo do governo “simplista” e contesta o valor. Segundo ela, o estudante da instituição custa R$ 18.166 ao ano, considerando uma metodologia desenvolvida pela Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) que é levada em conta pelo MEC na hora de distribuir os recursos.

Por esse sistema, os 18.809 alunos da Unifesp “se transformam” em 51.099, porque são atribuídos pesos diferentes a cada estudante, dependendo do curso, do turno, se frequenta período integral, entre outras variáveis. A instituição é reconhecida pela concentração e excelência de formações na área da Medicina, exatamente a mais cara.

— Os recursos são para garantirmos a qualidade das estruturas, mas também para pesquisas, extensão. A universidade pública faz muito projeto social e ninguém olha para isso — diz Soraya.

Já a UFRJ usa outra metodologia para defender que seu custo por aluno é de R$ 21,9 mil. O cálculo exclui gastos com aposentados, segundo a universidade, seguindo padrões adotados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pela Unesco.

A diferença de custo por aluno entre as instituições é considerada normal, até mesmo dentro do governo, em função do perfil da instituição, volume de pós-graduação, áreas de pesquisas, quantidade de alunos em tempo integral, entre outros fatores. Por isso mesmo, especialistas sugerem cautela em relação aos dados do MEC.

Coordenador do Laboratório de Estudos em Educação Superior da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o matemático Renato Pedrosa diz que o dispêndio associado à pesquisa, mais elevado nas universidades mais desenvolvidas, precisa ser ponderado.

— Com isso, teríamos uma conta mais realista, pois há distorções — observa Pedrosa.

LUZ CORTADA QUATRO VEZES

Falhas de planejamento e gestão, aliadas às restrições orçamentárias dos últimos anos, deixam um rastro de problemas nas federais pelo país. Na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), há pelo menos 45 obras paralisadas ou inacabadas. Outras, apesar de aparentemente prontas, não podem ser usadas porque falta o básico, como encanamentos. O estúdio da TV universitária foi inaugurado, mas só conta com uma tomada. A instituição estima necessitar de R$ 26,6 milhões para concluir 40 das 45 obras paradas. Em nota, a atual gestão da UFPB diz que trabalha para resolver as pendências e que acionou os responsáveis pelos problemas na Justiça.

Na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), criada no interior do Ceará como instrumento de cooperação acadêmica com países de língua portuguesa, o reitor usou R$ 4,7 milhões destinados a obras e equipamentos para quitar a assistência estudantil em 2017, cujo orçamento era de R$ 8,5 milhões. Mais de 60% dos graduandos da Unilab recebem auxílios, sendo 1.469 brasileiros e 957 estrangeiros. A universidade tem o segundo maior custo por aluno com assistência entre as federais, segundo o estudo do MEC: R$ 2.668 ao ano. A instituição justificou o uso dos recursos de investimento para a assistência estudantil como forma de prevenir a evasão, já que atende a uma “parcela considerável de pessoas em situação de vulnerabilidade econômica”. O MEC, em nota, afirmou que liberou 100% do montante do Programa Nacional de Assistência Estudantil para as universidades em 2017 e que cabe a cada instituição “observar sua capacidade financeira para sustentar seus próprios programas criados”.

A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) já teve a luz cortada por falta de pagamento quatro vezes nos últimos dois anos. Hoje, a dívida chega a R$ 15,2 milhões, segundo a Light. A instituição informou em nota que tem um cronograma de pagamentos para todos os débitos, exceto uma fatura de R$ 4,4 milhões, referente a setembro de 2016, que é objeto de negociação com o MEC para liberação de créditos suplementares. A UFRJ atribui o débito ao fato de ter deixado de receber, entre 2014 e 2016, R$ 157,7 milhões previstos no orçamento “nunca repostos plenamente”. O MEC admite corte anterior a 2016, mas diz que liberou 100% do custeio desde então.

