O globo, n. 30859, 01/02/2018. Sociedade, p. 28

 

Ensino médio patina

André de Souza e Paula Ferreira

01/02/2018

 

 

Matrícula cai nos últimos anos da educação básica enquanto escola integral avança devagar

Mais uma vez o Censo Escolar da Educação Básica expôs o caminho tortuoso do ensino médio brasileiro rumo à melhoria da qualidade. Os dados de 2017, divulgados ontem pelo Ministério da Educação (MEC), mostram que o número de matrículas na etapa caiu, seguindo tendência dos últimos anos. Em 2017, foram pouco mais de 7,9 milhões de matrículas contra 8,1 milhões no ano anterior, uma redução de 2,5%. O MEC oferece como uma das explicações para a queda a melhoria do fluxo escolar, com menos reprovações, mas a própria pasta e especialistas apontam outros fatores, como o desinteresse, para o afastamento de jovens de 15 a 17 anos da escola. A evasão nessa fase chega a 11,2%. Como o IBGE conta mais de 10 milhões de pessoas nessa faixa etária no país, o Censo Escolar sugere que existem cerca de 2 milhões de jovens sem estudar.

O governo comemorou o aumento das matrículas do ensino integral em 2017, uma das estratégias que poderiam aumentar a atratividade da sala de aula, mas o avanço é muito tímido para um problema já identificado pelos educadores há anos. Apenas 7,9% dos jovens matriculados no ensino médio estudam em regime integral. Já no fundamental, as matrículas dessa modalidade subiram de 9,1% para 13,9% entre 2016 e 2017, um crescimento que sequer conseguiu recuperar o nível que havia sido obtido em 2015: 16,7%.

A reforma do ensino médio, cuja Medida Provisória do governo foi aprovada no Congresso, prevê a progressão das escolas da etapa para o turno integral de sete horas, mas não estabelece prazo. A meta intermediária é expandir de quatro para cinco horas diárias todas as escolas do ensino médio em cinco anos.

ALTA DE MATRÍCULAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Na educação básica como um todo — que compreende a educação infantil, o ensino fundamental e o médio — o Censo Escolar mostrou uma pequena queda no numero de matrículas, puxada pelas baixas no ensino fundamental e no médio pelo quarto ano consecutivo. Em 2016, havia 48,8 milhões alunos no sistema educacional do país, ligeiramente acima dos 48,6 milhões registrados no ano passado. Entre todas as etapas, somente a educação infantil fez o caminho oposto, com manutenção da alta nas matrículas indicando maior acesso à pré-escola, considerada fundamental por educadores para o desenvolvimento das crianças.

A explicação para a queda de matrículas no ensino fundamental está relacionada principalmente à demografia, com menos crianças ingressando na etapa por causa da queda de natalidade. O último ano do fundamental contribui especialmente para essa queda. Somente de 2013 a 2017, as matrículas no 9º ano caíram 14,2%. Apesar disso, o MEC considera a etapa universalizada com cerca de 99% de cobertura.

A redução no número de alunos no último ano do fundamental é um dos fatores da queda das matrículas no ensino médio. Além disso, muitos que se formam no ensino fundamental acabam não indo para a etapa seguinte. Há um elemento positivo, no entanto, que também reduz o número de matrículas, apontou o MEC: a melhoria da taxa de aprovação. Entre 2013 e 2017, a taxa de aprovação no ensino médio aumentou 2,8 pontos percentuais, elevando o número de egressos formados e reduzindo as matrículas de repetentes.

— O ensino médio vem sendo apontado como o grande gargalo da educação brasileira há muito tempo. Continuamos com o mesmo percentual de jovens de 15 a 17 anos na escola, mas de 65% a 66% estão frequentando o ensino médio na idade certa. Boa parte dos alunos conclui o 9º ano e desiste do ensino médio porque já tem atraso escolar — disse a ministra da Educação interina, Maria Helena de Castro, manifestando especial preocupação com o 3º ano do ensino fundamental, no qual apenas 88,4% dos alunos são aprovados. — Nenhum país no mundo tem bom sistema de ensino com taxas de aprovação tão baixas.

Maria Inês Fini, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), classificou o cenário de “chocante”. O gerente de Políticas Educacionais do Movimento Todos Pela Educação, Olavo Nogueira, concorda que a evasão está fortemente ligada à distorção idadesérie, mas ressalta que alunos abandonam o ensino médio principalmente porque a escola não é boa:

— A baixa qualidade da escola leva jovens a procurar o mercado de trabalho, ou mesmo a abandonar o ensino e sequer ingressar no mercado. Por isso observamos um quadro tão grave. Não temos um cenário de alfabetização na idade certa, o que tem repercussões graves ao longo da trajetória do estudante.

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Pouco a comemorar

Antonio Gois

01/02/2018

 

 

Em números absolutos, são 700 mil vagas a menos em tempo integral no intervalo de dois anos

Em seu material de divulgação do Censo Escolar, o MEC comemorou o aumento de 22% das matrículas em escolas de tempo integral no ensino médio entre 2016 e 2017. Este dado foi destacado como uma demonstração de que as mudanças realizadas pela atual gestão já começam a dar resultado no caminho de um “modelo de ensino médio mais atrativo para os estudantes”. Não surpreende o ministério pinçar um dado positivo para sua análise. Entra governo, sai governo, e a praxe tem sido a de realçar feitos recentes, jogando expectativas de melhoria para o futuro, e atribuindo fracassos aos antecessores.

A simples ampliação da jornada não garante melhoria da qualidade, mas o aumento no número de alunos em tempo integral no ensino médio é, sem dúvida, positivo, ainda que sejam apenas 8,4% do total. Os números ficam menos positivos, porém, quando incluímos nessa estatística o ensino fundamental. Entre 2015 e 2016, houve uma queda brutal no número de alunos em tempo integral: de 16,7% para 9,1%. Em 2017, subiu para 13,9%. O que temos ao final é que o aumento das matrículas em tempo integral de 2016 para 2017 foi ainda insuficiente para repor a perda de 2015 para 2016. Em números absolutos, estamos falando de 700 mil matrículas a menos nos ensinos médio e fundamental em tempo integral no intervalo de dois anos.

Há pouco, portanto, a comemorar. E há ainda menos motivos quando verificamos que as matrículas totais no ensino médio caíram. Parte desse recuo se deve ao fato de a população jovem estar em queda no país e de haver um número menor (mesmo que ainda inaceitável) de estudantes atrasados, por repetência. O problema maior aqui não está no tamanho da queda, mas no fato de que deveríamos estar na direção oposta. Em 2016, segundo o IBGE, a população na faixa etária de 15 a 17 anos (adequada para o ensino médio) somava 10,6 milhões. A diferença entre esse número e os cerca de 8 milhões de matrículas é explicada pelo fato de termos ainda muitos alunos atrasados (frequentando o fundamental quando já deveriam estar no médio) ou, pior, que já abandonaram a escola. Infelizmente, ainda não há sinais de que o ensino médio esteja se tornando mais atrativo.