O globo, n. 30899, 13/03/2018. País, p. 3

 

Corruptos sem perdão

Carolina Brígido

13/03/2018

 

 

Barroso, do STF, contraria Temer e derruba benefício a criminosos do colarinho branco

“Carece de legitimidade ato que estabelece regras que favorecem criminosos do colarinho branco. O decreto reforça a cultura de leniência e impunidade”

 

-BRASÍLIA- Em decisão sobre o indulto de Natal decretado pelo presidente Michel Temer no ano passado, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que condenados por crimes do “colarinho branco”, como corrupção e peculato, não podem ser beneficiados pelo indulto de Natal. No despacho, o ministro autorizou a libertação de presos que não tenham cometido crimes de forma violenta, desde que sentenciados a até oito anos de prisão e que tenham cumprido ao menos um terço da pena. Até ontem, o indulto estava integralmente suspenso por decisão da presidente do STF, Cármen Lúcia, que já havia considerado inconstitucional a concessão do indulto aos corruptos.

Na decisão, Barroso salientou a importância de punição a criminosos do colarinho branco como forma de coibir a prática. “O excesso de leniência em casos que envolvem corrupção privou o Direito Penal no Brasil de uma de suas principais funções, que é a de prevenção geral. O baixo risco de punição, sobretudo da criminalidade de colarinho branco, funcionou como um incentivo à prática generalizada desse delito”, anotou o ministro.

Ele criticou o ato de Temer pelo potencial para beneficiar corruptos. “Carece de legitimidade corrente um ato do poder público que estabelece regras que favorecem a concessão de indulto para criminosos do colarinho branco. Isso porque, ao invés de corresponder à vontade manifestada pelos cidadãos, o decreto reforça a cultura ancestral de leniência e impunidade que, a duras penas, a sociedade brasileira tenta superar. Em manifesta falta de sintonia com o sentimento social — e, portanto, sem substrato de legitimidade deGoverno, mocrática — o decreto faz claramente o contrário: dá um passe livre para corruptos em geral. Assim, a falta de legitimidade democrática é tão ou mais visível que o igualmente evidente desvio de finalidade”, concluiu Barroso.

Depois que Temer baixou o decreto, Cármen Lúcia o suspendeu durante o recesso da Corte, por conta das regras mais permissivas do que as normalmente estabelecidas nos indultos de Natal. O ponto mais controvertido era justamente a possibilidade de concessão de liberdade a quem cometeu crime de corrupção. Além disso, o decreto de Temer não estabelecia pena máxima imposta ao criminoso a ser beneficiado e considerava necessário apenas o cumprimento de um quinto do total da pena para o presidiário obter liberdade. O decreto também permitia que condenados a pagamento de multa que ainda não tivessem pagado o valor pudessem ser libertados.

AUMENTO DA PRESSÃO NOS PRESÍDIOS

A decisão de Cármen Lúcia de suspender o decreto gerou incerteza no meio jurídico. A dúvida era se o indulto poderia beneficiar criminosos não perigosos, ou se as regras estavam revogadas para todos. Desde o início do ano, chegaram ao STF manifestações de defensorias públicas de que as varas de execuções penais dos estados não estavam aplicando o decreto de modo geral — e que isso estaria aumentando a pressão nos presídios. Barroso tinha mantido a liminar de Cármen e liberou o tema para votação em plenário. Mas a presidente do STF não o incluiu nas pautas de março e abril, já divulgadas. Diante desse quadro, o ministro reformulou o posicionamento, que valerá até o plenário avaliar.

Na decisão, Barroso seguiu recomendação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Ficaram fora da possibilidade de indulto os crimes de peculato, concussão, corrupção passiva, corrupção ativa, tráfico de influência, crimes contra o sistema financeiro nacional, fraude a licitações, lavagem de dinheiro, ocultação de bens e crimes previstos na Lei de Organizações Criminosas. Também estão suspensos indultos se ainda houver recurso da acusação pendente de julgamento. E para condenados que já se beneficiaram da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e da suspensão condicional do processo. Também exige-se o pagamento de multas.

Em nota, o coordenador de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Emanuel Queiroz, comemorou a decisão de Barroso. Para ele, foi importante dar a criminosos não violentos o direito ao indulto. Já o ministro da Secretaria de Carlos Marun, criticou a decisão.

— Não vejo suporte constitucional para que um ministro do STF estabeleça as regras pra um indulto de Natal. Pelo que sei, indulto de Natal é prerrogativa do presidente da República, e temo, sinceramente, que essa volúpia que busca o aviltamento das prerrogativas do presidente tenha consequências mais duras do que essas que se apresentam no momento. A Constituição existe para ser respeitada, não para ser interpretada de acordo com a criatividade de cada um — declarou Marun.

