O globo, n. 30889, 04/03/2018. País, p. 3

 

Licença investigar

Carolina Brígido e daniel Gullino

03/03/2018

 

 

Fachin manda apurar se presidente recebeu propina do esquema de corrupção da Odebrecht

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), incluiu o presidente Michel Temer como investigado na apuração sobre o suposto pagamento de propina pela Odebrecht para, em troca, receber tratamento privilegiado da Secretaria de Aviação Civil. O inquérito foi aberto há um ano para investigar os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência da República). A decisão foi tomada a pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Pela Constituição Federal, “o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”. Para Fachin, a regra não impede a investigação, mas apenas o oferecimento de uma denúncia e eventual abertura de ação penal. Ele concordou com o argumento apresentado por Dodge de que, se a investigação não for levada adiante agora, as provas poderão se perder.

“A imunidade temporária vertida no texto constitucional se alça a obstar a responsabilização do presidente da República por atos estranhos ao exercício das funções; mesmo nessa hipótese (a de atos estranhos ao exercício das funções) caberia proceder a investigação a fim de, por exemplo, evitar dissipação de provas, valendo aquela proteção constitucional apenas contra a responsabilização, e não em face da investigação criminal em si”, escreveu o ministro.

No pedido enviado ao STF, Dodge lembrou que seu antecessor no cargo, Rodrigo Janot, excluiu Temer da investigação com base na imunidade prevista na Constituição para presidente da República. A procuradora-geral discordou da interpretação que Janot deu à regra. “A apuração dos fatos em relação ao Presidente da República não afronta o art. 86-§ 4° da Constituição. Ao contrário, é medida consentânea com o princípio central da Constituição, de que todos são iguais perante a lei, e não há imunidade penal”, escreveu Dodge.

Fachin considera obrigatória a apuração dos fatos. “Impende, portanto, acolher o intento ministerial de investigar, isto é, perquirir, colher elementos, inquirir, enfim reunir dados que ensejem a formação da levando, ulteriormente, a eventual pedido de arquivamento do próprio inquérito ou, cessado o mandato, a propositura de eventual peça acusatória”. Na decisão, o ministro ressaltou que abertura de inquérito “não implica, por evidente, nesse passo, qualquer responsabilização do investigado”.

A investigação foi aberta a partir do depoimento de seis delatores da Odebrecht. “Os referidos colaboradores apontaram, em declarações e provas documentais, que integrantes do grupo político liderado pelo presidente da República Michel Temer e pelos ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco teriam, em 2014, recebido recursos ilícitos da Odebrecht em contrapartida ao atendimento de interesse deste grupo pela Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República, órgão titularizado pelos dois últimos investigados sucessivamente entre os anos de 2013 e 2015”, escreveu a procuradora no pedido encaminhado ao STF. Os três negam as acusações.

Dodge lembrou que, em depoimento, o delator Cláudio Melo Filho citou um jantar realizado no Palácio do Jaburu, com a participação do então vice-presidente, supostamente para discutir a divisão de valores destinados ao PMDB.

O colaborador também disse que Padilha seria encarregado de tratar com agentes privados e de centralizar as arrecadações financeiras da empreiteira. Já o ex-presidente do grupo, Marcelo Odebrecht, disse em delação premiada que a empresa destinou R$ 10 milhões a Temer, a Padilha e ao presidente da Fiesp, Paulo Skaf, na campanha eleitoral de 2014. O acordo teria sido acertado no jantar realizado no Palácio do Jaburu. Marcelo diz que Temer nunca mencionou o valor a ele. Melo, porém, diz que a divisão foi sim discutida com o então vice-presidente.

PRORROGAÇÃO DE PRAZO

Assim como fez a Policia Federal, Dodge também pediu a prorrogação do inquérito por mais 60 dias, para que sejam ouvidos depoimentos de testemunhas entre eles, o doleiro Lúcio Funaro e de Marcelo Odebrecht. Fachin concedeu esse prazo. Esse é o quarto inquérito contra Temer no STF. O presidente é investigado também por supostas irregularidades na edição de um decreto sobre o setor portuário. Duas denúncias oferecidas pelo Ministério Público estão suspensas até o fim do mandato do presidente, por determinação de Câmara dos Deputados. O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, afirmou ontem que a decisão é uma "tentativa de atrapalhar o Brasil': É triste ver que não cessam essas tentativas de atrapalhar o Brasil, através da incriminação e do envolvimento do presidente Temer. Mas, faz parte, infelizmente a gente tem que conviver com isso disse o ministro. Para auxiliares de Temer, o fato não muda a situação do presidente, já que ele continua não podendo ser denunciado. O presidente estava sendo investigado e continua sendo investigado. Não muda nada. Ele continua não podendo ser denunciado. Esta é só tuna noticia negativa diz um assessor do presidente. (Colaboraram Catarina Alencastro e Karla Gama.)

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Temer entrega ambulâncias em cidade que não vai recebê-las

Gustavo Schimitt

03/03/2018

 

 

SOROCABA (SP) Uma fileira de ambulâncias compunha o cenário em que o presidente Michel Temer anunciou ontem a entrega dos veículos para a região de Sorocaba. O evento, inclusive, aconteceu na cidade do interior de São Paulo. Serão 300 ambulâncias novas para a região, menos para um município: justamente Sorocaba.

Na cidade, o presidente anunciou que as ambulâncias vão para 219 municípios. Só no estado de São Paulo, serão enviados veículos para 38 cidades. No evento, Temer estava ao lado do prefeito de Sorocaba, José Crespo (DEM), e do ministro da Saúde Ricardo Barros. Em seu discurso, Crespo saudou o presidente como "conterrâneo" de Tietê, também no interior, sem fazer qualquer referência à saúde do município.

O ministro da Saúde justificou que Sorocaba recebeu duas ambulâncias em uma entrega anterior, em 2012, quando o município ganhou dois veículos para socorro médico. Ao todo, hoje a cidade tem dez ambulâncias, sendo seis em uso e quatro em “reserva técnica” para atender os quase 600 mil moradores. Sorocaba pleiteia mais três veículos

— A cidade não está recebendo ambulância hoje por um critério técnico — desconversou Barros.

Reservadamente, o prefeito Crespo pediu a Temer que Sorocaba receba mais três ambulâncias e ouviu a promessa de que o município será contemplado antes das eleições.

Durante o evento em Sorocaba, o ministro da Saúde afirmou que ambulâncias têm sido usadas pelo tráfico para transportar armas e drogas. Barros não quis dar detalhes sobre casos específicos, mas afirmou que o ministério vai colocar chips com GPS para que os veículos possam ser rastreados se desviarem das rotas estabelecidas pelos serviços de saúde.

Ele disse que o governo prepara uma licitação para a compra dos equipamentos.

Em fevereiro, em outra visita ao interior de São Paulo, Temer ficou em saia-justa ao visitar obras de um acelerador de partículas em Campinas que estão com repasses federais atrasados. O diretor do projeto do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), Antonio José Roque, disse que o equipamento corre o risco de ficar parado caso o governo não libere mais R$ 200 milhões até agosto, quando está previsto o primeiro teste.

Depois do evento, Temer seguiu para a capital paulistana, onde se encontrou com o expresidente Fernando Henrique Cardoso. O encontro não estava na agenda presidencial. Ao G1, Fernando Henrique disse que os dois conversaram sobre o cenário político atual.