O globo, n. 30861, 03/01/2018. Economia, p. 16

 

STF derruba entrave ao processo de privatização da Eletrobras

Manoel Ventura

03/02/2018

 

 

Governo espera arrecadar R$ 12,2 bilhões com a venda da empresa

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou ontem um dos entraves para a privatização da Eletrobras, ao tornar válida, mais uma vez, uma medida provisória (MP) que permite a venda da empresa. Moraes atendeu a pedidos feitos pela Câmara dos Deputados e pela Advocacia-Geral da União (AGU) e cassou a decisão do juiz da 6ª Vara Federal de Pernambuco que impedia a desestatização.

Com a decisão de Moraes, o governo e a Eletrobras poderão contratar os estudos necessários para o processo de privatização da estatal. O objetivo da MP é viabilizar a finalização do processo ainda neste ano. O governo conta com uma arrecadação de pelo menos R$ 12,2 bilhões decorrente da privatização. Sem a garantia de que o processo será concluído este ano e de que os recursos entrarão nos cofres do Tesouro, o governo bloqueou ontem parte dos gastos que seriam viabilizados com a venda da empresa.

‘ADEQUAÇÃO FISCAL’

Para a operação ser concluída, é preciso que o Congresso Nacional aprove um projeto de lei enviado pelo presidente Michel Temer em janeiro e que trata das regras para a privatização. O modelo de privatização será por meio de aumento de capital mediante subscrição pública de ações, sem que a União acompanhe, sendo sua participação diluída ao ponto de perder o controle.

No início de janeiro, o juiz Cláudio Kitner, da 6ª Vara da Justiça Federal de Pernambuco, anulou os efeitos do artigo 3º da Medida Provisória (MP) 814, que autoriza a venda da Eletrobras e suas controladas, passo necessário para que a empresa contrate as análises jurídicas e financeiras necessárias para o lançamento de ações em Bolsas de Valores.

A decisão do juiz pernambucano foi tomada em uma ação popular proposta pelo advogado Antônio Ricardo Accioly Campos, irmão do ex-governador de Pernambuco e ex-candidato à Presidência da República Eduardo Campos (morto em um acidente aéreo em 2014).

Para o ministro do STF, a decisão da Justiça pernambucana de declarar a inconstitucionalidade da MP e, com isso, retirá-la do ordenamento jurídico, com efeitos para todos, usurpa a competência do Supremo. Em sua decisão, além de cassar a liminar, Moraes determina a extinção da ação popular em curso na Justiça Federal de Pernambuco.

Na ação levada ao STF, a Câmara argumentou que a urgência da MP se justifica pelo “contexto de adequação fiscal das contas públicas”. A AGU apontou “efeitos danosos” na decisão da Justiça Federal, “que colidem com o interesse público de minimizar o déficit nas contas públicas”.

O governo anunciou em agosto de 2017 um plano para privatizar a Eletrobras até o fim deste ano. A medida provisória foi publicada pelo presidente Michel Temer no fim de dezembro. Ela retira de uma lei que trata do setor elétrico a proibição de privatizar a Eletrobras e suas controladas — Furnas, Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf ), Eletronorte, Eletrosul e a Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE).

GOVERNO PREPARA DECRETO

Com a derrubada da liminar, o governo prepara agora a edição de um decreto presidencial para incluir a Eletrobras oficialmente no Programa Nacional de Desestatização (PND). Esse passo é considerado simples pela área jurídica do Palácio do Planalto e pode ocorrer já na próxima semana.

Além disso, a decisão do STF permite que a estatal contrate os assessores financeiros e jurídicos necessários para viabilizar a operação. Uma das questões que precisam ser resolvidas, por exemplo, é como fazer a cisão da subsidiária Eletronuclear e da usina de Itaipu, que não serão privatizadas.

Esses estudos também vão preparar as mudanças no estatuto da empresa, necessárias para a privatização, como a incorporação da ação de classe especial que dará poder de veto à União em ações estratégicas (chamada de golden share) e a limitação de voto de cada acionista para até 10% do capital votante. A expectativa na empresa é contratar esses assessores até o fim deste mês.

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Caixa: procurador do TCU deve pedir auditoria

Geralda Doca

03/02/2018

 

 

Foco é crédito a estados e municípios com garantias não previstas na Constituição

O procurador junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo, deve pedir ao órgão a abertura de uma auditoria específica sobre os empréstimos concedidos pela Caixa Econômica Federal a estados e municípios com garantias não previstas na Constituição (antecipação de receitas) para os entes tomadores que não têm o aval da União. Ele esclareceu que ainda estuda o caso, mas adiantou que, a seu ver, o banco não deveria conceder esse tipo de empréstimo, porque não poderá executar as garantias, uma vez que elas são inconstitucionais.

— Certamente, o Tribunal vai enfrentar essa questão — disse o procurador.

Ele reforçou que a Constituição abre uma exceção para crédito com antecipação de receitas nos empréstimos sem aval da União, mas somente nos casos em que a contratação e a liquidação ocorrerem no mesmo exercício. Ele acrescentou que o processo usado pela Caixa mostra, em princípio, irregularidade, porque, neste caso, a União dá o aval, e o ente federado oferece as receitas tributárias como garantia.

— A Caixa não pode receber em garantia algo que é inconstitucional e que não poderá ser executado. Na prática, foi uma operação sem aval e sem garantia — destacou o procurador, acrescentando que será preciso analisar os detalhes da operação e prazo de vencimento.

R$ 2,1 BI SEM AVAL DA UNIÃO

A assessoria da Caixa informou que concedeu R$ 2,1 bilhões em operações de crédito a estados e municípios em 2016 e mais R$ 2,39 bilhões em 2017. Todas sem o aval da União, com recursos do BNDES e FGTS.

As operações foram realizadas pela vice-presidência de Governo, nas mãos de Roberto Derziê Sant’Anna — ligado ao PMDB. Ele foi destituído do cargo pelo conselho de administração da Caixa, junto com outros dois vice-presidentes, após recomendações do Ministério Público Federal no Distrito Federal e do Banco Central (BC). Derziê é suspeito de irregularidades nas investigações do Ministério Público e da Polícia Federal.

A Caixa, por sua vez, insiste que as operações são regulares. Indagado, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, informou anteontem que o BC deve definir nas próximas semanas novos parâmetros para empréstimos a estados e municípios. As novas regras vão definir questões, como capital próprio exigido para manter esse tipo de carteira. Nas operações sem o aval da União, a Caixa aceitou como garantia receitas tributárias e dos fundos de participação dos estados e dos municípios (FPE e FPM).