Título: Pedófilos camuflados na rede
Autor: Alves , Renato
Fonte: Correio Braziliense, 26/03/2012, Cidades, p. 17

Nunca se prendeu tanto pedófilo no Distrito Federal. Foram 21 desde novembro. A maioria por violentar fisicamente crianças e adolescentes. Mas de uma forma mais silenciosa e impune, criminosos têm feito um número maior de vítimas. Eles usam a internet para atrair, expor e constranger meninos e meninas. A Polícia Civil do DF registra diversas maneiras de atuação desse tipo de bandido, que mira pequenos brasilienses. Elas vão da troca de material pornográfico a investidas por meio das redes sociais e até propostas de compras de fotos de garotas nuas para exibição em sites especializados.

Diferentemente dos crimes cometidos pela maior parte dos pedófilos presos recentemente, a pedofilia na internet tem provas de sobra, mas os autores quase sempre permanecem livres. No universo virtual, os bandidos se escondem em sites hospedados fora do país, atrás de nomes e pseudônimos falsos. Por outro lado, costumam exibir a milhões de pessoas fotos e vídeos de crianças nuas. No momento, uma das prioridades da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) é identificar e colocar atrás das grades o dono de um blog com imagens de pelo menos 20 meninas brasilienses.

A polícia começou a investigar o endereço eletrônico em janeiro, a partir do depoimento de três adolescentes. Elas contaram ter sido assediadas por um desconhecido, por meio de mensagens deixadas em uma rede social da qual elas faziam parte. Todas afirmaram ter recebido uma proposta de se tornarem famosas com a divulgação de suas fotografias. Mas o agenciador exigiu poses sensuais das meninas, totalmente nuas. Ele prometeu pagar R$ 25 por foto, enviada a um e-mail. Agentes acessaram o blog e encontraram diversas imagens de meninas com menos de 18 anos. Identificaram 20 moradores do DF.

Ao tomar conhecimento que vinha sendo investigado, o pedófilo retirou o domínio virtual do ar, mas, antes, escreveu uma mensagem desafiadora. Afirmou que ficaria impune porque a polícia não teria como provar os seus crimes. Agora, a DPCA conta com a ajuda da Divisão de Repressão aos Crimes de Alta Tecnologia (Dicat) da Polícia Civil para identificar e prender o dono do blog. "Não sabemos se o autor mora no DF nem de qual computador recebe e envia as fotos. Por isso, precisamos da ajuda da Dicat. Mas será uma questão de tempo chegar até ele", afirma a delegada Valéria Martirena, chefe da DPCA.

Perfil indefinido Martirena está à frente da delegacia especializada desde novembro. É a segunda vez que assume a unidade. Na primeira, ficou no comando de 2000 a 2005. Nenhum delegado do DF tratou de tanto caso de pedofilia quanto ela. "As denúncias pela internet têm aumentado, mas ainda são menores do que as domésticas. Elas que ocorrem em um ambiente que a vítima teoricamente estaria segura, como a casa e até a igreja. No entanto, a pedofilia na rede faz mais vítimas porque um criminoso pode expor um maior número e o seu crime se propagar e se perpetuar", observa.

Diferentemente do que se acreditava por um período, o pedófilo não tem um perfil definido. "Muitos pregavam que se tratava de senhores de idade e com dinheiro para atrair as suas vítimas. Mas nós temos prendido de jovens trabalhadores braçais a médicos e religiosos", ressalta a delegada. O caso mais recente de um criminoso que agia na internet descoberto e preso pela DPCA foi o de um pedreiro de Ceilândia. Agentes cumpriram o mandado de prisão preventiva em 13 de dezembro. O homem é acusado de integrar uma rede de pedofilia.

Ele não chegou a cometer abusos físicos, mas trocava e-mails com outros integrantes da rede e passava fotos de crianças e adolescentes mantendo relações sexuais ou em posições sensuais, caracterizando o crime, de acordo com a investigação. O pedreiro vinha sendo investigado desde 2008, mas os policiais tinham problemas em identificá-lo porque ele usava uma identidade falsa na internet.

