O globo, n. 30898, 12/03/2018. país, p. 3

 

Investigação ameaçada

Renata Mariz

12/03/2018

 

 

Considerada ação prioritária, integração de dados criminais perdeu 77% do orçamento em 2017

-BRASÍLIA- Apesar de ter anunciado uma série de iniciativas para a segurança pública, o governo de Michel Temer reduziu em 77% os investimentos no sistema informatizado para integrar todos os dados criminais do país. O Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisional e sobre Drogas (Sinesp) foi criado em 2012, já consumiu ao menos R$ 174 milhões, mas até hoje não funciona efetivamente.

Dados oficiais do governo apontam uma queda de 77% nos gastos com o Sinesp em 2017. A cifra, que foi de R$ 73,4 milhões em 2016, caiu para R$ 16,3 milhões no ano seguinte. A ideia do sistema era integrar os dados de todas as delegacias do Brasil para permitir o desenvolvimento da inteligência policial e técnicas mais avançadas de combate ao crime. Mas até hoje nenhum estado brasileiro interligou 100% de suas delegacias ao Sinesp. Só dez estados começaram a repassar seus dados ao sistema, ainda que parcialmente. Muitas experiências ainda estão em estágio de testes, como no Maranhão e no Rio Grande do Norte, onde, respectivamente, apenas 3% e 5% das unidades da Polícia Civil estão incluídas.

Dois módulos são apresentados como vitrines do programa. Um é o Sinesp Cidadão, aplicativo de consulta que qualquer pessoa pode baixar e fazer checagens sobre a situação de veículos, mandados de prisão e pessoas desaparecidas. O outro já existia. É o Infoseg, que ganhou um prenome. O Sinesp Infoseg, aberto a profissionais de segurança que tenham senha de acesso, é um espaço virtual que reúne diversas bases de dados, como o Banco de Mandados de Prisão e o Sistema Nacional de Armas, além da base de dados da Receita Federal e do Denatran.

Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entidade que se tornou a fonte mais detalhada sobre índices criminais no Brasil, Renato Sérgio de Lima afirma que o Sinesp não saiu do papel por falhas anteriores ao desenvolvimento dos programas. A parte tecnológica, segundo ele, é a mais simples de ser feita. O problema é a implantação:

— Não houve pactuação metodológica com parâmetros claros de como classificar os delitos, e cada um faz do jeito que quer. Nem houve pactuação política, uma vez que nenhum estado é obrigado a alimentar o sistema.

A lei que criou o Sinesp prevê até mesmo que os estados ficarão sem receber recursos federais para o combate à violência se não alimentarem o sistema. Mas, com a pressão cada vez maior dos governadores por socorro na área da segurança, a exigência não pegou. Essa obrigação está repetida no projeto de lei que cria o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), previsto para ser votado semana que vem na Câmara.

Outra crítica comum ao sistema é que ele se transformou num “monstrengo cheio de braços”. São oito módulos com diferentes finalidades, como ambiente virtual para monitorar gabinetes de gestão integrada.

— O Sinesp não é uma fábrica de programas para serem disponibilizados. É conseguir, em primeiro lugar, ter estatísticas e informações dos estados — critica a advogada Isabel Figueiredo, consultora na área de segurança.

RESISTÊNCIA HISTÓRICA À INTEGRAÇÃO

Com a experiência de quem participou da equipe que começou a desenvolver o Sinesp e depois teve que lidar com o sistema como secretária adjunta de Segurança Pública do Distrito Federal, Isabel aponta um certo atropelo na elaboração do banco de informações:

— Não há problema em termos um sistema para fazer inquéritos, outro para cadastrar comunidades terapêuticas e daqui a alguns anos dispor de tudo isso informatizado. Mas penso que talvez fosse mais adequado conseguir, num primeiro momento, ter os dados de crimes por meio dos boletins eletrônicos.

Ex-diretor da Secretaria Nacional de Segurança Pública e ex-investigador da Polícia Civil, o pesquisador e consultor Guaracy Mingardi aponta a resistência histórica das instituições da área em abrir seus dados como mais um obstáculo na implantação de uma base única de informações.

— É a regra no Brasil: polícias civil e militar não conversam. O problema se repete até denca, tro de cada instituição. O máximo que acontece hoje é a informação ser mais ou menos compartilhada apenas dentro do departamento — diz.

O diretor do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, afirma que o governo não comprou a briga para vencer a resistência dos estados em se integrar.

— Essa tragédia no Brasil de 60 mil mortes por ano está ligada ao fato de não termos produção sistemática de informação na segurança pública — diz Langeani. — O Sinesp, que iria suprir essa lacuna, já recebeu um investimento alto, mas falta clareza sobre o estágio de implantação, quais instituições estão usando, onde, de que maneira.

Questionado, o Ministério da Segurança Públique agora herda o sistema de informações da pasta da Justiça, afirmou que houve aportes adicionais de verba no ano passado, mas não especificou o motivo da queda nos investimentos.

Sobre a lentidão nas ações para implementar o sistema criado há quase seis anos, o órgão destacou que é preciso considerar “questões orçamentárias, complexidade do projeto, evolução e maturidade do sistema”. E ressaltou que a “integração depende de anuência e articulação com os entes federados”.