O globo, n.30896 , 10/03/2018. PAÍS, p.3

COM A BENÇÃO DE DELFIM

DIMITRIUS DANTAS

 

 

Procuradores acusam ex-ministro de receber propina para estruturar consórcio em Belo Monte

Apontado como beneficiário de R$ 4 milhões em propina, o ex-ministro Delfim Netto foi alvo ontem, ao lado de um sobrinho, da 49ª fase da Lava-Jato. Ele é acusado de ajudar a estruturar um consórcio para atuar na usina de Belo Monte, mesmo que o grupo de empresas não tivesse capacidade para operar o negócio. Segundo investigadores, Delfim tinha como parceiro no esquema José Carlos Bumlai, compadre do ex-presidente Lula. A investigação revela ainda que o ex-ministro Antonio Palocci era o portavoz do governo para a cobrança de vantagens indevidas às empresas responsáveis por obras da usina. O dinheiro arrecadado pelo petista seria entregue justamente a Delfim e Bumlai.

Dentro da operação, policiais federais cumpriram nove mandados de busca e apreensão em São Paulo e no Paraná, como parte de uma operação que investiga o pagamento de propina na construção da usina. Não houve ontem pedido de prisão contra Delfim ou seu sobrinho, Luiz Appolonio Neto.

Segundo o Ministério Público Federal, os R$ 4 milhões recebidos pelo ex-ministro haviam sido destinados a pessoas jurídicas ligadas a ele, por meio de “contratos fictícios de consultoria”. Os investigadores estimam que os repasses ao ex-ministro possam chegar a R$ 15 milhões, mas ainda não foi possível rastrear todos os valores. Delfim já havia admitido ter recebido R$ 240 mil da Odebrecht, uma das empresas com obras em Belo Monte. Na ocasião, disse que o dinheiro era referente a consultorias.

 

DEFESA: DELFIM NÃO COMETEU ILÍCITO

Ontem, a defesa do ex-ministro informou que “o professor Delfim Netto não ocupa cargo público desde 2006 e não cometeu qualquer ilícito e os valores recebidos foram honorários por consultoria prestada”. Os advogados afirmaram que vão se inteirar do processo para dar mais esclarecimentos. Delfim Netto é defendido pelos advogados Ricardo Tosto e Jorge Nemr. Já os advogados de Appolonio Neto divulgaram nota para “refutar veementemente as acusações e esclarecer que sua vida profissional sempre foi pautada pela legalidade".

Parte da propina do esquema de corrupção foi repassada para o PT e o PMDB, de acordo com os investigadores. Delfim Netto era conhecido pelo apelido de “Professor” no sistema Drousys, que controlava o pagamento de propina na Odebrecht. A investigação mirou a atuação do ex-ministro na estruturação do consórcio Norte Energia, vencedor da licitação de Belo Monte em 2010. Para o MPF, há “fortes indícios” de que o grupo de empresas foi “indevidamente favorecido por agentes do governo federal para vencer o leilão” de construção da usina.

Com base em acordos de leniência das construtoras Andrade Gutierrez e Camargo Correa, além da delação de executivos da Odebrecht, os procuradores descobriram que a Norte Energia direcionou o contrato de construção da usina para outro consórcio, que havia perdido o leilão, desde que pagassem 1% do valor do contrato como propina. Segundo a PF, as investigações identificaram “modus operandi semelhante ao já investigado nas demais fases da Lava Jato”, que consiste no pagamento de “vantagens indevidas a agentes públicos e políticos por parte de consórcio de empreiteiras diretamente interessado nos contratos” de Belo Monte.

Parte das investigações sobre o esquema de Belo Monte seguem com a Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília, que apura o envolvimento de autoridades com foro. Em Curitiba são investigados os pagamentos ao PT e ao ex-ministro. Aos 89 anos, Delfim Netto foi ministro da Fazenda durante o regime militar e continuou a exercer influência nos governos civis, de Sarney a Lula, passando por Collor e Fernando Henrique.