MUDANÇA NO SISTEMA DE INDULTO

A presidente do STF discutiu o tema com o ministro da Segurança, Raul Jungmann. Ficou acertado uma mudança no sistema de concessão de indulto no país. Atualmente, o presidente da República baixa um decreto com as condições para alguém ser beneficiado. A partir das regras, os advogados dos presos entram com o pedido de indulto. A proposta é que, agora, essa lógica seja invertida: antes de se editar o decreto, o poder público precisaria identificar nos presídios de todo o país quem se enquadra nas regras. Isso evitaria que alguém fosse deixado na prisão por mais tempo por falta de advogado ou defensor público.

No domingo, Cármen Lúcia recebeu o presidente Michel Temer em casa. No encontro, se discutiu a ideia de retomar os mutirões carcerários — um projeto implantado primeiro pelo ministro Gilmar Mendes entre 2008 e 2010, quando presidiu o CNJ e o STF.

Cármen decidiu colocar a medida em prática em abril. A partir de um cadastro de presos que está em fase de conclusão, serão postas em liberdade pessoas que já teriam esse direito, mas que por desorganização do sistema, continuam atrás das grades. 

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Ministro quebra sigilo telefônico e de e-mail de aliados de Temer

Aguirre Talento e Bela Megale

13/03/2018

 

 

Decisão faz parte de inquérito que apura irregularidades no Decreto dos Portos

-BRASÍLIA- Além de ter quebrado o sigilo bancário do presidente Michel Temer (PMDB), o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou a quebra dos sigilos telefônico e telemático dos suspeitos de serem intermediários de propina para o peemedebista: o ex-deputado Rodrigo da Rocha Loures (PMDB) e o coronel João Baptista Lima, amigo de longa data do presidente. As quebras, feitas no inquérito que investiga se o presidente favoreceu indevidamente o setor portuário, também atingem o dono da Rodrimar, Antonio Celso Grecco, e o diretor da empresa, Ricardo Mesquita.

A empresa é concessionária de áreas no porto de Santos, zona de influência política de Temer. A PF investiga se o peemedebista recebeu propina para favorecer empresas do setor na publicação de um decreto presidencial, em maio do ano passado, que alterou regras do setor — uma das mudanças, por exemplo, foi aumentar o prazo das concessões portuárias. As suspeitas surgiram depois que Rocha Loures foi flagrado em grampo telefônico discutindo o decreto com Ricardo Mesquita. Loures, ex-assessor presidencial de Temer, foi flagrado pela PF recebendo uma mala de dinheiro da JBS.

Temer não foi alvo direto dessas quebras de sigilo, que abrangem o período de 2013 a 2017. O afastamento do sigilo telemático foi solicitado pela Polícia Federal (PF) para obter acesso à comunicação por e-mail feita entre os investigados. A decisão de Barroso foi proferida em 27 de fevereiro, mesmo dia no qual ele também autorizou a quebra do sigilo bancário de Michel Temer. Os investigadores buscam obter provas de possíveis irregularidades na negociação do decreto.

A ideia de pedir o sigilo telemático surgiu depois que a PF encontrou, na casa de Rocha Loures, um e-mail do dono da Rodrimar, enviado para um escritório de advocacia, para tratar de pagamento de valores.

Já o afastamento do sigilo telefônico foi solicitado pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ainda em dezembro, e autorizado por Barroso no mesmo mês. Uma análise do celular do coronel Lima apreendido pela PF revelou 12 telefonemas entre ele e Temer.

Como as quebras abrangeram o ano de 2013, os investigadores poderão rastrear também possíveis irregularidades na discussão da Medida Provisória dos Portos — à época, Temer ainda era vice-presidente, mas serviu como interlocutor do setor portuário. O dono da Rodrimar, Celso Grecco, já admitiu à PF que esteve com Temer na vice-presidência entre 2013 e 2014, acompanhado de Ricardo Mesquita. O ex-deputado Rocha Loures à época era assessor da vice-presidência e se tornou porta-voz de Temer nas negociações com o setor. A PF suspeita que ele intermediava o recebimento de propina para Temer.

Uma das diligências pendentes é justamente tomar o depoimento do coronel Lima, amigo de Temer desde os anos 80 que foi citado na delação da JBS como intermediário de propina destinada ao peemedebista. A PF tenta ouvi-lo desde o início das investigações, no ano passado, mas sua defesa alega que ele está com problemas de saúde.

Todos os alvos têm negados irregularidades. Temer já afirmou à PF que não recebeu empresários para discutir o decreto portuário e que nunca recebeu pagamentos indevidos. Grecco e Mesquita negam irregularidades e qualquer tipo de pagamento ilícito. A Rodrimar já afirmou que o decreto não beneficiou as concessões da empresa.

RECUO SOBRE EXTRATOS

Depois de anunciar que entregaria seus extratos bancários à imprensa, Temer tem dito agora que vai “avaliar” se de fato fará isso. O presidente deve conversar hoje em São Paulo com seu advogado, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, para tomar uma decisão. Interlocutores do Palácio do Planalto afirmaram que “nada mudou ainda” e que sua equipe de juristas está apenas “examinando o caso”. (Colaborou Letícia Fernandes)