O globo, n. 30861, 03/02/2018. Economia, p. 15

 

Bloqueio preventivo no orçamento

Martha Beck e Bárbara Nascimento

03/02/2018

 

 

Diante de uma possível frustração no processo de privatização da Eletrobras e da necessidade de pagar despesas que não estavam previstas na programação financeira do ano, o governo decidiu bloquear R$ 16,2 bilhões no Orçamento de 2018. Deste total, R$ 8,2 bilhões serão usados para compor uma reserva que será usada para repassar R$ 2 bilhões aos municípios — algo que foi prometido pelo governo ao Congresso no fim do ano passado em troca de apoio para a votação da reforma da Previdência. Mas, ao contrário do contingenciamento tradicional, não vai afetar emendas parlamentares nem gastos de outros poderes. Assim, ao optar por um bloqueio, o governo também evita se indispor com o Congresso às vésperas da votação da reforma da Previdência.

Também sairá desta mesma reserva R$ 1,5 bilhão para honrar dívidas no âmbito do Fundo Garantidor de Exportações (FGE). Esse pagamento vai cobrir o calote dado por países que fizeram importações do Brasil por meio de operações do BNDES. O Ministério do Planejamento não informou oficialmente, mas técnicos admitiram que o maior problema está em importações feitas pela Venezuela.

Da mesma reserva sairá R$ 1 bilhão para a contratação de carros-pipa que abastecem municípios do Nordeste. Essa despesa estava prevista na proposta orçamentária enviada pelo governo ao Congresso, mas foi retirada pelos parlamentares. Além disso, serão pagos R$ 2 bilhões para custeio na área de saúde. O restante estará distribuído em operações menores.

 

PARTE DO BLOQUEIO PODE SER SUSPENSO EM JULHO

No caso da Eletrobras, o governo decidiu bloquear R$ 8 bilhões. A área econômica espera arrecadar um total de R$ 12,2 bilhões com a privatização. No entanto, como essa operação ainda depende da aprovação de um projeto de lei no Congresso, os técnicos decidiram ser cautelosos e apertar os cintos até que ela se concretize.

O bloqueio não chegou a R$ 12,2 bilhões, porque o governo fez nova estimava de receitas e despesas e, com isso, conseguiu melhorar o resultado fiscal. Segundo o Ministério do Planejamento, embora a meta do ano seja de um déficit de R$ 159 bilhões, o valor projetado para 2018 está em R$ 154,8 bilhões, ou seja, rombo R$ 4,2 bilhões menor. Assim, só ficará retida nos cofres públicos a diferença, que é de R$ 8 bilhões.

O ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, afirmou que o bloqueio referente à Eletrobras poderá ser liberado até julho. Até lá, o governo conseguirá ter um cenário mais claro sobre a privatização da estatal. Ele disse, ainda, que a retenção de recursos do Orçamento anunciada ontem vai ser distribuída pelos órgãos do Executivo de forma linear. Oliveira explicou que, apesar de o governo ter tido uma série de frustrações no campo das receitas e das despesas, ele também teve ganhos para compensar essas perdas. Assim, depois de um balanço, a receita primária total caiu R$ 1,4 bilhão em relação ao que foi aprovado pelo Congresso, enquanto a despesa foi reduzida em R$ 1,8 bilhão.

A equipe econômica rearranjou as receitas e as despesas previstas inicialmente no Orçamento. O governo teve de comportar, por exemplo, os efeitos da liminar, concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu o adiamento do reajuste dos servidores públicos federais até que a medida provisória (MP) que trata do assunto seja votada pelo Legislativo. Sem isso, a previsão de gasto com pessoal aumentou R$ 5,6 bilhões. Oliveira deixou claro que, uma vez que o plenário do STF derrube a liminar e decida em favor da União, o governo suspenderá o reajuste e cobrará de volta a parcela já concedida em janeiro, dividida nos meses seguintes.

Além disso, a equipe econômica recompôs a previsão de gasto com subsídios em R$ 1,9 bilhão. Esse valor constava no Orçamento, mas foi retirado pelo Congresso. A demora na votação do projeto de lei que reonera a folha de pagamento das empresas também resultou em uma alta de R$ 785 milhões na despesa.

Esses aumentos, no entanto, foram compensados por uma diminuição de R$ 3,9 bilhões nos gastos previstos com benefícios previdenciários, em função da revisão do salário mínimo e da previsão de inflação menor. Com o aquecimento do mercado de trabalho também houve uma diminuição de R$ 5,7 bilhões nas despesas estimadas com abono e seguro-desemprego.

REVISÃO DO CRESCIMENTO DO PIB PARA 3% ESTE ANO

Do lado das receitas, o principal impacto negativo foi com a não aprovação da medida provisória que aumentava a tributação dos fundos exclusivos. Sem esses recursos, as receitas administradas tiveram uma redução de R$ 9,3 bilhões. As receitas previdenciárias também foram reduzidas em R$ 2 bilhões, e a arrecadação do plano de previdência dos servidores, R$ 1,7 bilhão. Esses cortes foram parcialmente compensados por um aumento na previsão de receitas com royalties, de R$ 6,5 bilhões. Isso ocorreu por causa da alta na estimativa do preço do barril de petróleo, de US$ 52,20 para US$ 68,20. Também cresceu a previsão de arrecadação com concessões e permissões (R$ 1,3 bilhão) e com dividendos (R$ 2,1 bilhões).

O governo teve, ainda, ganho com o aumento da previsão de crescimento da economia para 2018, de 2,5% para 3%, e com o reajuste a menor do salário mínimo no ano. Mesmo assim, Oliveira ressaltou que o Orçamento está dentro do teto para os gastos públicos e negou que haja folga nos números previstos pelo governo:

— Ainda estamos mantendo receitas que dependem de fatores externos à nossa administração. Não acho que esteja havendo espaço no Orçamento. Estamos com contenção muito dura de despesas.

Ele ainda ressaltou que, mesmo com uma “surpresa positiva” pelo lado da receita, a equipe econômica não considera rever a meta de déficit primário de R$ 159 bilhões. Para Oliveira, como as despesas já são fixadas pelo teto do gasto, qualquer melhora na arrecadação implica automaticamente entregar meta melhor:

— Hoje, você não precisa alterar a meta para forçar o governo a ter um resultado melhor. As despesas já estão no limite.

Em evento promovido pela Associação Comercial do Rio de Janeiro ontem, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse que o bloqueio pode ser desfeito dependendo do desempenho da arrecadação:

— Estamos no início do ano, a arrecadação está crescendo, precisamos aguardar a evolução da receita para ver se é possível um desbloqueio. Não há dúvida de que os números são melhores do que aquilo que se esperava.