A punição aos criminosos também é dificultada pela falta de comunicação entre as polícias. Um médico do Hospital de Base do DF preso por pedofilia em novembro de 2001 acabou livre por falta de provas. Policiais federais flagraram o gastroenterologista, dentro da maior unidade de saúde do DF, a repassar pela internet imagens de crianças fazendo sexo com adultos. Ele era acusado de pertencer a uma rede internacional de pedofilia, com conexões em cerca de cinco países. "Mas a PF não sabia que o investigávamos há mais tempo. À época, não havia uma lei que punia pedofilia na internet, por isso, pretendíamos flagrá-lo fazendo fotos ou até abusando sexualmente de uma criança. Ele vinha sendo acompanhado por meio de escutas telefônicas", conta a delegada Martirena.

Imagens guardadas Na maioria das vezes, a polícia conta com denúncias anônimas para iniciar uma investigação de pedofilia na internet. Mas a mais recente apuração bem-sucedida em todo o DF teve início por acaso. Em meados de janeiro, um pedestre encontrou um pen drive em uma rua de São Sebastião. Por curiosidade, o homem conectou o aparelho a um computador. Ao abrir os arquivos, veio a surpresa. O acessório tecnológico armazenava mais de mil imagens de crianças e adolescentes nuas, além de 18 vídeos em que um desconhecido violentava uma criança de 6 anos e duas adolescentes de 15 e 16 anos.

O homem entregou o pendrive na 30ª Delegacia de Polícia (São Sebastião), que não teve dificuldade em identificador o criminoso. O abusador que aparece nas imagens é Alberto Mirando Sobrinho, 38 anos, preso na cidade em 11 de fevereiro. Ele confessou os crimes e informou que os abusos com as meninas mostradas nos vídeos começaram em 2004. Na casa dele, os investigadores encontraram outros aparelhos de armazenamento de imagens, além de vídeos, CDs e objetos comprados em sex shop.

Os agentes também identificaram as duas adolescentes estupradas. Em depoimento, Alberto entregou outro suposto integrante da rede de pedofilia, o comerciante Nilton Hélio de Jesus, 40 anos. Na loja dele, na Asa Norte, policiais apreenderam 11 discos rígidos de computadores, duas máquinas fotográficas, um celular, um pendrive e vários CDs.

Já na casa de Nilton, foram apreendidos um laptop e uma máquina fotográfica. O comerciante se entregou à polícia na última segunda-feira. Agora, peritos avaliam todo o material, na tentativa de descobrir outras possíveis vítimas. Os homem detidos serão indiciados por estupro de vulnerável, cuja pena varia de 8 a 15 anos de prisão.

A polícia dinamarquesa liderou a ação por ser considerada mais experiente na análise das redes de compartilhamento usadas para a troca do material pornográfico. Somente na Dinamarca, foram indiciados 19 homens entre 24 e 55 anos.

Memória Megaoperação na Europa

Uma operação desencadeada em 16 de dezembro de 2011 pela Agência de Polícia da Europa desmontou a maior rede de pedofilia já descoberta na internet, com cerca de 70 mil integrantes e conexões em 30 países. Os agentes prenderam, em um só dia, 112 dos 269 suspeitos identificados em 22 nações europeias.

Batizada de Ícaro, a operação tinha como alvo "pessoas que trocavam as formas mais extremas de material de vídeo, mostrando fundamentalmente bebês e crianças pequenas submetidas a abusos sexuais", indicou a Europol em um comunicado. Os investigadores identificaram 230 crianças abusadas.

O que diz a lei Até agosto de 2009, o Código Penal previa o crime de estupro no artigo 213 e o atentado violento ao pudor no 214, além de pena de seis a 10 anos de reclusão para cada um deles. Houve uma mudança na lei e as duas condutas passaram para um único artigo e com a mesma pena. Diz o texto que "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso".