O globo, n. 30861, 03/02/2018. País, p. 3

 

Julgamentos à vista

Carolina Brígido e André de Souza

03/02/2018

 

 

Presidente do PT e deputado do PP inauguram fase decisiva de casos que tramitam no STF

-BRASÍLIA- Três anos depois de receber os primeiros inquéritos da Operação Lava-Jato, o Supremo Tribunal Federal (STF) se prepara para bater o martelo sobre os primeiros processos. O relator do caso, ministro Edson Fachin, quer marcar ainda para este semestre o julgamento da senadora paranaense Gleisi Hoffmann, a presidente do PT, e do deputado Nelson Meurer (PP-PR). O veredicto será dado pelos cinco ministros da Segunda Turma da Corte.

Ontem, Fachin enviou o processo para o colega Celso de Mello, que é o ministro revisor da Lava-Jato. Ele tem a responsabilidade de analisar o caso mais detidamente que os outros integrantes da Segunda Turma e votar logo depois do relator. Assim que o decano do STF elaborar o voto, Fachin poderá agendar o julgamento. Os dois ministros já alinharam que o caso ficará por pouco tempo no gabinete do revisor.

Os dois processos foram escolhidos porque já estão praticamente concluídos. O caso de Gleisi é o mais adiantado e, portanto, deve ser julgado antes. A investigação contra a petista chegou ao STF na primeira leva de inquéritos da Lava-Jato, em março de 2015. Em setembro do ano seguinte, os ministros da Segunda Turma aceitaram a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e transformaram o inquérito em ação penal. Também são réus no mesmo processo o marido dela, o ex-ministro Paulo Bernardo, e o empresário Ernesto Kugler.

As investigações começaram com as delações premiadas do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Segundo os delatores, Paulo Bernardo pediu R$ 1 milhão a Paulo Roberto para abastecer a campanha da mulher ao Senado em 2010. O dinheiro teria sido entregue por um intermediário de Youssef a Ernesto Kugler, um empresário ligado ao casal. A quantia teria sido repassada em quatro parcelas de R$ 250 mil.

Embora os ministros tenham concordado em abrir a ação penal, numa decisão unânime, parte dos juízes pontua que, durante as investigações, foram reunidas poucas evidências dos supostos crimes atribuídos à presidente do PT. Dois ministros do tribunal, ouvidos pelo GLOBO na condição do anonimato, avaliaram que faltam evidências do cometimento dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Gleisi foi ministra da Casa Civil no governo de Dilma Rousseff entre junho de 2011 e fevereiro de 2014. Durante o processo de impeachment, a senadora foi uma das vozes mais eloquentes na defesa da petista no Congresso Nacional. Hoje, como presidente do PT, tem se empenhado na defesa de Lula, condenado na Lava-Jato. Paulo Bernardo foi ministro do Planejamento no governo Lula, de 2005 a 2011, e das Comunicações já no governo Dilma, de 2011 a 2015. Ela provocou polêmica, antes do julgamento do caso tríplex no TRF-4, ao falar que “para prender Lula, vai ter que matar gente”.

Nas alegações finais entregues ao STF, os advogados dos réus argumentaram inocência. A defesa de Gleisi apontou falhas nas delações premiadas que deram origem ao processo e disse que as provas levantadas não corroboram os depoimentos dos colaboradores. Lembrou que, em 2010, quando teriam ocorrido os pagamentos ilícitos, ela ainda não tinha cargo público e não gozava da “proeminência” que viria a ter. Também destacou que a presidente do PT nunca fez nada para favorecer o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.

O segundo julgamento final da Lava-Jato no STF este ano deve ser o do deputado Nelson Meurer (PP-PR). O parlamentar é processado junto com os dois filhos, Nelson Meurer Júnior e Cristiano Augusto Meurer. Eles respondem por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Segundo as investigações, Paulo Roberto Costa e a cúpula do PP receberam, entre 2006 e 2014, R$ 357,9 milhões em recursos desviados de contratos de empreiteiras com a estatal. Um dos maiores beneficiados com o esquema de desvios foi Meurer. No período, ele teria recebido R$ 29,7 milhões.

INQUÉRITOS SEM PRAZO SOBRE AÉCIO E RENAN

Segundo a denúncia apresentada pela PGR, Meurer também obteve, em 2010, “repasses extraordinários” para financiar sua campanha à reeleição na Câmara dos Deputados. Por meio de Youssef, teriam sido entregues R$ 4 milhões em espécie ao deputado. Além disso, a construtora Queiroz Galvão transferiu R$ 500 mil a Meurer em dois repasses. Para a PGR, tratava-se de “propina disfarçada de doação eleitoral oficial”. Os dois filhos do deputado teriam contribuído para o recebimento do dinheiro e, por isso, também foram denunciados.

Michel Saliba, advogado de Meurer, reclamou do cerceamento do direito de defesa. Segundo ele, alguns pedidos que estenderiam o processo por mais 30 ou 40 dias foram negados por Fachin. Independentemente disso, ele sustenta que o cliente é inocente.

— É um caso de absolvição, sem dúvida nenhuma. Nós só temos contra ele palavra de delator. Não há prova. No caso dele, sequer há documentação acessória que demonstre a inequívoca formação da prova. São coisas muito distantes do conjunto probatório capaz de embasar a condenação — disse o advogado.

