O globo, n. 30894, 09/03/2018. País, p. 3

 

O 'motelzinho' de Benfica

Juliana castro

08/03/2018

 

 

MP vai examinar gravações para verificar uso irregular de suítes para visitas íntimas na cadeia

O Ministério Público estadual do Rio (MP-RJ) vai se debruçar sobre horas de filmagens da área onde estão seis quartos usados pelos presos da Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, para visitas íntimas. Os promotores querem saber quais foram os internos, e eventualmente os “não presos”, que usaram o “motelzinho” — termo usado pela pessoa que fez a denúncia anônima ao MP e que indicou a localização exata dos cômodos.

Como o jornal “O Dia” publicou ontem, as suítes tinham luz vermelha, TVs, piso de porcelanato e tinham até coração na parede. Embora o uso dos ambientes para a visita íntima de presos não seja ilegal, dois aspectos chamaram a atenção dos promotores: a qualidade do material encontrado nos cômodos e a quantidade de quartos para um número reduzido de detentos. Ao todo, 27 dos 470 presos de Benfica têm autorização da Justiça para o uso dos ambientes, sendo dois deles da Lava-Jato. Os nomes deles não foram divulgados pela Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap). O tempo médio para se conseguir um benefício como esse junto à Vara de Execuções Penais (VEP) é de aproximadamente seis meses.

— Em unidades que têm 2 mil, 1,5 mil presos você tem o número de dez quartos, por exemplo — declarou em entrevista coletiva a promotora Andrea Amin, coordenadora do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp), salientando que a investigação é complexa: — Não estamos limitando nossa atuação à lâmpada vermelha, coração na parede, cama de colchão box ou TV e coisa que o valha. Isso é um ponto, um dado — completou.

INGRESSO DE GAROTAS DE PROGRAMA

É para o presídio em Benfica que estão sendo enviados os presos na Lava-Jato no Rio. Era lá que estava o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) antes de ser transferido para o Paraná, justamente por denúncias de regalias. Estão na unidade três deputados estaduais presos: o presidente afastado da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Jorge Picciani; o ex-presidente da Casa Paulo Melo e o ex-líder do governo na Alerj Edson Albertassi, todos do PMDB.

— O que se quer averiguar é se houve o uso indevido dos quartos por parte de outros detentos que não são autorizados pela Justiça — disse o novo secretário estadual de Administração Penitenciária, David Anthony, que assumiu o cargo no fim de janeiro, depois que o antigo titular da pasta, coronel Erir Ribeiro, foi afastado pela Justiça, justamente por conta das regalias ao grupo de Cabral. — Não podemos descartar que esse parlatório (termo que designa o local usado para as visitas íntimas) foi criado para atender aos outros presos e, eventualmente, poderia estar sendo usado pelos presos da Lava-Jato. Isso, as imagens vão informar para nós.

A existência dos cômodos foi descoberta numa fiscalização em fevereiro. Com a investigação e a análise das imagens, os promotores querem saber se houve improbidade por parte de agentes da cadeia e se houve a entrada de garotas de programa na unidade.

— A questão se tinham prostitutas ou não, as filmagens irão revelar. E tão logo tenhamos a certeza disso, vamos divulgar — afirmou o procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem.

Outro alvo da investigação é a data das obras. O MP quer saber se a existência dos quartos é anterior à reforma e à transferência dos presos da Lava-Jato para o presídio ou não.

— Não queremos saber tão somente quem está usando e em que momento usou esses quartos. Queremos saber em que momento e cirfica esses quartos foram construídos. Então, a investigação se aprofunda nesse sentido. São horas e mais horas de fitas que as nossas estruturas internas de inteligência estão analisando — concluiu Gussem.

APREENSÃO DE DINHEIRO VIVO

Ainda ontem, a Seap fez uma inspeção na cadeia em Benfica e informou que, num primeiro momento, foram encontrados R$ 7,4 mil. O secretário informou que parte do dinheiro foi encontrado em celas de presos da Lava-Jato, mas não especificou o nome. Além disso, foram encontradas roupas de uso não permitido, gêneros alimentícios in natura e um bloco de consulta odontológica com carimbo.

