O globo, n.30900 , 14/03/2018. PAÍS, p.3

A VEZ DA MÁFIA DO PÃOZINHO

CHICO OTAVIO

IGOR MELLO

DANIEL BIASETTO

 

 

MP diz que ex-secretário de Cabral atuou em esquema para fraude milionária nas prisões

A Força-Tarefa da Lava-Jato no Rio determinou ontem a prisão do sexto secretário de Sérgio Cabral, suspeito de envolvimento no esquema de corrupção comandado pelo ex-governador. A Operação Pão Nosso apontou desvios de R$ 44,7 milhões na Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) e até mesmo o uso de moeda virtual, o bitcoin, para lavagem de dinheiro de corrupção.

Na mira da operação, os contratos de fornecimento de lanches para os presídios do Rio. Entre os presos estão o ex-secretário de Administração Penitenciária do Rio coronel Cesar Rubens Monteiro de Carvalho e o delegado da Polícia Civil Marcelo Luiz Santos Martins, chefe do Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE), que é suspeito de lavar dinheiro do grupo e mandar parte dos recursos para o exterior.

Ao todo, foram expedidos 16 mandados de prisão, além de outros 28 de busca e apreensão. O esquema de corrupção tem como pivô o empresário Felipe Paiva, dono do Esch Café e que não foi encontrado. O MPF acredita que ele está em Portugal.

A partir de 2002, Paiva controlou, através da empresa Induspan, os contratos para o fornecimento de lanches para as unidades da Seap. O vínculo foi interrompido após a constatação de irregularidades. O empresário, então, tornou-se sócio oculto da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) Iniciativa Primus. A entidade venceu a nova licitação para a prestação do serviço, em 2010, tendo sido a única entidade a oferecer proposta no certame. Houve ainda a produção de novos contratos emergenciais, sem licitação.

Uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado apontou prejuízo de R$ 23 milhões do superfaturamento nos produtos do café dos presos em Bangu. O estado pagava os insumos e o pão, sendo que o alimento era produzido pelos próprios detentos, em programa de ressocialização.

— O contrato foi uma manobra para acomodar os interesses — afirmou o promotor Silvio Ferreira de Carvalho, do MP-RJ.

O dinheiro desviado era lavado usando pelo menos três métodos identificados pelos investigadores. Um deles, de acordo com o MPF, envolvia o delegado Marcelo Martins, que, na semana passada, esteve com o juiz Marcelo Bretas e solicitou apoio para compra de equipamentos de investigação. Bretas negou apoio ao delegado.

O MPF identificou que a empresa Finder Executive Consulting, pertencente a Marcelo e a seu pai, Carlos Mateus Martins, recebeu pagamentos de empresas utilizadas pelo grupo criminoso do ex-governador Sérgio Cabral para lavar dinheiro, como o grupo Dirija. Carlos Martins também era sócio do coronel César Rubens em uma empresa.

PATRIMÔNIO DE EX-SECRETÁRIO MULTIPLICOU

Documentos encontrados ontem pela Lava-Jato, em cumprimento de mandados de busca e apreensão, levantam suspeitas sobre o envolvimento do delegado com operações dissimuladas de remessa de dinheiro ao exterior. Na casa do policial, na Barra da Tijuca, os investigadores arrecadaram três páginas de um contrato no qual a Finder Executive Consulting Assessoria adquire por US$ 50 mil, em julho de 2017, 5% da participação societária na americana CompEquip Solutions, fornecedora de material médico sediada em Miami.

Ao cruzar o contrato com o banco de dados da Calicute, os investigadores constataram que a CompEquip já fez negócios com o empresário Arthur César de Menezes Soares Filho, o Rei Arthur, investigado na Lava-Jato e que está foragido.

César Rubens formaria um braço da quadrilha e tinha como operador financeiro o advogado Marcos Lips, que foi secretário adjunto de Tratamento Penitenciário da Seap. Segundo o MPF, o patrimônio do ex-secretário foi multiplicado por dez no período em que comandou a Seap, e passou a incluir sete embarcações.

Em sua colaboração premiada, Carlos Miranda, principal operador de Cabral, contou que havia um acordo com César Rubens para que parte da propina fosse repassada ao núcleo central da quadrilha. Miranda disse que os pagamentos variaram entre R$ 100 mil e R$ 1 milhão, sem um percentual definido sobre os contratos.

Em nota, a defesa de Sérgio Cabral negou o recebimento de propinas da pasta: “O ex-governador desconhece irregularidades na Seap ou em qualquer outra Secretaria do seu governo”. O Esch Café afirma que está à disposição das autoridades para qualquer esclarecimento. Os advogados dos outros investigados não foram encontrados.