O globo, n. 30907, 21/03/2018. Rio, p. 9

 

Câmara municipal é foco de investigação

Antônio Werneck e Geraldo Ribeiro 

21/03/2018

 

 

Policiais voltam pela terceira vez à Casa para recolher imagens do circuito de segurança, e ouvem funcionários

A Divisão de Homicídios da Polícia Civil, responsável pela investigação da morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, passou a dar uma atenção especial a registros de movimentação na Câmara Municipal. Tentando buscar pistas dos criminosos, agentes voltaram ontem à sede do Legislativo da cidade para recolher mais imagens de câmeras de segurança instaladas no interior e na área externa da Casa. Foi a terceira vez que policiais estiveram no local. Segundo funcionários, eles pegaram um grande volume de gravações feitas no dia do crime e nas semanas que o antecederam. Além disso, conversaram com vigilantes.

No sétimo mandato como vereador, o presidente da Câmara, Jorge Felippe (PMDB), garantiu que “toda contribuição possível para o rápido esclarecimento do crime está sendo prestada pela Casa à polícia do Rio”:

— Tudo que está ao nosso alcance vem sendo feito. Não conseguimos qualquer motivo para essa crime bárbaro, que nos causou indignação e surpresa. Marielle tinha um bom relacionamento com seus pares, e era querida por todos na Câmara.

Investigadores estão checando os últimos passos da vereadora, e analisam todos os projetos que ela apresentou. Além disso, verificam demissões da Câmara. Na última quarta-feira, dia do crime, o Diário Oficial da Casa publicou a exoneração de quatro funcionários do gabinete de Marielle. No mesmo ato, ela realocou outros, com mudanças em cargos comissionados.

Tarcísio Motta e Paulo Pinheiro, colegas de Marielle na bancada do PSOL na Câmara, descartam qualquer relação do assassinato com a movimentação no gabinete da vereadora.

— As movimentações foram uma exigência legal, aconteceram depois de uma decisão judicial que atingiu todos os vereadores, obrigando-os a reduzir cargos comissionados — afirmou Tarcísio.

Pinheiro lembrou que o crime deixou todos os vereadores do Rio preocupados.

— Atiraram na Marielle e atingiram a democracia — disse ele.

DUAS LINHAS PRINCIPAIS

Uma fonte que acompanha o trabalho da Polícia Civil destacou que a aposta é maior em duas linhas de investigação: o crime pode ter sido praticado por milicianos ou motivado por uma denúncia feita por Marielle. Quatro dias antes de ser morta, ela acusou policiais do 41º BPM (Irajá) de praticarem abusos na Favela de Acari. No entanto, não citou nomes nem detalhes sobre essas supostas ações de equipes do batalhão. E, quando ainda não era vereadora, ela participou da equipe do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) que investigou atividades de paramilitares em várias regiões do estado.

Ontem, Freixo reafirmou que nunca tomou conhecimento de ameaças a Marielle. O deputado esteve na sede da Divisão de Homicídios, na Barra, acompanhando os depoimentos de duas pessoas que eram ligadas à vereadora.

— Marielle foi fruto de uma vingança que chegou sem ameaça. Uma vingança brutal e inaceitável, uma interrupção da democracia. Só que não sabiam quem era Marielle, e o mundo está dando uma resposta — disse Freixo.

O deputado destacou que acredita na elucidação do crime e disse que tem apoiado parentes e amigos da vereadora, além de colaborar com as informações que a polícia tem solicitado:

— Nossa ansiedade é muito grande. O assassinato de Marielle é um crime contra a democracia, a gente não tem a menor dúvida disso. Então, esse caso tem que ser esclarecido. Isso não significa que a vida dela valha mais que a de qualquer pessoa, mas é um caso que pode estar colocando várias outras pessoas em risco. E quando afronta a democracia, o estado tem que responder. A investigação está sendo feita. A gente não vai achar que o caso vai ser resolvido no tempo da nossa angústia.

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CNJ apura conduta de magistrada na internet

Rayanderson ​Guerra 

21/03/2018

 

 

Desembargadora do Rio afirmou que vereadora era ‘engajada com bandidos’

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu ontem um processo para investigar as acusações contra Marielle Franco feitas pela desembargadora Marília Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio, em um comentário publicado no Facebook. Ela afirmou que a vereadora “estava engajada com bandidos” e que foi eleita com o apoio do tráfico. Além disso, escreveu que o comportamento da vítima “foi determinante para o seu trágico fim”. “Qualquer outra coisa diversa é mimimi da esquerda tentando agregar valor a um cadáver tão comum quanto qualquer outro”, concluiu.

A investigação do CNJ foi determinada pelo ministro João Otávio de Noronha, corregedor nacional de Justiça. O conselho recebeu do PSOL e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia pedidos de abertura de um processo disciplinar contra Marília. Ontem, o TJ do Rio informou, em nota, que não iria se manifestar sobre “a declaração pessoal da desembargadora”. O gabinete da magistrada também avisou que ela não falaria.

Após a grande repercussão de seu comentário sobre Marielle, a desembargadora divulgou um comunicado no qual afirmou que “deveria ter esperado o fim das investigações policiais antes de opinar na condição de cidadã”. “No afã de defender as instituições policiais, ao meu ver injustamente atacadas, repassei de forma precipitada, notícias que circulavam nas redes sociais”, argumentou, sem pedir desculpas.

Marília ainda é alvo de críticas por outras postagens atribuídas a ela em seu perfil no Facebook: ela teria questionado a capacidade de uma professora com síndrome de Down e afirmado que a Lei Maria da Penha é “covardemente usada contra homens”.