O globo, n. 30908, 22/03/2018. País, p. 3

 

A útilma tentativa

André de Souza e Jailton de Carvalho 

22/02/2018

 

 

Plenário do STF analisa hoje pedido

-BRASÍLIA- Faltando menos de uma semana para o encerramento do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em segunda instância, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) analisa hoje o último pedido da defesa do petista para impedir que ele seja preso por ordem do juiz Sergio Moro. O habeas corpus preventivo entrou em pauta após uma série de ministros pedirem à presidente da Corte, Carmén Lúcia, que levasse o pedido ao plenário. Lula foi condenado pelo TRF-4 a 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá.

A jurisprudência do STF permite prisões após sentenças de segunda instância, considerando as particularidades de cada processo. O julgamento do pedido da defesa de habeas corpus de Lula para evitar ordem de prisão de Lula não terá o poder de modificar o atual entendimento da Corte sobre as prisões após condenação em segunda instância. Ministros do STF contrários à tese, como Marco Aurélio e Celso de Mello, defendiam que, antes da análise do habeas corpus de Lula, o plenário avaliasse duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) que tratam do tema de forma ampla. Cármen, no entanto, afirma que não há razão para este julgamento, que a jurisprudência é recente e descartou pautar estes processos.

Nessas duas ADCs, o STF negou, por seis votos a cinco, em outubro de 2016, liminares que permitiriam o cumprimento da pena somente após o trânsito em julgado. Com isso, ficou definido que seria permitida a prisão antes do julgamento dos recursos levados aos tribunais superiores, conforme decisão já tomada em fevereiro daquele ano num caso específico.

Mas foram decisões provisórias, diz o ministro Marco Aurélio. Assim, não se trata de revisar o assunto, mas de julgar um processo pendente. Em dezembro de 2017, ele liberou as ações para julgamento no plenário, mas a presidente da Corte já avisou que não pautará.

Ainda assim, a decisão desta tarde pode indicar uma mudança de entendimento do STF sobre o tema. Desde 2016, a orientação é prender após condenação em segunda instância. Seis dos 11 ministros da atual composição, porém, já se posicionaram de modo diverso — a execução da pena somente após esgotados todos os recursos (o chamado trânsito em julgado) ou depois da análise do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

ATENÇÕES PARA ROSA E MORAES

As atenções estão voltadas especialmente para os votos dos ministros Rosa Weber e Alexandre de Moraes. Rosa votou há dois anos pelo cumprimento somente após o trânsito em julgado, mas sinalizou que pode rever sua posição. O segundo, embora tenha um posicionamento histórico em defesa do cumprimento de sentença após segunda instância, ingressou no tribunal ano passado e não participou das discussões de 2016.

Por se tratar de um caso concreto, no entanto, os posicionamentos podem ser diferentes do que seriam em uma discussão ampla sobre a tese.

No caso da maioria dos ministros acabarem garantindo a Lula o direito a recorrer em liberdade, isso indicaria uma nova tendência na Corte. Assim, juízes e tribunais de todo o Brasil também poderiam interpretar como um sinal para deixar de seguir a determinação atual, mesmo com as decisões tomadas em 2016 ainda em vigência e vinculando as instâncias inferiores. Em decisões individuais de habeas corpus, até mesmo ministros do STF, como Gilmar Mendes, divergiram da jurisprudência e garantiram a liberdade dos réus.

No TRF-4, onde Lula é julgado, uma súmula do tribunal respalda a prisão após sentença de segunda instância. Essa súmula foi utilizada, por exemplo, para que o ex-executivo da Engevix Gerson Almada tivesse a ordem de prisão executada, embora tenha apelação ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) com julgamento pendente.

Ontem, questionado se a decisão no caso Lula abriria um precedente para mudança de entendimento, o ministro Celso de Mello, o mais antigo integrante do STF, respondeu:

— É possível. Na verdade, enquanto não se concluir o julgamento das duas ações declaratórias, essa matéria não estará sendo definitivamente apreciada pelo Supremo Tribunal federal. Não nos esqueçamos de que, há pouco tempo, o Supremo apenas apreciou uma medida liminar. Agora, não, agora é o julgamento final, que deve ocorrer uma vez pautadas as duas ações declaratórias de constitucionalidade pela ministra presidente.

O HISTÓRICO DE CADA MINISTRO

 

EDSON FACHIN.

Votou pela possibilidade de prisão após condenação em segunda instância em três ocasiões. A primeira, em fevereiro de 2016, no julgamento de um habeas corpus. A segunda em outubro de 2016, ao analisar liminares de duas ações que discutiam o tema de forma genérica, quando o STF fixou jurisprudência. A terceira, em novembro de 2016

ALEXANDRE DE MORAES.

Entrou no STF em 2017, depois dos julgamentos de 2016 que trataram do tema. Em fevereiro deste ano, ao analisar um habeas corpus, votou pela execução da pena após a condenação em segunda instância

LUÍS ROBERTO BARROSO.

