Valor econômico, v. 17, n. 4418, 10/01/2017. Brasil, p. A2.

 

 

BC estuda reduzir circulação de dinheiro

Raquel Balarin

10/01/2018

 

 

Em meio a discussões sobre o quórum para aprovação da reforma da Previdência e sobre a inflação de 2017 ter ficado abaixo da meta, uma declaração importante do presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, passou praticamente despercebida em meados do mês passado. Ilan disse que o BC criou um grupo de estudos para reformar o mercado de cartões de débito com medidas que estimulem seu uso e que reduzam o custo aos lojistas. "É um instrumento que pode economizar meios de pagamento em espécie."

A declaração é a ponta do iceberg de um projeto bem mais profundo: a redução da circulação de dinheiro em espécie no Brasil, com consequente aumento das transações eletrônicas, especialmente de cartões e aplicativos de smartphones. O caminho vem sendo trilhado por países como Suécia, Dinamarca, Coreia do Sul e Índia, cada um deles com características, implantação e resultados próprios.

Procurado, o BC confirmou que o tema está em avaliação, "ainda em estágio inicial". O executivo de uma instituição financeira, entretanto, diz que ouviu do próprio Ilan que esse será um de seus projetos prioritários em 2018.

A expectativa é de que, com menos dinheiro em circulação, amplie-se a bancarização, reduza-se a informalidade (com consequente aumento da arrecadação) e se dificulte a corrupção e o crime.

Para Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, o tema é fascinante. "Algum dia todos terão acesso a uma moeda remunerada, segura, de amplo acesso. Mas o processo será lento e levará em conta custos de infraestrutura e de conexões individuais." Segundo ele, ao longo do caminho, o uso do papel moeda diminuirá, mas não desaparecerá da noite para o dia.

A tarefa do governo não será fácil. Um dos grandes desafios é justamente a redução dos custos de transação, especialmente de infraestrutura tecnológica, para baratear as transações eletrônicas de pequenas somas. Há ainda que se fazer uma integração entre as chamadas "contas pagamento" - usadas em pagamentos via celular, por exemplo - e as contas correntes.

O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e pesquisador do Centro de Microfinanças e Inclusão Financeira Eduardo Diniz diz que há ainda um desafio geracional, já que pessoas mais velhas muitas vezes têm dificuldades com senhas e cartões ou ainda ficam inseguras de fazer pagamento via internet ou celular. "Mas o BC está no caminho certo porque pessoas mais jovens, mesmo as de menor poder aquisitivo, não têm problema com isso", afirma.

A maneira mais eficiente de incentivar a migração do dinheiro em espécie para os cartões de débito, na avaliação do professor, é ganhar a adesão dos comerciantes a partir da redução do custo do cartão. "As taxas são muito altas. Não faz sentido cobrar um percentual da compra em um transação no cartão de débito. O custo tem que ser fixo." Parece ser exatamente esse o ponto de partida do BC.

No livro "The curse of Cash" ("A Maldição do Dinheiro", disponível apenas em português de Portugal), o economista Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) e forte defensor da redução de impressão de dinheiro, diz que qualquer plano para reduzir drasticamente o uso do papel-moeda precisa oferecer contas de cartão de débito "fortemente subsidiadas, contas básicas de cartão de débito para indivíduos de baixa renda e, talvez, smartphones básicos".

Os bancos veem com bons olhos um projeto para redução da circulação de dinheiro em espécie no Brasil, mesmo que isso signifique que terão de reduzir suas taxas no débito. Em contrapartida, ganharão com a redução dos custos de transporte de dinheiro, a segurança (os ataques a caixas eletrônicos estão cada vez mais violentos) e a maior bancarização, com consequente oportunidade de oferta de produtos bancários.

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Raquel Balarin é diretora de Conteúdo e Negócios Digitais. O titular da coluna, Cristiano Romero, volta a escrever na próxima quarta-feira