Título: Cenário de enredos policiais
Autor: Decat, Erich
Fonte: Correio Braziliense, 02/04/2012, Política, p. 5
Resposáveis pela segurança da Câmara investigam casos que vão do estelionato ao uso da imagem da Casa para facilitar golpes
» Palco de debates marcantes e símbolo da democracia do país, mas, ao mesmo tempo, repleta de escândalos de corrupção envolvendo parlamentares, a Câmara dos Deputados também coleciona pitorescas histórias policiais ocorridas dentro e fora de seus gabinetes e corredores. Os casos são tão numerosos que levaram o presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS), a baixar uma norma interna para investigar irregularidades cometidas por servidores (leia mais abaixo).
O Correio teve acesso a algumas dessas histórias, que vão desde a suposta tentativa de golpes praticados pelos servidores no pagamento de pensão ao uso das dependências da Casa como forma de criar uma imagem de credibilidade para golpistas em joalherias da cidade. Concluído na última quarta-feira pela Polícia Legislativa da Casa (Depol), o "Inquérito 4" revela a tentativa de um golpe de estelionato tendo como alvo os cofres da Câmara.
A ação foi descoberta pelos agentes após briga entre integrantes da mesma família. O episódio começou a ser desenhado em 30 de junho do ano passado, com a morte, aos 64 anos, da servidora aposentada, Josenir. Como parte da herança, ela deixou uma pomposa pensão de cerca de R$ 10 mil por mês e um capital segurado (pecúlio) de R$ 90 mil. Até que um cidadão chamado Sérgio, de 32 anos, apareceu na Câmara em julho de 2011 com uma certidão de casamento. O rapaz alegou ser marido de Josenir e, consequentemente, destinatário da pensão vitalícia e detentor de 50% do seguro deixado pela "mulher". A outra metade do prêmio deveria ser dividida entre os dois filhos de Josenir, Ana e Anastésio, esse último morando na Irlanda.
Por não serem mais considerados dependentes de Josenir, os filhos não teriam direito à parte da mesada. Apesar de ter chamado a atenção a diferença de idade entre Josenir e Sergio, o processo tramitava normalmente até que, dias depois, apareceu na Câmara o filho da servidora, Anastésio e revelou o golpe aos agentes da Depol.
Ao contrário do que estava escrito na Certidão de Casamento, Sergio não era marido de Josenir e, sim, parceiro da filha da aposentada morta, Ana, que mora no Espírito Santo. Anastésio se negou a participar do esquema montado pela irmã e o companheiro. Juntos, os dois poderiam ficar com 75% do pecúlio, o equivalente a R$ 67,5 mil. O caso foi encaminhado na última quinta-feira ao Ministério Público Federal do Distrito Federal. Ana, que fez aniversário no sábado, e Sergio, vão responder por estelionato.
Quem também pode ser enquadrada no crime de estelionato é a jovem de classe média Lilianne Pessoa da Silva, 23 anos. Ela é suspeita de praticar diversos golpes em joalherias da cidade, usando como pano de fundo o Congresso. Técnica em gastronomia, em dezembro do ano passado, Lilianne, de acordo com investigação do Depol, ligou para uma joalheria do Gilberto Salomão, passando-se por assessora de um deputado.
Joias Na ocasião, pediu que uma pulseira de ouro fosse entregue no gabinete 1.502, localizado no quarto andar do Anexo IV. Avisou que a joia seria paga por um parlamentar. No dia da entrega, Lilianne se antecipou ao entregador e pegou a joia na entrada do prédio. Segundo as investigações, ela não precisou nem apresentar comprovante de pagamento. De posse da pulseira, dirigiu-se ao Conjunto Nacional, onde um ourives chamado Manoel pagou R$ 3 mil pela peça.
Em março deste ano, Lilianne voltou a atuar. Desta vez, o alvo foi uma joalheria de um shopping da cidade. Na ocasião, a jovem passou-se por funcionária do Senado. Encomendou três peças: um pingente em formato de coração, uma pulseira com elos em ouro e um anel de ouro branco e diamante. Barganhou um desconto e conseguiu baixar o preço da compra de R$ 51 mil para R$ 46.900.
Em seguida, depositou envelopes vazios em caixas eletrônicos e apresentou os recibos como prova do pagamento da compra. De posse das joias, voltou ao mesmo ourives e disse que as peças eram de uma amante de um deputado. Manoel pagou R$ 4.800. Lilianne foi presa pela Polícia Civil do DF no último dia 14. Ela também é acusada de praticar outros crimes em Pernambuco.