Um outro problema que se arrasta na UFRJ é a reforma do prédio da reitoria que sofreu um incêndio no fim de 2016. A instituição recebeu R$ 6,5 milhões do MEC em caráter suplementar após o incidente. Mas apenas 50% do edifício foi recuperado até agora. A universidade destacou que vem adotando “uma severa política de readequação orçamentária” nos últimos anos, com redução de todos os contratos em torno de 25% e diminuição de mais de mil postos de trabalhos terceirizados.

Segundo dados do MEC, o valor previsto na lei orçamentária para investimento nas universidades federais em 2018 é de R$ 897,2 milhões, menor que os R$ 974,4 milhões empenhados em 2017. Cerca de 25% da verba de investimento foi contingenciada no ano passado. Para custeio, serão R$ 5,9 bilhões, contra R$ 5,7 bilhões usados em 2017.

O presidente da Andifes, Emmanuel Tourinho, nega problemas de gestão. Segundo ele, o problema é a instabilidade no financiamento.

— As universidades estão entre as poucas instituições estatais que dão resultados para a sociedade naquilo que é função delas. Conseguimos manter o padrão apesar da redução contínua de recursos — diz Tourinho. — A educação superior pública é um investimento, não um gasto, e depende, basicamente, de uma decisão política.

PROCEDIMENTOS DEVERÃO SER REVISTOS

Renato Pedrosa defende mudanças de funcionamento caso as universidades não queiram ficar estacionadas no nível de qualidade atual. Ele sugere novos parâmetros de contratação, hoje focada no docente com doutorado, que tem maior peso na folha de pagamento:

— Não dá para investir com dinheiro público em 63 universidades e querer que todas se tornem uma líder. Por que não pegar as 20 mais desenvolvidas, fomentar adequadamente e transformar o grosso em instituições de ensino, em que os professores só dão aula para a graduação, como no mundo todo?

O professor de Administração Pública da Universidade de Brasília (UnB), José Matias-Pereira, especialista em contas públicas, destaca que a expansão universitária recente, não só em número de instituições, mas em descentralização de campi e aumento de vagas, não veio acompanhada dos recursos necessários, o que demonstra um erro de planejamento do próprio governo. A situação, diz ele, obrigará as federais a reverem procedimentos:

— As instituições têm que se aproximar mais do setor privado e combater a questão dos desperdícios, que existem, embora seja um tabu.

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'Vem a mamãe MEC honrar a conta de energia'

Mendonça Filho

04/02/2018

 

 

O custo médio anual de R$ 37.500 por aluno nas universidades federais é alto ou baixo?

As instituições são diferentes, há cursos mais caros, outros menos. Acho que o quadro sinaliza para um crescimento de despesas que em pouco tempo vai resultar em um estrangulamento, em um Ministério da Educação que só vai cuidar da educação superior.

E como manter os investimentos?

O ritmo de crescimento das despesas na educação superior não poderá ser o mesmo, pela conjuntura econômica negativa, a falta de espaço para elevar a carga tributária. É preciso ter mais eficiência, qualidade dos gastos. Não coloco à mesa um projeto de reforma universitária porque não há mais tempo, mas é uma discussão necessária.

Essa reforma universitária passa por privatizar as universidades?

De jeito nenhum. Privatização não está dentro de qualquer projeto do MEC.

E cobrar mensalidades dos alunos que podem pagar?

Essa é uma discussão absolutamente polêmica, que precisa envolver a sociedade. Mas o recurso público tem que ser usado com prioridade para beneficiar os mais pobres e tem que haver eficiência nos gastos.

As universidades são ruins em gerir os recursos públicos?

Há investimentos importantes, mas outros sem planejamento. Algumas universidades deixam de quitar suas obrigações normais, como conta de energia, para criar um vexame público. E vem a mamãe MEC fazer uma transferência para honrar a dívida. A matriz de distribuição de recursos segue parâmetros validados pela Andifes (associação de reitores) e não determinados pelo ministro.

O senhor considera então que a crise vem da má gestão delas próprias?

Há universidades que cumprem suas obrigações. Outras que, com o mesmo recurso em termos proporcionais, não dão conta. É problema de gestão, não de recursos. (R.M.)