O globo, n. 30908, 22/03/2018. País, p. 5

 

Gilmar e Barroso voltam a discutir no plenário do STF

Jailton de Carvalho, André de Souza e Daniel Gullino

22/03/2018

 

 

Ministros trocam acusações pesadas, e Cármen Lúcia chega a interromper sessão

-BRASÍLIA- Em nova discussão no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), cujo tom superou os embates anteriores, os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso trocaram acusações pesadas, o que levou a presidente da Corte, Cármen Lúcia, a interromper temporariamente a sessão. Em um dos momentos mais agudos dos duelos verbais, Barroso disse que Gilmar tem traços de psicopatia.

A discussão entre os ministros teve como pano de fundo as divergências que mantêm em várias questões, entre elas a proibição de doações de empresas a campanhas eleitorais.

ESPERTEZA X PSICOPATIA

A temperatura aumentou quando Gilmar, para ilustrar o que chamou de “ativismo político” e “inconsistência jurídica”, mencionou a proibição de doações eleitorais por parte de empresas e uma decisão da Primeira Turma do STF favorável ao aborto, duas votações em que Barroso teve papel central.

— Claro que continua a haver graves problemas... É preciso que a gente denuncie isso! Que a gente anteveja esse tipo de manobra. Porque não se pode fazer isso com o Supremo Tribunal Federal: “Ah, agora eu vou dar uma de esperto e vou conseguir a decisão do aborto, de preferência na turma com três ministros. E aí a gente faz um 2 a 1” — disse Gilmar.

Barroso, que até esse momento se mantinha calado, interrompeu a fala do colega:

— Me deixa de fora do seu mau sentimento. Você é uma pessoa horrível. Uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia. Isso não tem nada a ver com o que está sendo julgado. É um absurdo Vossa Excelência aqui fazer um comício, cheio de ofensas, grosserias. Vossa Excelência não consegue articular um argumento, fica procurando, já ofendeu a presidente, já ofendeu o ministro Fux, agora chegou a mim. A vida para Vossa Excelência é ofender as pessoas.

Surpreso com o contra-ataque, Gilmar tentou retrucar, mas Barroso despejou mais críticas sobre o ministro.

— Vossa Excelência, sozinho, envergonha o tribunal. É muito ruim. É muito penoso para todos nós ter que conviver com Vossa Excelência aqui. Não tem ideia, não tem patriotismo, está sempre atrás de algum interesse que não é o da Justiça. É uma coisa horrorosa, uma vergonha, um constrangimento. É muito feio isso — disse.

No fogo cruzado, Cármen Lúcia anunciou a suspensão temporária da tensão, mas Gilmar insistiu em dar o troco. Disse que estava com a palavra e rebateu Barroso.

— Eu vou recomendar ao ministro Barroso que fecha o seu escritório. Feche o seu escritório de advocacia — disse Gilmar antes de ter o microfone desligado.

A referência feita por Gilmar é ao fato de Barroso ter atuado em um escritório de advocacia antes de integrar o Supremo. Barroso reitera que jamais atuou em qualquer processo patrocinado por seu antigo escritório.

Antes da discussão com Barroso, Gilmar já tinha criticado Cármen Lúcia pela resistência dela em incluir na pauta duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) que podem levar a Corte a uma revisão das prisões em segunda instância.

COBRANÇAS A CÁRMEN LÚCIA

Um dos embates começou quando Gilmar cobrou de Cármen Lúcia a inclusão na pauta das ADCs 43 e 44 e de habeas corpus que tratam do tema e que estariam prontos para serem apreciados pelo plenário. Para ele, não haveria motivos para a não votação das ADCs e dos habeas corpus. Nos últimos dias, a presidente do STF disse que, se dependesse dela, estes casos não seriam incluídos na pauta.

— Se fala muito que o moralismo é o túmulo da moral. É preciso que a pauta seja definida com transparência. Aqui ninguém é mais esperto que ninguém — bradou Gilmar.

— Aqui ninguém é esperto. É uma questão de atribuição — respondeu Cármen Lúcia, que, como presidente, tem a atribuição de pautar as ações.

A ministra disse ainda que reconhece que habeas corpus tem prioridade. Mas, como vinha declarando publicamente nos últimos dias, caberia aos relatores desses habeas corpus pedirem a inclusão deles na pauta.

O ministro Marco Aurélio, favorável à revisão das prisões em segundo instância, se alinhou com Gilmar e também cobrou da presidente transparência na elaboração da pauta.

— Precisamos voltar a uma prática antiga. Em primeiro lugar, reconhecer a figura do relator. E em segundo lugar, os vogais. Votar como vogais e não como revisores — disse Marco Aurélio.

Nos momentos finais da segunda parte da sessão, Gilmar pediu desculpas a Cármen Lúcia. Mas voltou a destilar ironias a Barroso. Não houve, porém, mais enfrentamentos diretos.