Valor econômico, v. 17, n. 4417, 09/01/2017. Brasil, p. A3.

 

 

Planalto intervém e debate sobre "regra de ouro" é adiado

Edna Simão, Fábio Pupo, Ribamar Oliveira e Fabio Graner

09/01/2018

 

 

O governo suspendeu a discussão em torno de flexibilização da "regra de ouro" das finanças públicas, dispositivo da Constituição que proíbe emissão de dívida para pagamento de despesas correntes, como salários e aposentadorias. A orientação foi dada pelo presidente Michel Temer ontem durante reunião com os ministros Dyogo Oliveira (Planejamento) e Henrique Meirelles (Fazenda), que resumiu a questão, em entrevista coletiva: "Não é discussão adequada para este momento. Previdência é nossa maior prioridade".

Temer resolveu intervir na polêmica porque estava preocupado com "o barulho" provocado na semana passada pela proposta de suspensão temporária do dispositivo. O temor do presidente era que o calor da discussão, que chegou a irritar o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pudesse contaminar a tramitação da reforma da Previdência, prevista para fevereiro. "Uma briga agora com o Maia enterra de vez a Previdência", disse uma fonte. "A prioridade do governo é essa reforma", acrescentou.

Após a orientação de Temer, Meirelles e Dyogo convocaram uma entrevista coletiva sobre o tema. Além de ressaltarem que a "regra de ouro" só será debatida no momento adequado, destacaram que o dispositivo, assim como o teto de gastos, vai ser cumprido neste ano. O atendimento será possível graças à devolução antecipada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de empréstimo de R$ 130 bilhões ao Tesouro Nacional.

As preocupações sobre a "regra de ouro", no entanto, permanecem em relação a 2019, já que o Planejamento calcula "buraco" de R$ 150 bilhões a R$ 200 bilhões para cumprir a norma no ano que vem. Até agosto, a equipe econômica terá que encaminhar ao Congresso Nacional uma peça orçamentária para o próximo ano com uma solução para o imbróglio. "Existem discussões e preocupações com os anos futuros, mas achamos que não é discussão adequada para este momento", ressaltou Meirelles.

O ministro da Fazenda defendeu que, no momento adequado, haja regras de autoajustamento em caso de rompimento dos limites da "regra de ouro". A proposta é similar ao teto de gasto, que quando estourado aciona medidas como suspensão de concursos e reajustes de salários.

O ministro do Planejamento adiantou que o governo estudará juridicamente a possibilidade de mandar o Orçamento de 2019 com um crédito extraordinário para cumprir a "regra de ouro". Na avaliação dele, a Constituição não seria clara sobre isso e existiria dúvida quanto à legalidade de usar a ressalva durante a elaboração do Orçamento, ou somente durante sua execução.

A dúvida, na verdade, já chegou a ser analisada por estudo técnico elaborado em dezembro pela Consultoria de Orçamentos e Fiscalização Financeira (Conof), da Câmara dos Deputados. Segundo o documento, a Constituição indica que a "regra de ouro" não se aplica somente à execução da despesa. "Conclui-se que a regra de ouro deve ser observada antes desse momento - na elaboração e na aprovação dos orçamentos", afirma o estudo. Por isso, o problema pode continuar nas mãos da equipe econômica neste ano.

Dyogo explicou que o governo buscará o cumprimento ou alteração da regra "de forma responsável". Segundo ele, o processo de ajustamento das contas públicas deve continuar. "Vamos buscar o cumprimento da regra de ouro, ou sua alteração, de uma forma extremamente responsável e coerente com o processo de contenção de despesas e ajustamento das contas públicas, que tem produzido resultados muito importantes de redução de risco-país, de juros e de inflação. Tudo que está acontecendo na economia brasileira é resultado disso e tem que ser continuado", disse ele, completando que a "regra de ouro" não vai ser tratada de imediato. "Ficará para depois."

Os ministros afirmaram que a prioridade, no momento, é aprovar a reforma da Previdência, porque sem ela até mesmo outro dispositivo - o teto de gastos - pode chegar ao ponto de ser rediscutido por dificuldade de cumprimento. Mesmo assim, Meirelles disse que as mudanças na concessão de benefícios previdenciários não garantiria um cumprimento automático da "regra de ouro", porque os efeitos da reforma seriam instalados de forma gradual.

Os ministros procuraram reforçar que o descumprimento da "regra de ouro" está diretamente ligado aos elevados déficits da Previdência, o que só demonstra a urgência na aprovação de mudanças nas regras de concessão de benefícios.

Meirelles ainda foi perguntado sobre as incertezas das contas públicas diante de agências de classificação de risco. Ele afirmou que o governo está "tentando viabilizar o cumprimento de todos os itens" da legislação. "O que estamos discutindo é agora uma atualização no sentido de garantir a sustentabilidade fiscal."