O globo, n. 30903, 17/03/2018. País, p. 3

 

Lava-jato vai fgocar ações em São Paulo

Taís Seibt

17/03/2018

 

 

Em balanço de quatro anos da operação, procuradores dizem que estado está no alvo

Depois de quatro anos, a Lava Jato pretende fortalecer investigações de crimes cometidos em São Paulo. Empresas, obras e políticos do cenário paulista, delatados ao longo da operação, estarão no foco da força-tarefa, que deve auxiliar o trabalho que já vem sendo realizado pelo Ministério Público Federal paulista desde que parte das colaborações firmadas com a Procuradoria-Geral da República (PGR) foi desmembrada para aquele estado.

Pelo menos duas frentes devem estar no radar dos procuradores nos próximos meses: um esquema de cartel em obras do sistema viário, já denunciado pelos próprios executivos da Odebrecht, e as denúncias contra Paulo Vieira de Souza, conhecido por Paulo Preto, considerado um dos operadores do PSDB. Documentos enviados ao MPF por autoridades da Suíça revelaram recentemente que Paulo Preto, ex-presidente da empresa Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa), tinha R$ 113 milhões em contas naquele país.

— À medida em que houve colaborações, começamos a fazer novas conexões. Estamos numa fase em que a investigação começa a se pulverizar e a tendência é fortalecer essa linha (de investigação) em São Paulo — disse a procuradora regional da República Maria Emília da Costa Dick, em coletiva de imprensa realizada ontem para fazer um balanço dos quatro anos da Lava-Jato.

As delações dos executivos da Odebrecht, distribuídas pelo ministro Edson Fachin, em abril de 2017, sugerem investigações sobre contratos da empreiteira com governos do PSDB no estado de São Paulo durante os mandatos de José Serra e Geraldo Alckmin. Não só os tucanos estão na mira dos procuradores. As gestões da prefeitura da capital paulista — à época de Gilberto Kassab (PSD) e de Fernando Haddad (PT) — também devem passar por uma varredura mais ampla.

Assim como aconteceu no Rio — em uma série de operações que levou à prisão agentes públicos de vários escalões, como ex-governadores e secretários, além de empresários —, a ideia é fazer com que São Paulo seja alvo de grandes operações até o fim deste ano. Na semana passada, o ex-ministro Delfim Netto foi alvo de um mandado de busca e apreensão. Ele é suspeito de receber R$ 4 milhões em um esquema envolvendo consultorias fictícias.

— A gente tem muito trabalho pela frente. No Rio, especialmente, estamos em fase acelerada. Até o fim do ano, teremos (em São Paulo) grandes operações — disse o coordenador da Lava-Jato no Paraná, Eduardo El-Hage.

SEGUNDA INSTÂNCIA

Ao apresentar o balanço dos quatro anos da operação, procuradores de diversas instâncias do MPF deram ênfase à prisão após julgamento em segunda instância como meio de resposta à sociedade para os crimes de corrupção.

— A maior ameaça à Lava-Jato hoje é a discussão da prisão após decisão em segunda instância — disse o procurador da República no Paraná Deltan Dallagnol.

— Uma corrupção sistêmica precisa de uma resposta sistêmica. O STF rever a prisão significaria enterrar o combate à corrupção no Brasil — completou o procurador, ao lembrar que o STF está sendo pressionado a decidir sobre o tema.

Para Dallagnol, a impossibilidade da prisão após condenação em segunda instância dificulta a consolidação dos acordos de colaboração, que têm sido fundamentais para dar celeridade às investigações e para recuperar valores aos cofres públicos.

— Se protelarmos a condenação para 15, 20 anos, o réu vai preferir responder o processo a colaborar, porque a perspectiva de impunidade é muito grande.

Com os acordos de colaboração — ou leniência, no caso das empresas — a Lava-Jato levou a uma previsão de devolução de R$ 12 bilhões aos cofres públicos, além de ter cortado caminhos para revelar o esquema. Desse total, R$ 1,9 bilhão já foi devolvido de fato.

Também estiveram na coletiva o subprocurador-geral da República Francisco Sanseverino; o procurador regional da República da 2ª região Carlos Aguiar e o procurador da República no Rio de Janeiro Eduardo El-Hage. O grupo esteve reunido em Porto Alegre para fazer o balanço da força-tarefa e definir os próximos passos. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, participou da reunião mais cedo.

A primeira fase da Lava-Jato foi deflagrada em 17 de março de 2014, em Curitiba, com uma investigação sobre a atuação de quatro doleiros: Nelma Kodama, Raul Srour, Alberto Youssef e Carlos Habib Chate. Naquele dia, a Polícia Federal desarticulou as primeiras organizações criminosas que tinham como finalidade a lavagem de dinheiro em diversos estados.

PENAS DE 1.861 ANOS DE PRISÃO

Informações fornecidas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ), obtidas pela Polícia Federal, revelavam registros de comunicações de operações financeiras atípicas num montante de mais de R$ 10 bilhões. À ocasião, a operação contou com a participação de aproximadamente 400 policiais federais, que cumpriram 81 mandados de busca e apreensão, 18 mandados de prisão preventiva, 10 mandados de prisão temporária e 19 mandados de condução coercitiva em 17 cidades do Paraná (Curitiba, São José dos Pinhais, Londrina e Foz do Iguaçu), São Paulo (São Paulo, Mairiporã, Votuporanga, Vinhedo, Assis e Indaiatuba), Distrito Federal (Brasília, Águas Claras e Taguatinga Norte), Rio Grande do Sul (Porto Alegre), Santa Catarina (Balneário Camboriú), Rio de Janeiro (Rio de Janeiro) e Mato Grosso (Cuiabá). Os mandados foram expedidos pela Justiça Federal no Paraná.

Segundo o MPF, até hoje foram celebrados 187 acordos de colaboração — 84% deles feitos com investigados em liberdade. Os procuradores frisam esse dado pois são acusados de usar a prisão de acusados como forma de coagi-los a fazer a delação. Com empresas, foram firmados 11 acordos de leniência. Ao todo, 160 pessoas foram condenadas nas primeiras instâncias de Curitiba e do Rio. Somadas, as penas chegam a 1.861 anos e 20 dias de prisão. (* Especial para O GLOBO)