O globo, n. 30888, 02/03/2018. País, p. 6
Juízes federais param dia 15 por auxílio-moradia
André de Souza
02/03/2018
Em consulta à categoria, mais de 80% dos votantes apoiam greve; magistrados apontam perseguição
-BRASÍLIA- Após consulta à categoria, os juízes federais de todo o país aprovaram paralisação dos trabalhos no próximo dia 15 contra o fim do auxílio-moradia. A informação foi divulgada pela Associação dos Juízes Federais (Ajufe). De acordo com nota da entidade, 81% (1.053) dos 1.300 votantes concordaram com a greve de um dia. “A indignação contra o tratamento dispensado à Justiça Federal se materializou”, diz a nota.
Mais de 17 mil juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores recebem auxílio-moradia no país, com valores de até R$ 4.377 mensais, mesmo que atuem nas próprias cidades em que moram e tenham imóveis próprios. Levantamento feito pelo GLOBO nas folhas de pagamento de dezembro dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) das cinco regiões, disponibilizadas no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apontou que apenas 331 dos 2.203 juízes e desembargadores federais — 15% do total — não usufruíram do auxílio-moradia.
A permanência do benefício será analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 22. O ministro Luiz Fux liberou o caso para a pauta do plenário em dezembro, três anos depois da liminar que estendeu o pagamento a todos os magistrados. A questão chegou ao STF em 2013, a partir de ações movidas por entidades de classe que representam a magistratura, mas a falta de regulamentação se arrasta desde 1979.
INTERESSES CONTRARIADOS
Os juízes protestam contra o risco de perderem o auxílio-moradia e alegam que estão sendo vítimas de perseguição por conta das decisões duras contra autoridades investigadas por corrupção. Os juízes alegam que vivem situação semelhante a que os magistrados sofreram na Itália após a “Operação Mãos Limpas”.
“A operação Lava-Jato vem mudando a cultura brasileira em relação à corrupção, combatendo-a, sem limites, o que está comprovado pela condenação de diversas autoridades nacionais que ocuparam cargos expressivos, fato inédito, até então, na história da República. É bom lembrar que várias pessoas poderosas estão atrás das grades. Assim, a forma encontrada para punir a Justiça Federal foi atacar a remuneração dos seus juízes. Primeiro e de forma deliberada, quando não se aprovou a recomposição do subsídio, direito previsto na Constituição Federal, cuja perda já atinge 40% do seu valor real; segundo, quando foi acelerada a tramitação do projeto de alteração da lei de abuso de autoridade, em total desvirtuamento das 10 medidas contra a corrupção, projeto esse de iniciativa popular”, diz nota assinada pelo presidente da Ajufe, Roberto Carvalho Veloso.
A nota sustenta que benefício semelhante é pago a outras categorias, mas só os magistrados estão sob risco de perdê-lo.
"Chega-se, então, ao debate sobre o auxíliomoradia, ajuda de custo devida à magistratura, conforme previsão na Lei Orgânica da Magistratura há quase 40 anos. Esse mesmo benefício é pago em dinheiro ou através de concessão de moradia funcional a membros dos três Poderes da República, agentes políticos, oficiais das Forças Armadas, oficiais das Polícias Militares, servidores públicos, dentre tantas outras carreiras da União, dos Estados e dos Municípios, tudo dentro da mais estrita normalidade e sem nenhuma reclamação. Porém, de maneira seletiva, somente a magistratura é alvo de questionamento e de ataques injustos e levianos, mesmo percebendo o benefício com base na lei e em uma decisão judicial legítima e extensamente fundamentada. Os juízes federais não irão aceitar um tratamento discriminatório”.
A questão do auxílio-moradia aos juízes ganhou ainda mais repercussão após a manifestação de alguns magistrados, como o juiz Sergio Moro, em defesa do benefício. O magistrado, que tem apartamento próprio em Curitiba, defendeu o pagamento como forma de compensar a falta de reajuste salarial dos juízes federais.
— O auxílio-moradia é pago indistintamente a todos os magistrados e, embora discutível, compensa a falta de reajuste dos vencimentos desde 1º de janeiro de 2015 e que, pela lei, deveriam ser anualmente reajustados — afirmou.
Em nota, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) afirmou que não participará da greve, embora continue a defender melhoria na remuneração da magistratura.