Além das ações penais de Gleisi e Meurer, há apenas outros quatro processos da Lava-Jato tramitando no STF. Os outros réus são os senadores Valdir Raupp (PMDB-RO) e Fernando Collor (PTC-AL) e os deputados Aníbal Gomes (PMDB-CE) e Vander Loubet (PT-MS). Esses processos ainda não estão concluídos e, portanto, sem previsão de quando serão julgados. Além das ações penais, Fachin é relator de vários inquéritos, que é uma etapa anterior à ação penal. Por exemplo, há inquéritos sobre os senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Renan Calheiros (PMDB-AL). Balanço de outubro de 2017 por Fachin indicava a existência de 80 inquéritos com origem na Lava-Jato em seu gabinete. De lá para cá, a operação rendeu ainda mais quatro inquéritos na Corte.

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Após derrota, Lula faz novo recurso para evitar prisão

Daniel Gullino

03/02/2018

 

 

Defesa de ex-presidente leva habeas corpus ao STF; juiz manda devolver passaporte

-BRASÍLIA- A defesa do ex-presidente Lula entrou com um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) para que o petista possa recorrer em liberdade da condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, até que estejam esgotadas as possibilidades de recurso em instâncias superiores.

O mesmo pedido foi apresentado, na terça-feira, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas foi negado, no mesmo dia, pelo vice-presidente da Corte, ministro Humberto Martins. Os advogados afirmam que a decisão deixou Lula “na iminência de sofrer constrangimento ilegal em seu direito de locomoção”.

Na semana passada, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) confirmou a condenação do ex-presidente e aumentou sua pena para 12 anos e 1 mês de prisão. O petista tem direito a recurso nesse tribunal, mas apenas para esclarecer pontos da sentença. Segundo os desembargadores do TRF-4, ele pode ser preso logo após a análise desse instrumento.

O processo foi distribuído para o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no tribunal. A defesa de Lula quer que o pedido seja analisado diretamente pela Segunda Turma, da qual Fachin faz parte, ao lado de Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Dias Toffoli.

“DESCABIMENTO” DE APREENSÃO

Na Justiça Federal, o desembargador Bruno Apolinário, do TRF-1, derrubou a apreensão do passaporte do ex-presidente, que havia sido determinada na semana passada pelo juiz Ricardo Leites, da 10ª Vara Federal. Para o desembargador, “nenhum dos fundamentos suscitados pelo juízo de primeiro grau restou confirmado”. Ele ressaltou ainda o “descabimento da medida cautelar imposta ao paciente”. A decisão havia sido tomada em uma ação penal em que Lula é réu, derivada da Operação Zelotes. O Ministério Público Federal de Brasília entrou com o pedido, argumentando que existia risco de fuga.

Bruno Apolinário, no entanto, afirmou que “não há como concluir que o paciente pretendesse fugir do país com a finalidade de frustrar a aplicação da lei penal”.

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Levantamento mostra que STJ reverte apenas 0,62% das condenações

03/02/2018

 

 

Análise foi feita em meio ao debate sobre execução da pena após a 2ª instância

-BRASÍLIA- Em meio à polêmica envolvendo o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), uma pesquisa do Superior Tribunal de Justiça (STJ) revela que, em apenas 0,62% dos recursos apresentados pela defesa, houve reforma da decisão de segunda instância para absolver o réu. O estudo foi sugerido pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF).

No último julgamento do STF sobre o momento em que a pena começa a ser cumprida, Barroso estava entre os ministros que defenderam a aplicação já a partir da condenação em segunda instância. A tese prevaleceu no Supremo, mas parte dos ministros da Corte quer retomar o assunto para mudar o entendimento.

De acordo com a pesquisa, realizada pela Coordenadoria de Gestão do STJ, em 1,02% dos casos os ministros que compõem as duas turmas do tribunal decidiram pela substituição da prisão por outro tipo de punição, e em 0,76% foi reconhecida a prescrição do crime.

O levantamento também aponta que é “bem reduzida” a taxa de correção de erros judiciários por meio do recurso especial.

— A pesquisa oferece um retrato mais preciso sobre o destino dos recursos julgados no STJ, ponto fundamental a ser considerado no momento em que se discute a hipótese de mudança da jurisprudência do STF acerca da execução provisória da pena — diz o ministro Rogerio Schietti Cruz, do STJ, que coordenou os trabalhos.

A redução de pena foi constatada em 6,44% dos casos, a diminuição da pena de multa em 2,32% e a alteração do regime prisional em 4,57% dos recursos. Os percentuais, porém, não podem ser somados, conforme explicou o STJ: “Como uma decisão pode conceder um ou mais desses itens (eles não correspondem a conjuntos mutuamente exclusivos de decisões), não é adequado somar os percentuais para obter o percentual dos itens envolvidos, pois resultará valor acima do correto. Nesse caso é preciso contar os julgados que contêm esses itens e avaliar o percentual ao final.”, informou o tribunal.

O levantamento foi realizado apenas em processos eletrônicos, tomando por base as decisões monocráticas e colegiadas dos dez ministros que compõem a Quinta e a Sexta Turma, especializadas em direito criminal, entre setembro de 2015 a agosto de 2017. No período analisado, foram proferidas 68.944 decisões em recursos apresentados pela defesa (advogados ou Defensoria Pública).

HABEAS CORPUS NEGADO

Na terça-feira, o vice-presidente do STJ, ministro Humberto Martins, negou habeas corpus ao ex-presidente Lula para evitar que ele seja preso depois que se esgotarem os recursos no TRF-4. A orientação do STF é de que as penas comecem a ser cumpridas depois de confirmada a condenação por um tribunal, como o TRF-4. Em 2016, o Supremo decidiu antecipar a execução das punições, e abandonar o entendimento anterior, quando a regra era deixar a pessoa recorrer em liberdade até a última instância do Judiciário. (Adriana Mendes e André de Souza)