A Seap informou ainda que está sendo providenciada a publicação no Boletim Interno das substituições do diretor, subdiretor e chefe de segurança da Cadeia Pública José Frederico Marques, que serão alvos de investigação.

Também ontem, a TV GLOBO informou que o processo que investiga a suposta agressão ao exgovernador Anthony Garotinho na cadeia de Bencunstâncias teve uma reviravolta. Em janeiro, uma perícia feita pelo MP concluiu que imagens das câmeras da galeria onde Garotinho estava foram manipuladas. Entretanto, novo laudo pedido pela Justiça não confirmou a edição nas imagens. Garotinho diz ter sido agredido quando estava preso.

Os peritos do setor de segurança eletrônica do Tribunal de Justiça compararam as imagens de duas câmeras, a pedido juiz Rafael Estrela, titular da vara de execuções penais do Rio, e apontaram: “não podemos confirmar tecnicamente que houve manipulação na gravação”.

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MP faz devassa nos contratos da Secretaria de Administração Penitenciária

08/03/2018

 

 

Líder do ranking de empresas sem licitação era a Facility, do ‘Rei Arthur’

Além das fiscalizações nos presídios do estado, especialmente na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, o Ministério Público estadual (MP-RJ) está fazendo uma devassa nos contratos da Secretaria estadual de Administração Penitenciária (Seap).

— O que era para ser exceção virou regra. Então, 75% dos contratos são renovados sem licitação ou com compras diretas. São questões graves que não se atém somente a possíveis benefícios ou regalias nas unidades prisionais — afirmou o procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem.

Para se ter uma ideia, em 2015, quase R$ 159 milhões foram empenhados para empresas contratadas com dispensa de licitação. A que liderava o ranking era a Facility Alimentação, que pertence ao empresário Arthur César de Menezes Filho, o Rei Arthur, que teve a prisão preventiva decretada na Lava-Jato, mas está foragido. Em 2017, o valor chegou a R$ 345,8 milhões.

Na lista que o MP obteve, de 2015 ao início de 2018, verifica-se a presença de outras empresas investigadas na Operação Lava-Jato.

A devassa tem contado com o apoio do novo secretário de Administração Penitenciária, David Anthony. Ele assumiu em janeiro, depois que o antigo comandante da pasta, Erir Ribeiro, foi afastado pela Justiça por conta de regalias ao grupo do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB). Anthony foi mantido pelo interventor na Segurança Pública do Rio, general Braga Netto.

— Mudanças estão sendo feitas. É um choque realmente de gestão e contamos com o MP e com o gabinete de intervenção para enfrentar isso porque existem muitos desafios — afirmou o novo secretário.

Anthony informou que tem trocado informações com os promotores sobre os contratos. Na próxima segunda-feira, o secretário e integrantes do MP vão se reunir para tratar novamente do tema.

— Pela sensibilidade, a gente tem que tomar uma medida em caráter de urgência — afirmou o secretário.

Ele salientou que pediu que um delegado da Polícia Federal seja cedido para ser o corregedor da Seap e para integrar o setor de inteligência da pasta.

— Hoje, a unidade está sob intervenção. Estamos fazendo uma verdadeira devassa em todos os processos, em todos os segmentos, inclusive novas inspeções nas celas.

Anthony afirmou que encontrou uma situação de penúria financeira na secretaria e de “muita dificuldade no âmbito administrativo”.

—Na medida que você não tem uma organização, muitas normativas colidentes, do que pode entrar, do que pode ser comercializado pelas cantinas, isso por si só já traz um grande problema. A corrução existe em cima dos nós administrativos. Quanto mais emaranhados e obscuros os processos para o usuário como um todo, mais isso vira um antro de possibilidades de corrupção — afirmou.