Título: Países reconhecem a oposição
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 02/04/2012, O mundo, p. 12
Potências ocidentais e nações do Golfo Pérsico reunidas em Istambul admitem o Conselho Nacional Sírio como interlocutor e criam fundo multimilionário para pagar salários aos rebeldes. EUA confirmam ajuda aos dissidentes
A comunidade internacional deu ontem um importante passo para acelerar a queda do ditador Bashar Al-Assad. Reunidos em Istambul, os representantes de 83 países do grupo Amigos do Povo Sírio reconheceram o Conselho Nacional Sírio (CNS) como interlocutor da oposição e anunciaram a criação de um fundo de US$ 100 milhões para pagar o salário de integrantes do Exército Livre Sírio — formado por desertores das forças do governo. Também avalizaram o plano de paz proposto pelo ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan. O Brasil participou como observador. Em tese, as 27 resoluções aprovadas durante a conferência (veja quadro) fortalecem o compromisso das potências ocidentais e do Golfo Pérsico com a transição na Síria.
"Nossa mensagem precisa ser clara para aqueles que dão ordens e aqueles que as executam: Parem de matar seus cidadãos ou enfrentarão sérias consequências", avisou a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, durante o encontro, marcado pelas ausências de China, Rússia e Irã. "Não podemos sentar e esperar por mais tempo", acrescentou Hillary. Pela primeira vez, a chefe de diplomacia dos EUA admitiu que seu país forneceu equipamentos de comunicação via satélite para os dissidentes.
"Está indicado no comunicado final que o CNS é o principal interlocutor e é sob sua direção que pedimos ao conjunto das forças da oposição para que se reúna", disse o chanceler francês, Alain Juppé. Uma proposta feita pela Arábia Saudita e por países do Golfo de abastecerem os rebeldes com armas foi rejeitada pelos EUA e pela Turquia, por temerem uma guerra civil.
Desobediência Ao fim da conferência, os países participantes divulgaram um comunicado incisivo. "O regime (de Al-Assad) deverá ser julgado por suas ações e não por suas promessas", afirma. O texto "considera legítimas as medidas tomadas pela população para se proteger" e insta as forças do governo a não obedecerem ordens ilegais de alvejar os civis. Ausama Monajed (leia Três perguntas para), integrante do CNS, elogiou a decisão e fez um pedido à comunidade internacional. "Queremos que os Amigos do Povo Sírio permitam que a revolução pacífica se transforme em luta armada", declarou ao Correio, em entrevista por e-mail.
Burhan Ghalioun, secretário-geral do CNS, exortou os líderes mundiais a irem além da retórica e se comprometerem com a oposição. "O regime sírio se beneficia da hesitação da comunidade internacional, apertando o cerco às cidades, desalojando moradores e bombardeando bairros", alertou. Ele disse ser necessário o fortalecimento das forças rebeldes e a criação de "corredores de segurança" — áreas protegidas por tropas internacionais que garantiriam a assistência humanitária à população civil.
Abu Al-Fedaa, 20 anos, morador do bairro de Al-Khaldyyah, espera que o pagamento de salários aos insurgentes do Exército Livre Sírio possa ajudar na fragmentação do regime. "O apoio aos rebeldes é muito bom, pois aumentará as deserções nas fileiras de Al-Assad", comentou, em entrevista por um software de videoconferência. "Os crimes do ditador aumentam a cada dia que passa. Bombardeios com morteiros e tanques. As forças sírias atacaram meu setor pelo 14º dia consecutivo. Qualquer conferência não influenciará a situação, que só piora."
O grupo Amigos do Povo Sírio saudou a missão de Annan e "expressou apoio à aplicação de seu mandato". Segundo a declaração final, os países pediram ao emissário da Liga Árabe e da ONU para que determine uma data-limite para as próximas etapas, que incluem o retorno ao Conselho de Segurança da ONU se as matanças prosseguirem". "Se Al-Assad continuar como está fazendo, nunca implantará o plano de Annan", advertiu Hillary. "É claro que (ele) quer esperar para ver se suprime a oposição. Creio que se equivoca, se é isso que pensa."