O globo, n. 30897, 11/03/2018. País, p. 3

 

Os bons companheiros de Jair Bolsonaro

Igor Mello

11/03/2018

 

 

Pré-candidato ao Planalto, deputado tem em seu entorno aliados enrolados com a Justiça

 

Filiado ao PSL na quarta-feira passada, o deputado federal Jair Bolsonaro (RJ), précandidato à Presidência, diz ter a receita para mudar o país. Em seu discurso, ele garantiu que basta ter “não só o presidente, mas muitos parlamentares que sejam honestos”. Em sua própria tropa, porém, o capitão da reserva do Exército tem colegas enrolados com a Justiça.

Entre os apoiadores da candidatura presidencial de Bolsonaro, há diversos casos de políticos que são ou foram alvos de processos. Parte das ações acabou prescrevendo por conta da demora na tramitação nos tribunais. O próprio Bolsonaro fez menção indireta a isso durante seu discurso no ato de filiação. Segundo ele, vários de seus aliados “deram suas caneladas, como o Julian Lemos aqui, e são pessoas que somam o nosso exército".

Presidente do PSL na Paraíba e principal articulador do clã Bolsonaro no Nordeste, Julian foi condenado em primeira instância, em 2011, a um ano de prisão em regime aberto por estelionato. Ele se envolveu no uso de uma certidão falsa pela empresa GAT Segurança e Vigilância — da qual era sócio — na assinatura de um contrato para prestação de serviços à Secretaria de Educação e Cultura da Paraíba, em 2004. A demora no julgamento, porém, fez com que o processo prescrevesse antes da decisão em segunda instância. Julian nega participação no ocorrido, dizendo que era apenas gerente da empresa — vínculo estabelecido, segundo ele, depois que a licitação já havia sido vencida.

— A Justiça preguiçosa e injusta simplesmente me acusou sem provas — alega o militante, que deve concorrer a uma vaga como deputado federal. — Sou ficha-limpa. Se eu cometesse um crime agora, seria réu primário.

Essa não é a única “canelada” de Julian. O presidente do PSL-PB foi alvo de três acusações de violência doméstica entre 2013 e 2016. Duas delas foram arquivadas depois de sua ex-mulher, Ravena Coura, dizer que havia extrapolado os fatos em suas denúncias. A terceira, movida pela irmã dele, Kamila Lemos, ainda está em curso. Mas Julian afirma que também terá o mesmo fim.

— Só está em curso porque ela mora no exterior, mas ela já peticionou à Justiça (negando os fatos) — garante, antes de afirmar: — A Lei Maria da Penha no Brasil é um instrumento tanto de defesa da mulher quanto de vingança.

Outro político ligado a Bolsonaro que escapou da Justiça por conta da demora é o presidente do PSL, deputado federal Luciano Bivar (PE). Articulador da ida do clã Bolsonaro para a legenda, Bivar se envolveu em polêmicas ao longo da carreira política. Ele foi réu por associação criminosa e violação de sigilo telefônico ao lado de outras 15 pessoas investigadas na Operação Vassourinhas, de 2002. Na ocasião, as investigações mostraram que funcionários da prefeitura de Jaboatão dos Guararapes usavam a estrutura da Polícia Federal para praticar diversos crimes, como ações policiais paralelas e interceptações telefônicas clandestinas. Um aliado de Bivar foi apontado com um dos líderes do esquema. Apenas em 2016 — 14 anos depois dos fatos —, a Justiça considerou prescritos os crimes. Dirigente do Sport Recife, Bivar também confessou ter pago uma comissão a um agente de jogadores para emplacar a convocação do volante Leomar, então atleta do clube, à seleção brasileira, em 2001.

O caso não teve repercussão judicial. Procurada, a assessoria do deputado afirmou que não conseguiu contato com ele.

Secretário-geral do PSL e coordenador da campanha presidencial de Bolsonaro, o deputado paranaense Delegado Francischini é alvo de uma petição no Supremo Tribunal Federal, onde a Procuradoria-Geral da República pede a apuração de uma denúncia sobre uma suposta funcionária fantasma no gabinete dele. Segundo a denúncia, Aline Fernanda Pereira Kfouri — que ocupou o cargo entre 2015 e 2017 — doaria parte de seu salário como caixa 2 para o Solidariedade do Paraná, presidido pelo deputado. Francischini nega as acusações.