De acordo com o procurador Athayde Ribeiro Costa, o governo federal atuou para direcionar a licitação para o consórcio. O grupo de empresas se reuniu graças à atuação do ex-ministro Delfim Netto e do pecuarista José Carlos Bumlai, que já foi investigado na Lava-Jato por outros negócios envolvendo o PT e o ex-presidente Lula. O consórcio venceu a licitação de Belo Monte após as principais empreiteiras, favoritas no certame, desistirem da obra, alegando que os gastos propostos pelo governo estavam abaixo do que a hidrelétrica de fato custaria.

O governo, então, atuou para a formação de outro consórcio, liderado por empresas menores. Segundo o procurador, o consórcio Norte Energia não tinha como tocar a construção de Belo Monte. Posteriormente, o grupo subcontratou as grandes empreiteiras que perderam a licitação, como Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebrecht, para liderarem a obra.

— Segundo a investigação, Delfim Netto, em conjunto com Bumlai, ajudou o governo federal a estruturar o consórcio Norte Energia formado por diversas empresas que não teriam capacidade para o empreendimento. Em virtude dessa ajuda, que constituiu uma fraude, Delfim Netto foi agraciado com o direcionamento das vantagens indevidas que Palocci tinha pedido para o PT e o PMDB — disse Costa.

 

BLOQUEIO MENOR DO QUE O PEDIDO PELO MPF

No despacho em que autorizou a deflagração da operação, o juiz Sergio Moro preferiu manter o bloqueio em R$ 4,4 milhões, apesar do pedido do MPF para que R$ 15 milhões ficassem indisponíveis para o ex-ministro. A Odebrecht foi a responsável pelo pagamento em espécie para Delfim, no escritório de seu sobrinho. A empreiteira registrou o pagamento de R$ 240 mil em um endereço nos Jardins, área nobre de São Paulo, no sistema Drousys, que utilizava para registrar o pagamento de propinas. A senha da entrega foi “Perfume”, segundo a tabela apreendida pela Polícia Federal. Em outras entregas, as senhas foram “Pastel” e “Diamante”. Em 2016, Appolonio admitiu ter recebido os valores a pedido de Delfim, mas disse que não sabia a que se referia.

Em nota, o PT afirmou que “as acusações dos procuradores da Lava-Jato ao PT, na investigação sobre a usina de Belo Monte, não têm o menor fundamento”. Já o MDB destacou, em nota, que “não recebeu propina nem recursos desviados no Consórcio Norte Energia”. O partido disse lamentar “que uma pessoa da importância do ex-deputado Delfim Netto esteja indevidamente citado no processo”. A defesa de José Carlos Bumlai afirmou que o pecuarista “não foi alvo da operação deflagrada justamente porque não teve nenhuma participação em atos ilícitos nela apurados. A defesa de Palocci não se manifestou.

 

OUTRAS OBRAS GIGANTES INVESTIGADAS NA LAVA-JATO

 

ANGRA 3: Projetada há mais de 20 anos, a usina foi retomada em 2009 e paralisada em 2015, após aparecer na Lava-Jato. O ex-presidente da Eletrobras Othon Silva, responsável pela obra, foi condenado a 43 anos de prisão. A usina precisa de pelo menos mais R$ 5 bilhões para ser concluída e deve levar pelo menos mais seis anos

COMPERJ: Composto por duas refinarias, uma unidade de gás e plantas petroquímicas adjacentes, o projeto deu prejuízo de US$ 13 bilhões, gastos considerados irrecuperáveis devido a propinas e superfaturamento. Outros R$ 2 bilhões estão sendo aplicados para terminar apenas a unidade de gás, agora a cargo de uma empresa chinesa

REFINARIA ABREU E LIMA. Alvo de superfaturamento e propinas, tornou-se a refinaria mais cara do mundo. Os desvios encontrados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) chegaram a R$ 2,1 bilhões, quase o mesmo valor do orçamento inicial, estimado no ano de 2005 em R$ 2,3 bilhões. Mesmo que opere durante toda a sua vida útil, dará prejuízo

FERROVIA NORTE-SUL: A Norte-Sul é um projeto de 1987 e a obra começou 20 anos depois. Odebrecht e Camargo Corrêa relataram propinas pagas a políticos. Já a ferrovia de integração Oeste-Leste (Fiol) tem 1.526 km e a construção segue em ritmo lento. A entrega seria em 2014, mas há trechos onde menos de 20% dos trilhos foram colocados