O globo, n. 30887, 01/03/2018. Sociedade, p. 30

 

Natureza partida

Carolina Brígido e Renato Grandelle

01/03/2018

 

 

STF mantém anistia a produtores, ponto mais controverso do Código Florestal

-BRASÍLIA E RIO- Os ativistas ligados ao meio ambiente perderam a queda de braço travada contra proprietários rurais na definição das últimas regras do Código Florestal. O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve ontem a anistia a punições, como multas, por desmatamentos ilegais cometidos antes de 2008, desde que os infratores se cadastrem em programas de regularização ambiental.

De acordo com a maioria dos ministros da Corte, o artigo do Código Florestal não trata de anistia, mas apenas da substituição da punição pela recuperação do bioma atingido. No entanto, os ambientalistas consideram que a decisão foi injusta para os produtores rurais que cumpriram à risca as regras contra o desmatamento estabelecidas antes da nova lei.

O setor agropecuário também foi vitorioso em outros pontos controversos do código. Foi aprovada a redução das reservas legais de 80% para 50% em municípios onde existem terras indígenas ou unidades de conservação, o que permitirá o avanço do desmatamento. A Corte também liberou as atividades agrícolas em encostas com mais de 45 graus e topos de morros, áreas suscetíveis a enxurradas e deslizamentos.

O ministro Celso de Mello, o único a votar na sessão de ontem, considerou que o direito ao meio ambiente é coletivo e deve ser assegurado à sociedade. Para ele, a anistia estimula quem praticou delitos ambientais a resolver a situação.

— O direito à integridade do meio ambiente constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva — afirmou.

O decano da Corte e os ministros Rosa Weber, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia entenderam que a lei não concede anistia ampla, mas prevê maneiras de compensar o meio ambiente pelo desmatamento. Votaram contra a anistia os ministros Luiz Fux, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski.

MENSAGEM DE IMPUNIDADE

Coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito do Observatório do Clima, Tasso Azevedo considera que a decisão do STF simbolizou uma “perda de oportunidade” para pôr a legislação ambiental nos trilhos.

— Consolidou-se a imagem de que o Brasil é o país da impunidade: quem segue a regra é frouxo — lamenta. — O que estava em jogo é o interesse coletivo, já que a produção agrícola nunca foi ameaçada pelo Código Florestal. Na verdade, seu rendimento depende da manutenção da área verde, que garante o ciclo da chuva e as condições climáticas ideais.

Nurit Bensusan, assessora do Programa de Políticas e Direitos Socioambientais do Instituto Socioambiental, avalia que os ruralistas obtiveram uma vitória a “curtíssimo prazo”:

— Não se deve comemorar o resultado da votação. Foi um tiro pela culatra. A agricultura depende de uma série de serviços ambientais, e que agora precisarão ser substituídos por tecnologias caras: modos para combater pragas e doenças, conter a erosão do solo e manter a disponibilidade de água.

Segundo Nurit, se a anistia não fosse aprovada, o território que estaria sujeito à recomposição teria uma área equivalente à Alemanha.

Rodrigo Justus, assessor técnico sênior da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), assegura que proprietários rurais que adotam técnicas sustentáveis não precisam se preocupar.

— Não existe base científica para dizer que vai acabar a água. Nós somos referência na utilização do solo — assinala. — A decisão do STF acabou com o período de insegurança jurídica que acompanhou a criação do Código Florestal. Hoje, com o Cadastro Ambiental Rural, o produtor que promover irregularidades será multado imediatamente, não poderá comercializar, e o controle do desmatamento pode ser feito em tempo real, inclusive pelo governo e pelas ONGs.

No ano passado, quando votou, Fux afirmou que até 2012, quando o Código Florestal foi editado, o desmatamento no Brasil vinha caindo. A partir daquele ano, porém, os índices aumentaram:

— Certamente a anistia das infrações cometidas até 22 de julho de 2008 pode ser apontada como uma das possíveis causas para esse aumento. Ao perdoar infrações administrativas e crimes ambientais pretéritos, o Código Florestal sinalizou uma despreocupação do Estado para com o direito ambiental.

Roberta del Giudice, secretária-executiva do Observatório Florestal, conta que as normas ambientais do país são mudadas desde a capitania hereditária. Embora lamente o resultado da votação do STF, destaca que a missão, agora, é lutar pela aplicação do código, mesmo diante de suas imperfeições:

— Não se alcançou a proteção ideal, mas essa foi a possível, considerando o atual momento político do Brasil. Agora precisamos torcer para que tudo dê certo, e essa será a primeira lei florestal da História do país.

COMO FICOU A LEI

A favor dos ruralistas

ANISTIA AO DESMATAMENTO: Produtores que realizaram desmatamentos ilegais antes de 22 de julho de 2008 não estão sujeitos a punições, como multas, desde que se cadastrem em programas de regularização ambiental. Para os ambientalistas, a decisão estimula a impunidade e aumenta a expectativa por leis ainda mais flexíveis.

REDUÇÃO DE RESERVAS LEGAIS: A área de proteção obrigatória da propriedade passa de 80% para 50% nos municípios em que há terras indígenas e unidades de conservação. A principal consequência apontada pelos analistas contrários à medida é o avanço do desmatamento.

ECONOMIA NO MORRO: O código permite atividades econômicas em encostas acima de 45° e no topo de morros. Ambientalistas afirmam que a exploração desses locais pode provocar enxurradas e deslizamentos.

EXTENSÃO DA AQUICULTURA: A produção de peixes e crustáceos poderá ser realizada em áreas de proteção ambiental. Essa atividade econômica é realizada com substâncias químicas que contaminam ecossistemas e afetam animais e plantas.

ESPÉCIES EXÓTICAS: Metade da reserva legal desmatada poderá ser recomposta por espécies que não são nativas daquele ecossistema. A medida prejudica a proteção da fauna e a estabilidade do solo.

A favor dos ambientalistas

COMPENSAÇÃO DO DESFLORESTAMENTO: A devastação de uma área desmatada deve ser compensada com o plantio em outra área com o mesmo tipo de vegetação — até agora, bastava que isso fosse feito no mesmo bioma, o que permitia que o reflorestamento fosse realizado a milhares de quilômetros de distância.

LIMITE NO DESMATAMENTO: O desflorestamento de áreas de proteção permanente (APPs) só pode ser realizado em casos excepcionais, como por utilidade pública, interesse social, ou quando houver baixo impacto ao meio ambiente.

PROTEÇÃO DE RIOS: Nascentes intermitentes, que desaparecem em períodos de estiagem, passam a ter conservação obrigatória, da mesma forma que ocorre com as perenes. Essa medida beneficia principalmente os corpos de água da região semiárida e do Cerrado.

TRATAMENTO DE POVOS INDÍGENAS: Terras indígenas e áreas de comunidades tradicionais passam a receber os mesmos benefícios jurídicos concedidos a pequenos produtores rurais.