— O caso foi arquivado na Justiça Eleitoral do Paraná, e peticionarei ao STF comunicando isso — diz. — A moça citada foi minha chefe de gabinete na Secretaria de Segurança do Paraná e na Câmara. Todos a conhecem.

APOIOS CONTROVERSOS

Não são apenas membros do PSL que foram alvos de acusações. Parlamentares que não migraram para o partido, mas fazem parte da tropa de choque de Bolsonaro, também enfrentam denúncias. Um deles é Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), que chegou a negociar sua filiação ao novo partido de Bolsonaro. Ex-secretário de Saúde Pública de Campo Grande, ele é alvo de inquérito no STF por fraude em licitação, tráfico de influência e falsidade documental por conta de uma contratação para a pasta. Já o Delegado Éder Mauro (PSD-PA) foi réu no STF em processos por tortura e ameaça. Foi absolvido no primeiro, enquanto o segundo prescreveu. Os dois foram procurados, mas não responderam aos questionamentos.

Os partidos que abrigaram Bolsonaro também acumulam problemas. O PP, onde esteve em boa parte de seus 27 anos de Congresso, é um dos que tiveram mais políticos atingidos pela Lava-Jato. O PSC, sua última sigla, também teve denúncias de caixa 2. A reportagem tentou contato com Bolsonaro, mas não obteve retorno.

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Slogan complica possível plano B do PT

Sérgio Roxo

11/03/2018

 

 

Defender o mote ‘eleição sem Lula é fraude’ divide filiados e militantes e vira problema com risco de o ex-presidente ser impedido de disputar o pleito

Com a possibilidade cada vez mais real de o PT ser obrigado a aderir a um plano B na eleição presidencial deste ano, o partido começa a discutir internamente o que fazer com o slogan “eleição sem Lula é fraude”, adotado no ano passado, depois da condenação do ex-presidente pelo juiz Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá.

A palavra de ordem só faria sentido se a sigla decidisse, na hipótese de a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser enquadrada na Lei da Ficha Limpa, boicotar a disputa eleitoral ao Palácio do Planalto. Apesar de a ideia continuar a ter adeptos na legenda, ela é encampada hoje apenas por um grupo minoritário. O próprio ex-presidente disse, em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, no dia 1º de março, ser contra “boicotar as eleições”.

Uma liderança petista defende que o caminho correto seria amenizar o tom do discurso e deixar de usar o slogan desde já. A preocupação é que o eleitor fique confuso em aderir a um plano B petista com o partido desqualificando o pleito. Os cotados para assumir a cabeça da chapa se Lula tiver a candidatura cassada são o exprefeito de São Paulo Fernando Haddad e o ex-governador da Bahia Jaques Wagner.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, foi questionada pelo GLOBO se a legenda orientará seus dirigentes e aliados a deixarem de lado a palavra de ordem, mas não respondeu. Como discussões públicas sobre o plano B petista estão proibidas, os debates sobre o que fazer com a palavra de ordem ainda estão restritos aos bastidores.

GLEISI X LINDBERGH

No último grande ato público petista, realizado no dia 22 de fevereiro, em São Paulo, para comemorar os 38 anos do partido, Gleisi evitou o slogan em seu discurso. Na ânsia de defender Lula das condenações judiciais, a palavra de ordem já chegou a ser destacada em uma resolução do PT, em setembro do ano passado. Em dezembro, foi lançado um manifesto com esse tema para colher assinaturas no Brasil e no exterior.

Mas, apesar de ter sido evitado por Gleisi, o slogan não ficou totalmente de fora do ato de aniversário do PT. O líder da legenda no Senado, Lindbergh Farias (RJ), o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, e Raimundo Bonfim, da Central de Movimentos Populares, tentaram inflar a militância ao destacarem em suas falas: “Eleição sem Lula é fraude”.

— Como dirigente do movimento popular, acho que o mote “eleição sem Lula é fraude” tem que ser para valer. Tem que ir até as últimas consequências — afirmou Bonfim, que também faz parte da Frente Brasil Popular e costuma discursar em eventos organizados pelo PT.

Na avaliação de Bonfim, o partido, se Lula for impedido de concorrer, deve “denunciar o processo eleitoral fraudado”.

— E não disputar a Presidência — acrescentou.