O globo, n. 30903, 17/03/2018. Rio, p. 10

 

Funcionária sofreu abordagem suspeita

Chico Otavio

17/03/2018

 

 

Sobrevivente contou à polícia que homem perguntou a assessora na rua se ela trabalhava com a vítima

Cerca de dez dias antes do assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Pedro Gomes, uma funcionária do gabinete da vereadora foi abordada de forma ameaçadora em um ponto de ônibus. De acordo com o depoimento prestado pela única sobrevivente do crime na Delegacia de Homicídios da capital, a que O GLOBO teve acesso com exclusividade na tarde de ontem, um homem perguntou, em tom agressivo, se a funcionária trabalhava com Marielle. Ainda segundo a testemunha, a mulher, que trabalha na área administrativa na Câmara, estranhou o tom e o fato de o homem ter ligado o nome dela ao da vereadora.

Em seu depoimento, no entanto, a assessora contou que Marielle não comentou, em momento algum, que estava sendo ameaçada, e afirmou que ela não tinha inimigos. Ainda segundo a testemunha, a vereadora recebia muitas denúncias sobre a atuação de milícias e violência policial feitas por moradores, principalmente da área do 41º BPM (Irajá), onde ela havia atuado como coordenadora na Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania entre 2013 e 2016. Segundo a assessora, nesse período, Marielle era ligada a uma rede de moradores que tinham acesso a ela para pedir ajuda.

A assessora que estava no carro contou não ter percebido que eles estavam sendo seguidos. Disse que checava o WhatsApp no momento dos tiros. Segundos antes da rajada, contou ela, a vereadora teria dito “Ué?”, em tom de dúvida, logo que o veículo entrou na Rua João Paulo I, no Estácio, local do assassinato. Quando foi atingido, o motorista teria dito apenas “ai”. A assessora contou também que se abaixou para tentar se proteger, e que Marielle, ferida, caiu sobre ela.

VEREADORA VIAJAVA ATRÁS

Após os disparos, o carro, que estava em velocidade baixa, continuou andando. Foi a assessora que conseguiu se esticar e puxar o freio de mão para parar o veículo. Habitualmente, a vereadora viajava no banco do carona, mas naquele dia resolveu sentar-se atrás, junto com a assessora, já que as duas estavam escolhendo algumas fotos do encontro do qual tinham acabado de participar, na Lapa.

A sobrevivente contou que os tiros pareciam ter vindo da parte de trás, na diagonal. Logo depois do crime, ela disse que não viu qualquer carro ou moto próximos e que pediu ajuda a pessoas que passavam pelo local.

O depoimento foi prestado durante cinco horas, logo após o crime, na noite de quarta-feira. A testemunha chegou a ser atendida num hospital porque foi ferida por estilhaços. O carro em que eles estavam foi atingido por 13 tiros de pistola.

Ontem, a testemunha escreveu um texto, no Facebook, sobre a vereadora e amiga: “Estou viva. Mas a alma oca. A carne, ainda trêmula, não suporta a dor que serpenteia por dentro, num looping sem fim. Minha amiga, na tentativa de calarem a sua voz, a ampliaram ensurdecedoramente, em milhares de bocas. Para sempre. #MarielleVive.”

CRÍTICA À AÇÃO POLICIAL

No depoimento, a testemunha disse, ainda, que Marielle monitorava as postagens em suas páginas na rede social. Uma delas era pessoal e outra, pública, coordenada por sua equipe de comunicação social. Contou também que, no último sábado, ela fez críticas à ação de policiais do 41º BPM (Irajá) na Favela de Acari. “Precisamos gritar para que todos saibam o está acontecendo em Acari neste momento. (...) Nesta semana, dois jovens foram mortos e jogados em um valão. Hoje a polícia andou pelas ruas ameaçando os moradores. Acontece desde sempre e com a intervenção ficou ainda pior”, denunciou Marielle, pedindo que a imagem postada pelo Coletivo Papo Reto fosse compartilhada por todos.

A vereadora também questionava a situação da segurança e recentes casos de violência na cidade. No Twitter, quando comentava a morte de mais um jovem no Rio, ela publicou: “Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?”.