O globo, n.30892 , 06/03/2018. ECONOMIA, p.19

BAQUE PARA AS EXPORTAÇÕES

DIMITRIUS DANTAS

GUSTAVO SCHMIT

ELIANE OLIVEIRA

KATNA BARAN

 

 

 

Operação Trapaça investiga fraude na BRF, que perde R$ 5 bi na Bolsa. Vendas ao exterior devem cair

A terceira etapa da Operação Carne Fraca, deflagrada ontem com o nome de Trapaça, teve como alvo principal a BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão. Indícios de manipulação na análise e controle de qualidade dos produtos da empresa levaram a Justiça a determinar a prisão temporária de Pedro Faria, ex-presidente da BRF, e de Hélio Rubens dos Santos Jr., ex-vice-presidente de Operações Globais da empresa. Além de agravar a crise atual da companhia, que enfrenta uma ruidosa disputa entre seus principais acionistas, a empresa viu seu valor de mercado encolher em quase R$ 5 bilhões ontem, com uma queda de 19,7% nas ações. A BRF é avaliada na Bolsa em R$ 20,1 bilhões, o menor patamar desde 2010. No ano, os papéis da empresa despencam 32,4%. Mas o impacto da Operação Trapaça tem potencial para trazer perdas de imagem e de negócios a todo o setor exportador de carnes brasileiro.

De acordo com a Polícia Federal (PF), as investigações mostraram que cinco laboratórios credenciados pelo Ministério da Agricultura e setores de análise da própria BRF fraudavam laudos de exames de amostras dos produtos processados pela empresa, burlando a fiscalização. Análises para detectar a presença de micro-organismos, especificamente a salmonela, nas carnes de frango e peru da empresa tinham os resultados manipulados, segundo a PF. Tudo com a anuência dos executivos da companhia, além do corpo técnico e de profissionais que respondiam pela qualidade dos produtos da empresa, de acordo com a investigação.

O governo e o setor privado ainda calculam o impacto direto da Operação Trapaça nas exportações de carne. Avaliação preliminar mostra que, se forem levados em conta os 12 mercados que exigem certificado atestando a ausência da salmonela, a queda pode chegar a ao menos US$ 1,281 bilhão. O montante se refere ao que foi comprado do Brasil no ano passado por África do Sul, Argélia, Coreia do Sul, Israel, Irã, Macedônia, Suíça, União Europeia, Tadjiquistão, Maurício, Ucrânia e Vietnã. A expectativa é que os países cobrem explicações do Brasil sobre o caso.

Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic) mostram que, no primeiro bimestre, o Brasil exportou US$ 2,2 bilhões de carnes. Do total, as vendas externas de carne de frango somaram US$ 913 milhões — 41,5% — enquanto a de carne bovina in natura ficou em US$ 818 milhões. No ano passado, o Brasil embarcou para o exterior o equivalente a US$ 15 bilhões. As vendas de frango e carne de peru corresponderam a US$ 6,4 bilhões.

TROCA DE E-MAIL ENTRE EXECUTIVOS

Ao todo, a PF cumpriu 91 ordens judiciais, entre prisões preventivas, conduções coercitivas e operações de busca e apreensão em cinco estados: São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Goiás. Na terceira fase da Carne Fraca, foram cumpridos 11 mandados de prisão temporária, 27 de condução coercitiva e 53 de busca e apreensão. Foi denar a suspensão das exportações em três das quatro unidades da BRF que foram alvo da operação: duas de frango em Rio Verde, em Goiás, e Carambeí, no Paraná; de peru em Mineiros (Goiás) e de rações em Chapecó (Santa Catarina).

A PF vai investigar se há presença de salmonela prejudicial à saúde em lotes de carne de frango e peru da BRF apreendidos ontem. Até agora, as informações mostram que a bactéria encontrada não traz risco à saúde. No Brasil, o grau de tolerância a esse tipo de bactéria na carne é de 20%. Em alguns países para onde o produto é exportado, a incidência não pode passar de 5%.

— As investigações continuam, mas, agora, tratam realmente apenas das presença da salmonela, o que representa restrições comerciais a 12 destinos dos mais de 150 para onde o país exporta — disse o coordenador-geral de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa), do Ministério da Agricultura.

E-mails trocados entre executivos da BRF e depoimentos de fiscais, funcionários e cooperados da empresa levaram à ação, disse o delegado da PF Maurício Moscardi Grillo, que coordena a operação:

— Uma pessoa do setor de regulamentação e fiscalização da empresa pergunta por e-mail a uma funcionária do controle de qualidade se teria como andar dentro da lei. Ela até diz, no próprio e-mail: “sim, tem, mas é uma estratégia da empresa fazer dessa forma”. Temos aí a própria funcionária informando a estratégia, cujo objetivo é a prevalência do lucro.

Pedro Faria, ex-presidente da BRF detido, foi flagrado num e-mail em que, na interpretação da PF, revela conivência com o esquema. Em ação trabalhista de 2015, a superintendente do laboratório da empresa na fábrica de Rio Verde, Adriana Marques Carvalho, diz que sofria pressão de superiores para alterar o resultado de análises que apresentavam diagnóstico de contaminação por salmonela. Ela reclamava indenização da empresa. O processo colocou em alerta a área jurídica, que levou o caso ao topo da sua hierarquia.

BRF DIZ SEGUIR NORMAS RIGOROSAMENTE

Segundo os autos da PF, ao saber do caso, Faria reclamou: “Isso é um absurdo. Impressionante como sempre levamos bucha dos mesmos lugares. Hélio, por favor, avalie algo drástico por lá. Tem coisa que ofende nosso senso de propósito.” Ele dirigia-se a Hélio Rubens dos Santos Jr., ex-vice-presidente de Operações Globais da BRF. Adriana, que fechou acordo pelo qual recebeu R$ 70 mil da empresa, apresentou à PF uma planilha de controle de contaminação dos produtos por agentes como a salmonela, que revelam que os níveis eram maiores do que o aceitável, chegando a 70% das amostras em uma ocasião.

Segundo a PF, qualquer um dos diretores da empresa, incluindo Faria, poderia ter questionado tais práticas. “Os índices de amostras com contágio positivo eram muito superiores à média aceitável, tanto para o mercado interno quanto para a exportação”, afirma relatório da PF. Depois do e-mail de Faria, a PF identificou que Hélio Rubens enviara e-mail a um subordinado, afirmando: “Vamos juntos elimiterminada todas as exposições”.

Para o juiz André Wasilewski Duszczak, da 1ª Vara Federal de Ponta Grossa (PR), que expediu a ordem de prisão contra Faria e Hélio Rubens, as mensagens significam que as medidas drásticas ordenadas pelo presidente da BRF seriam no sentido de proteger a empresa da investigação.

Em comunicado, a BRF reafirma seguir rigorosamente as normas nacionais e internacionais referentes a produção e comercialização. A empresa diz que tem importantes certificações internacionais de qualidade, sendo a única do país a integrar o Global Food Safaty Initiative (GFSI). Por isso, assegura, não há nada constatado pelas investigações da PF que signifique risco à saúde de seus consumidores.

“Com base nos documentos disponíveis, a BRF entende que nenhuma das frentes de investigação da Polícia Federal diz algo que possa causar dano à saúde pública”, diz. Diz ainda que foi auditada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) em outubro e que “todos os parâmetros estavam devidamente em ordem”. Quanto aos emails trocados por executivos, que inclusive serviram de base para a ordem de prisão de Faria, a empresa diz serem de três anos atrás e que também são objeto de investigação própria.