Votou pela possibilidade de prisão após condenação em segunda instância em três oportunidades. A primeira foi em fevereiro de 2016, no julgamento de um habeas corpus. A segunda em outubro de 2016, na fixação da jurisprudência. A terceira foi em novembro de 2016

ROSA WEBER.

Votou contra a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância em duas oportunidades. A primeira, em fevereiro de 2016, no julgamento de um habeas corpus. A segunda, em outubro de 2016, quando STF fixou jurisprudência. Ela não participou de um terceiro julgamento em 2016

LUIZ FUX.

Votou pela possibilidade de prisão após condenação em segunda instância em três oportunidades. A primeira foi em fevereiro de 2016, no julgamento de um habeas corpus. A segunda, em outubro de 2016, quando STF fixou jurisprudência. A terceira em novembro de 2016

DIAS TOFFOLI.

Em fevereiro de 2016, votou pela prisão de um condenado em segunda instância, no julgamento de um habeas corpus. Em outubro de 2016, mudou de entendimento: prisão somente após análise do STJ, que funcionaria como uma terceira instância, mas saiu derrotado. Em novembro de 2016, foi vencido novamente

RICARDO LEWANDOWSKI.

Votou contra a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância em três oportunidades. A primeira foi em fevereiro de 2016, no julgamento de um habeas corpus. A segunda foi em outubro de 2016, quando STF fixou jurisprudência. A terceira foi em novembro de 2016

GILMAR MENDES.

Votou pela prisão após condenação em segunda instância em três ocasiões. A primeira, em fevereiro de 2016, no julgamento de um habeas corpus. A segunda, em outubro de 2016. A terceira, em novembro de 2016. Em maio de 2017, porém, anunciou mudança de entendimento: o melhor é esperar por decisão do STJ

MARCO AURÉLIO MELLO.

Votou contra a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância por três vezes. A primeira foi em fevereiro de 2016, no julgamento de um habeas corpus. A segunda em outubro de 2016, quando STF fixou jurisprudência. A terceira, em novembro de 2016

CELSO DE MELLO.

Votou contra a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância em três oportunidades. A primeira foi em fevereiro de 2016, no julgamento de um habeas corpus. A segunda, em outubro de 2016, ao analisar liminares de duas ações que discutiam o tema de forma genérica. A terceira, em novembro de 2016

CÁRMEN LÚCIA.

Votou pela possibilidade de prisão após condenação em segunda instância em três oportunidades. A primeira foi em fevereiro de 2016, no julgamento de um habeas corpus. A segunda em outubro de 2016, quando STF fixou jurisprudência. E a terceira vez em novembro de 2016

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Equilíbrio, em nome da Rosa

Jaquim Falcão

22/03/2018

 

 

A possibilidade de o Supremo encontrar o rumo que a democracia precisa está dentro dele próprio. Todos os votos contam no julgamento do habeas corpus de Lula. Mas, em condições normais de temperatura e pressão, voto decisivo será o da ministra Rosa Weber.

Ela tem sido o equilíbrio institucional do STF. E esse equilíbrio começa com seu comportamento como ministra. Desde que assumiu, Rosa não fala fora dos autos, respeitando o que manda a lei.

Nunca foi envolvida em nenhum caso e não mantém contatos inadequados com as partes. Seja de manhã, de tarde ou de noite. Dias de semana ou feriados. Nem com autoridades dos demais Poderes. Nas sessões televisionadas para milhões de brasileiros, não pretende mostrar erudição.

Esse comportamento tem se refletido também em seus votos, julgados a partir de um parâmetro básico.

Se o Supremo decidiu da maneira A, ela aplica a decisão A. Mesmo que prefira a decisão B.

Assim preserva a autoridade do plenário e do Supremo, como instituição republicana, acima da luta partidária ou de interesses pessoais das partes.

O que esse comportamento da ministra, de fortalecimento institucional da Corte, tem a ver com o julgamento de Lula?

Simples. A jurisprudência dominante diz que é válida prisão em segunda instância. Donde habeas corpus, de Lula ou qualquer outro, não é a via legal para mudar jurisprudência. Mas apenas para aplicá-la.

Para mudar a via, a estrada é outra. É a ação declaratória de constitucionalidade. Que não está em pauta.

Mas agora, diante do anúncio de que o TRF-4 vai proferir sua decisão dia 26, a defesa de Lula não tem opção. A estratégia é tudo ou nada. Vai se tentar mudar a jurisprudência pela via errada?

Se assim for, a questão é: o Supremo vai respeitar ou não os caminhos que o Legislativo, a Constituição, o Código de Processo e o regulamento, que ele próprio estabeleceu para si, determinam? O que acontece quando o STF for contra a lei? Supremo de atalhos processuais?

O STF precisa voltar ao equilíbrio que Rosa Weber tem simbolizado. (...)

A propósito: o ministro Luís Roberto Barroso teve que agir ontem em legítima defesa da honra do Supremo.