O globo, n. 30895, 09/03/2018. País, p. 7

 

TSE revoga restrição a pesquisas eleitorais

Mateus Coutinho e Adriana Mendes

09/03/2018

 

 

Resolução impedia perguntas sem ligação com o pleito; Fux admitiu que medida gerou ‘incerteza jurídica’

-BRASÍLIA- O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revogou ontem trecho da resolução que restringia temas que poderiam ser abordados em pesquisas eleitorais. A decisão foi anunciada pelo presidente da Corte, ministro Luiz Fux, apenas três dias após a resolução ser publicada. O próprio ministro admitiu que a medida “acabou gerando incerteza jurídica sobre seu alcance” e afirmou que o tema deve ser mais discutido com associações de imprensa e outros setores.

Fux apresentou o pedido de revogação em sessão administrativa realizada ontem no TSE. Os demais ministros acompanharam, por unanimidade, a sugestão do presidente da Corte. Alvo de críticas de institutos de pesquisa e especialistas na área, a polêmica resolução acrescentava dois parágrafos à resolução 23.549 de 2017 que regulamenta as pesquisas eleitorais neste ano. Um dos parágrafos proibia as perguntas sem ligação com o pleito, e outro parágrafo ameaçava punir os questionários que incluíssem informação considerada “caluniosa, difamatória, injuriosa ou informação sabidamente inverídica, sob pena de suspensão de sua divulgação”.

— Os parágrafos 10 e 11 destoaram dos vetores de atuação da uniformidade do entendimento (das decisões do Tribunal) — disse Fux, lembrando que as decisões judiciais deveriam ser “imunes a contradições”.

— A prioridade do Tribunal é orientar e não desorientar, e pelo que nós podemos observar, aquela regra gerou uma dúvida bastante razoável e uma insegurança sobre como poderiam ou não agir — acrescentou o presidente do TSE.

Com a revogação, continua valendo a resolução do ano passado sem os parágrafos que causaram polêmica.

ENTIDADES DE IMPRENSA REPROVARAM NORMA

Em nota divulgada ontem, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) considerou acertada a decisão do Tribunal Superior Eleitoral de revogar trechos da resolução que restringiam temas que poderiam ser abordados em pesquisas eleitorais. “A Abert concorda com o entendimento do presidente do TSE, ministro Luiz Fux, de que o texto poderia gerar incerteza jurídica sobre seu alcance, sobretudo, no que se refere à ameaça à liberdade de expressão e ao direito do eleitor de ser informado”, diz o texto.

A presidência da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) disse considerar as restrições “um ato de censura prévia, incompatível com a liberdade de expressão assegurada pela Constituição”.

Anteontem, a Abert, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Nacional de Editores de Revista (Aner) divulgaram nota afirmando que a decisão limitava a “liberdade de expressão”. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) também pediu a revogação da resolução, “diante do risco que representa à circulação de informações”.

Cientistas políticos e especialistas em marketing eleitoral também haviam criticado o texto da resolução. Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, a resolução do TSE impediria entender como se comporta e o que pensa o eleitor diante de temas considerados essenciais na hora de decisão do voto. Segundo esses especialistas, o texto não era claro e deixava margem para interpretação subjetiva.

A resolução, apontaram cientistas políticos, deixaria de fora de pesquisas eleitorais questionamentos sobre o posicionamento do eleitorado sobre Segurança Pública, aborto, liberação da maconha, Previdência Social, reforma trabalhista e porte de arma. Sondagens sobre o que pensa o eleitor sobre a intervenção militar no Rio de Janeiro, políticos envolvidos em denúncias de corrupção e até mesmo a possível prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também poderiam ser barrados pelos institutos ou mesmo por via judicial, caso algum candidato interpretasse as perguntas como fora do objeto eleitoral.

— A tendência é que as pesquisas divulgadas passem a abordar apenas intenções de votos, e informações importantes que devem ser debatidas para que eleitor decida seu voto fiquem de fora. A resolução do TSE cerceia o trabalho dos institutos de pesquisa e da imprensa — disse, anteontem, Victor Trujillo, professor de marketing e pesquisa eleitoral da ESPM.

Professor de marketing digital e político da Fundação Getulio Vargas (FGV), André Miceli, considerou a regra um “dano” para as campanhas.

— O debate político ficará empobrecido. As pesquisas darão menos elementos para a campanha acontecer e menos informações sobre o posicionamento do público em assuntos fundamentais para a sociedade. É um retrocesso. A campanha passará a se basear em achismos — opinou Miceli.

Fux disse que o TSE irá debater, “num futuro próximo, todas essas manifestações das entidades respeitáveis do setor da pesquisa e da imprensa, quanto a uma eventual violação da liberdade de expressão”.