Correio braziliense, n. 20046, 09/04/2018. Política, p. 5

 

O caso Lula e o devido processo legal

Fernando Antunes

09/04/2018

 

 

O processo judicial que culminou na prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi marcado por uma série de violações ao devido processo legal. Isso não significa dizer que Lula seja inimputável ou não deva prestar contas como qualquer cidadão para o Poder Judiciário. No entanto, a condução do caso pelo juiz Sérgio Moro em primeira instância foi marcada por irregularidades que podem ser sintetizadas nos seguintes pontos: violação do princípio do juiz natural por um magistrado de jurisdição absoluta, que, por vezes, atuou como se fosse acusador, e que autorizou desde escuta ilegal de advogados de defesa, passando por condução coercitiva desnecessária do réu, até a divulgação ilegal de grampos telefônicos de Lula e seus familiares (art. 9ºe 10º da Lei 9.296/1996).

O julgamento “a jato” de Lula que Moro e o TRF-4 promoveram foi condicionado pelo calendário eleitoral, e muito mais célere comparado a outros processos e recursos nos mesmos tribunais. O aumento unânime de pena do TRF-4 para 12 anos, com intuito de evitar a prescrição, também colocou essa decisão sob suspeição.

O STF prejudicou Lula por uma decisão individual e casuística da ministra Carmen Lúcia sobre a pauta do tribunal na última semana. Ao julgar o HC 152752 do ex-presidente Lula, e não as ADCs 43 e 44, restou polarizado um debate que deveria ser estritamente sobre a extensão da presunção da inocência contida no inciso LVII do art. 5° da CF, e no qual prevaleceu a posição minoritária do colegiado.

O coroamento da parcialidade do juiz Sérgio Moro ocorreu no precoce despacho que ordenou a prisão — antes mesmo de ter sido publicado o acórdão do HC do STF — no qual descreveu os embargos dos embargos como uma “patologia protelatória que deveria ser eliminada do mundo jurídico”. É o Poder Legislativo o único legitimado a suprimir ou incluir recursos no direito brasileiro, e não o Poder Judiciário.

A prisão de Lula, portanto, pareceu um espetáculo para exibir um troféu e saciar a sede de justiçamento de parte da população. Nesse contexto, excluir das eleições de 2018 um candidato com quase 40% das eleições de voto, após julgamentos juridicamente questionáveis, tem um preço alto: um ataque à democracia, que seria simplesmente ‘respeitar as regras do jogo’, e que começou a desmoronar com um ‘impeachment’ sem crime de responsabilidade, que substituiu um recall parlamentar, inexistente no sistema de governo presidencialista.

Estamos presenciando um processo de politização do Judiciário em que uma difusa sede de “combate à corrupção” parece justificar o atropelo de regras processuais mínimas. Como afirmou Dieter Grimm, ex-juiz da Corte Constitucional alemã: “A garantia constitucional de independência judicial protege os juízes da política, mas não protege o sistema constitucional e a sociedade de juízes que, por razões distintas da pressão política direta, estão dispostos a desobedecer ou distorcer a lei".