O globo, n. 16/03/2018, 16/03/2018. Economia, p. 19

 

Ainda a conta da corrupção

Ramona Ordoñez e Bruno Rosa

16/03/2018

 

 

Com pagamento de indenização de US$ 2,9 bi nos EUA, Petrobras tem 4º ano de prejuízo

Quatro anos depois de a Operação Lava-Jato atingir em cheio a Petrobras, os resultados da estatal ainda refletem os efeitos do maior escândalo de corrupção de sua história. A empresa anunciou ontem que teve perdas financeiras de R$ 446 milhões em 2017, o quarto ano seguido de prejuízo. O resultado negativo foi influenciado pelo acordo com investidores nos Estados Unidos, que cobravam reparação na Justiça americana por prejuízos causados pela corrupção na estatal. Para encerrar a ação coletiva, a Petrobras aceitou pagar US$ 2,9 bilhões, o que representou uma perda de R$ 11,2 bilhões em seu balanço financeiro. Sem esse pagamento, teria tido lucro de R$ 7,01 bilhões.

Também afetaram o resultado da empresa a adesão ao programa de regularização de débitos federais, o Refis, no valor de R$ 10,4 bilhões, e novas baixas contábeis para compensar perdas em projetos polêmicos, como o Comperj, em Itaboraí; a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco; e fábricas de fertilizantes. Esses projetos somaram perdas de R$ 3 bilhões.

— Foi um resultado bastante positivo, embora apresentando contabilmente prejuízo de R$ 446 milhões. Mas, do ponto de vista da eliminação das incertezas, o encerramento da ação coletiva foi um evento não recorrente, o que mostra a qualidade dos números finais — disse o presidente da Petrobras, Pedro Parente.

DÍVIDA SEGUE COMO PRINCIPAL DESAFIO

Ao divulgar os resultados do ano passado, Parente afirmou que a prioridade da empresa continua sendo a redução da dívida da companhia, que chegou ao fim de 2017 em US$ 109,3 bilhões (equivalente a R$ 360,7 bilhões), pouco menor que os US$ 118,4 bilhões de 2016. Com o pagamento para encerrar os litígios nos EUA, o nível de alavancagem (a relação entre a dívida líquida e a geração de caixa operacional) da empresa subiu de 3,16 para 3,67 vezes. Apesar do aumento, o diretor financeiro da estatal, disse, durante conferência com analistas, que a companhia mantém a meta de reduzir o indicador para 2,5 vezes até o fim do ano.

Parente afirmou que um dos instrumentos para reduzir o endividamento continua sendo a venda de alguns de seus negócios. O executivo repetiu que a meta continua sendo a de arrecadar US$ 21 bilhões (cerca de R$ 69,3 bilhões) até o fim do ano. O plano, no entanto, é cercado de desafios, na visão dos analistas. Um exemplo é a tentativa de venda da subsidiária Liquigás, distribuidora de gás de botijão (GLP), para o Grupo Ultra, que foi barrada no mês passado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

De olho na redução da dívida, Parendicando te informou que a Petrobras continua debruçada em estudos para encontrar uma forma de se desfazer da Liquigás:

— Estamos avaliando alternativas para o programa de desinvestimento. A Liquigás não vai ficar no portfólio (carteira de projetos) da Petrobras. Vamos definir alternativas — disse Parente, ao afirmar que, entre as soluções, está a abertura de capital ou a retomada do processo de venda.

Rafael Passos, analista da Guide Investimentos, destacou que a venda de ativos é um desafio para a companhia, já que o programa de desinvestimentos tem sofrido com obstáculos desde o ano passado.

— Acredito que em 2018 deve ocorrer uma aceleração da venda de ativos. Isso é importante para melhorar o caixa da empresa, pois Parente está limpando as incertezas do balanço da companhia. Em 2017, o caixa da estatal foi pressionado por todos esses eventos não recorrentes — disse Passos.

Por outro lado, Monteiro destacou os bons resultados na operação. De acordo com as demonstrações financeiras, a empresa reduziu em 10% os gastos operacionais no ano passado, para R$ 78,4 bilhões. A estatal ainda aproveitou a alta de 24% no preço do barril de petróleo no ano passado para elevar as exportações. As vendas para o exterior subiram de 387 mil barris para 512 mil barris diários. Segundo a Petrobras, a produção de petróleo e gás se manteve dentro da meta, em 2,7 milhões de barris diários. Alegando ganhos de eficiência e replanejamento de projetos, a companhia investiu US$ 13,3 bilhões (equivalente a R$ 43,9 bilhões) no ano passado, patamar pouco abaixo dos US$ 13,7 bilhões registrados em 2016. Neste ano, a previsão da estatal é elevar o investimento a US$ 17 bilhões.

Durante a entrevista coletiva, no entanto, Parente advertiu que os investimentos podem ser revisados se a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) aprovar um projeto de lei que restringe a isenção de ICMS no âmbito do Repetro, regime tributário especial para aquisição de equipamentos para o setor. Ele diz que uma medida como essa afetaria todos os investidores do setor de óleo e gás, prejuQuatro o Estado do Rio.

A diretora de Exploração e Produção da Petrobras, Solange Guedes, destacou o recorde de aproveitamento de 96,6% de todo o gás natural produzido no Brasil no ano passado. Segundo ela, com o pré-sal, a produção de gás subiu 3,2% no ano passado:

— Estamos muito satisfeitos com os resultados principalmente na área do pré-sal. Este ano, vamos iniciar a produção na área da cessão onerosa (regime pelo qual o governo repassou à estatal uma área do pré-sal), cujo contrato foi feito em 2010.

VENDAS DE COMBUSTÍVEIS CAEM 6%

Porém, nem todos os resultados operacionais foram positivos para a companhia. De acordo com o diretor de Refino e Gás, Jorge Celestino, as vendas de combustíveis da Petrobras caíram 6%, passando de 2,06 milhões de barris por dia em 2016 para 1,94 milhão de barris em 2017. Isso ocorreu em função do aumento das importações de derivados feitas por outras empresas do setor. Como resultado, a estatal perdeu espaço no mercado. No caso do diesel, a fatia da Petrobras caiu de 83% em 2016 para 74% no ano passado. Já no mercado de gasolina, a estatal encolheu de 90% para 83%. Em fevereiro deste ano, a estatal informou que sua fatia na gasolina já caiu para 77%. No caso do diesel, houve recuperação, para 79%.

— Estamos modernizando os contratos com as distribuidoras. Devem ficar prontos entre maio e junho. Vamos ter preço diferenciado por distribuidor. Se uma empresa vender acima da meta, vai ganhar bônus adicional. A operação visa à rentabilidade e à manutenção de participação de mercado — contou Celestino a analistas.

Com a perda de mercado, a geração de caixa operacional da área de refino caiu de R$ 47,5 bilhões para R$ 28,6 bilhões entre 2016 e 2017. Apesar desse resultado, Parente afirmou que a estatal manterá sua atual política de preços, com variações diárias nos valores dos combustíveis.

— A política de preços tem dado certo. E está mantida. O valor da Petrobras é apenas uma parcela menor do preço final — disse Parente, fazendo referência aos demais itens que compõem o preço nas bombas, como impostos e margens dos distribuidores e revendedores.

Para Pedro Galdi, analista de investimento da Mirae Corretora, a política de preços foi um dos pontos positivos para a empresa, que ainda sofre as consequências dos erros do passado recente:

— A estatal está limpando todos os esqueletos, que vão dos prejuízos causados pela corrupção à ingerência do governo nos preços. Está melhorando e tem uma tendência de crescimento.