O globo, n. 30903, 17/03/2018. País, p. 6

 

Trabalho: pagamentos suspeitos sob sigilo

Vinicius Sassine

17/03/2018

 

 

AGU cobra explicações sobre segredo em pareceres; documentos justificaram repasses feitos por jovem; Autoridades suspeitam de irregularidades no contrato assinado e fiscalizado por apadrinhados do PTB na pasta

-BRASÍLIA- A Advocacia-Geral da União (AGU) cobrou explicações ao Ministério do Trabalho sobre o sigilo de pareceres jurídicos que acabaram permitindo pagamentos milionários da pasta à B2T. Autoridades suspeitam de irregularidades no contrato assinado e fiscalizado por apadrinhados do PTB no ministério. A pasta manteve em segredo para a própria AGU os pareceres internos que aprovaram repasses à B2T, sem aparente justificativa, segundo uma análise inicial de integrantes do órgão. O Ministério Público Federal do Distrito Federal também pediu informações ao Trabalho para decidir se abre uma investigação sobre o tema.

No caso da AGU, o pedido de informações sobre o segredo imposto aos pareceres foi enviado na última segunda-feira pela Consultoria-Geral da União, vinculada à Advocacia. Foram essas manifestações jurídicas que destravam os repasses à B2T. Primeiro, amigos de futebol de Leonardo Arantes, secretário-executivo substituto da pasta e sobrinho do deputado Jovair Arantes (PTBGO), validaram os pagamentos. Depois, o jovem Mikael Tavares Medeiros, de 19 anos, fez a emissão das notas de pagamento, no mesmo dia em que foi colocado na função de gestor financeiro de repasses na pasta. As duas histórias foram reveladas pelo GLOBO.

SUPERFATURAMENTO

O procedimento com os pareceres jurídicos está cadastrado no sistema eletrônico da AGU, chamado “Sapiens”, mas está em segredo para os próprios integrantes do órgão central, mesmo sem haver razões para isso, conforme uma primeira avaliação na Consultoria-Geral da União. Assim, decidiu-se cobrar uma explicação do Ministério do Trabalho. Se as justificativas forem consideradas insuficientes, o caso poderá ser remetido à Corregedoria-Geral da AGU para avaliação de responsabilidades de advogados da União no episódio.

Um parecer da área jurídica do Ministério do Trabalho, de 18 de outubro de 2017, considerou regular a contratação da B2T. Depois, um novo documento, de 23 de novembro, recomendou a revogação de uma decisão anterior da pasta que barrava os pagamentos à empresa. Com base nesses pareceres, o então secretárioexecutivo e hoje ministro interino, Helton Yomura, revogou a decisão em 28 de novembro e abriu caminho para novos repasses, apesar dos apontamentos de superfaturamento e de recomendações do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) para não pagar.

Colocados em funções comissionadas no Trabalho, os amigos de futebol de Leonardo Arantes — que também é secretário de Políticas Públicas de Emprego — encaminharam uma nota fiscal de R$ 32,8 milhões para ser paga. O chefe de gabinete de Arantes, Leonardo Soares Oliveira, é o gestor dos contratos com a B2T. Outros amigos de “pelada” são os fiscais.

Em 28 de dezembro, Mikael acessou o sistema para a emissão das notas de pagamento. Foi no mesmo dia em que ele chegou à função de gestor financeiro. O sistema registra o nome e o CPF do jovem na liberação de R$ 27 milhões à B2T. Mikael acabara de concluir o ensino médio, entrar na faculdade e chegou ao ministério apadrinhado por Jovair Arantes, líder do PTB na Câmara. Depois do GLOBO revelar a história, o Ministério do Trabalho demitiu o jovem.

Os pareceres que defenderam a contratação da B2T e a revogação do memorando que proibia novos pagamentos foram assinados pelo procurador federal Arodi de Lima Gomes, coordenador-geral de análise de licitações e contratos no Ministério do Trabalho. Os documentos, porém, não levam a assinatura do consultor jurídico junto ao ministério, Ricardo Santos Leite.

Os papéis têm o timbre da AGU, da Consultoria-Geral da União, da consultoria jurídica da pasta e da coordenação de licitação. Os ministérios têm consultorias jurídicas próprias, integradas por quadros da AGU. Quando há conflitos a serem dirimidos, os casos são encaminhados à ConsultoriaGeral da União.

Todos os processos são eletrônicos e automaticamente colocados no “Sapiens”. Os acessos interno e externo ao processo da B2T foram travados, o que o deixou oculto. Somente na última segunda-feira a AGU conseguiu os números do processo e dos pareceres relacionados. O entendimento na Consultoria-Geral é que o sigilo imposto ao processo é incomum, uma vez que não se trata de um processo disciplinar, de responsabilização por infração ética ou de uma contratação que seja segredo de Estado, por exemplo. Uma hipótese possível seria o pedido de reserva ter partido de órgãos de fiscalização que estão investigando os contratos — CGU e Tribunal de Contas da União (TCU). Ao GLOBO, os dois órgãos disseram não ter feito nenhum pedido neste sentido.

Outro processo referente à B2T é o acionamento da Câmara de Conciliação da AGU — por iniciativa do então ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira — para derrubar a auditoria da CGU. Os pareceres também integram o processo, este sim de natureza sigilosa. A AGU já negou o pedido, uma vez que a fiscalização faz parte da atividade finalística da CGU, segundo interpretação do órgão.

SEM RESPOSTA

A reportagem do GLOBO questionou o Ministério do Trabalho sobre a razão para deixar oculto o processo no sistema da AGU. A pasta não respondeu à pergunta. “O sigilo foi estabelecido pelo consultor jurídico do ministério, única autoridade com competência legal para tanto”, afirmou, por meio da assessoria de imprensa. O outro processo é sigiloso por decisão da AGU, segundo o ministério.

A AGU, por sua vez, disse que uma “restrição de acesso colocada pela consultoria jurídica junto ao Ministério do Trabalho” impede “acompanhar a tramitação do mesmo”. “Em regra, as manifestações jurídicas devem ter o aprovo do consultor jurídico, com possibilidade de delegação desta competência a uma coordenação de área”, afirmou a AGU, por meio da assessoria de imprensa.

A B2T diz que as irregularidades apontadas pela CGU foram rejeitadas nos pareceres da AGU, e que o TCU “manifestou-se pela necessidade de continuidade do contrato”. O TCU afirmou que “não houve qualquer recomendação ou deliberação no sentido de autorizar pagamentos no âmbito do contrato”.