O globo, n. 30916, 30/03/2018. País, p. 4

 

Reforma na casa de filha de Temer é alvo de investigação

Aguirre Talento, Bela Megale e Mateus Coutinho

30/03/2018

 

 

Obra teria sido paga com propina; arquiteta é mulher do coronel Lima

-BRASÍLIA- A reforma na casa de uma das filhas de Michel Temer foi um dos focos da Operação Skala, deflagrada ontem pela Polícia Federal e que teve como alvo amigos do presidente. A arquiteta Maria Rita Fratezi, responsável pelas obras realizadas em 2014 no imóvel de Maristela Temer, foi intimada para depor pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, que autorizou as diligências. Maria Rita é mulher do coronel João Baptista Lima, amigo de Temer e suspeito de receber propina em nome do peemedebista.

Na solicitação encaminhada ao ministro, a PF, que chegou a pedir a condução coercitiva de Maria Rita e do coronel Lima, afirmou que há suspeitas envolvendo a arquiteta e a empresa na qual ela é sócia do marido, a PDA Projeção e Direção Arquitetônico.

“Trata-se da empresa que realizou reforma de alto custo em imóvel da senhora Maristela Temer, filha do excelentíssimo senhor presidente da República. Há informações sobre pagamentos de altos valores em espécie”, diz a representação. No entanto, a Procuradoria-Geral da República (PGR) avaliou que, neste momento, não era necessário solicitar a prisão temporária de Maria Rita, mas apenas de seu marido. Nenhum dos dois foi ouvido pela PF ontem, porque aguardavam a chegada de uma equipe de procuradores para acompanhar as oitivas.

Essa é a primeira prova de elo financeiro entre o coronel Lima e Michel Temer. A suspeita dos investigadores é que a reforma tenha sido paga com dinheiro de propina. Em junho do ano passado, o Jornal Nacional revelou que um dos fornecedores que trabalhou na obra da casa de Maristela Temer admitiu ter recebido R$ 100 mil em dinheiro vivo da arquiteta. A filha de Temer comprou a casa — de 350 metros quadrados de área construída no Alto de Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo — em 2011. Três anos depois, o imóvel foi passou por uma grande reforma.

QUITAÇÃO DE DESPESAS

Quando a operação Patmos, resultado da delação da JBS, foi deflagrada, em maio de 2017, e mirou o presidente Michel Temer e seus aliados, como o coronel Lima, a PF encontrou na empresa dele documentos relativos à obra. Um dos recibos apreendidos pela PF mostrou que a Argeplan, empresa do coronel, quitou despesas da reforma do imóvel de Maristela. No apartamento de Lima os investigadores localizaram ainda um e-mail da construtora que fez a obra cobrando R$ 40 mil de Maria Rita pela conclusão de uma etapa do empreendimento. No mesmo local, encontraram vários documentos, aparentemente rasgados com régua, referentes ao imóvel e que seriam descartados. Na época, os investigadores suspeitaram que o episódio pudesse ser uma tentativa de destruição de provas.

Essa é a primeira vez que a mulher de Lima foi intimada no âmbito das investigações que envolvem o presidente Temer. O marido dela, porém, vinha sendo chamado a depor há cerca de oito meses pela PF sem sucesso. A defesa do coronel alegava motivos de saúde para evitar que ele comparecesse nos depoimentos.

A Argeplan é suspeita de ser a principal repassadora de recursos destinados ao presidente Michel Temer. Além de alvo de apurações por pagar despesas pessoais de Temer, ela teria recebido propina de companhias que atuavam no Porto de Santos. Amigo do peemedebista há mais de 30 anos, Lima foi citado na delação da JBS como o destinatário de R$ 1 milhão de propina que seria direcionado a Temer. O valor, segundo o delator Ricardo Saud, fazia parte de um acerto de R$ 15 milhões para o PMDB nas eleições de 2014.

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De coordenador de comitê eleitoral a consultor sentimental

Aline Ribeiro

30/03/2018

 

 

Coronel Lima foi assessor de Temer na Segurança de SP, período em que criaram laços de amizade

-SÃO PAULO- A passagem do presidente Michel Temer pelo governo Franco Montoro, em São Paulo, lhe rendeu a amizade com o coronel João Baptista Lima Filho, da Polícia Militar, preso ontem pela Polícia Federal. Temer foi procurador-geral de Montoro, em 1982, e secretário de Segurança Pública, em 1984. Lima era seu assessor na Segurança. Como parte de suas funções, andava para cima e para baixo com o secretário. “Coronel Lima” ou “doutor Lima”, como é conhecido, por muitos anos ajudou Temer em campanhas, como coordenador dos comitês eleitorais.

Acabaram tão próximos que Lima virou uma espécie de conciliador de seus problemas com a família. A relação se solidificou no primeiro divórcio de Temer, oficializado em 1987. Na época, Temer era casado com Maria Célia de Toledo, a primeira de suas quatro mulheres, e mãe de suas três filhas: Maristela, Luciana e Clarissa. Era Lima quem ajudava a conter os acessos de ciúmes de Maria Célia.

— Ela chegava a ligar na casa dos conhecidos para investigar onde ele estava, se estava com alguém — diz um interlocutor de Temer na época — Nesse momento, Lima ajudou muito. Ia lá falar com ela: “fulana, você não pode fazer isso”.

O coronel aposentado entrou para o radar da Lava-Jato com a proposta de delação premiada de José Antunes Sobrinho, sócio da empreiteira Engevix. Em 2016, Sobrinho disse à força-tarefa que pagou pelo menos R$ 1 milhão de propina a Lima. Segundo ele, Lima afirmou que o dinheiro iria para campanhas de Temer, que sempre negou. Antunes afirmou que Lima, pequeno empresário, exercia grande influência no comando da Eletronuclear, por meio de Temer. Ao associar-se a Lima, a Engevix obteve um contrato de R$ 164 milhões na estatal.

A delação da cúpula da J&F também atingiu Lima. Ricardo Saud, ex-diretor da J&F, apontou Lima como intermediário de propina para Temer.