O globo, n. 30916, 30/03/2018. País, p. 6
A rede de relações do presidente
30/03/2018
Aliados, amigos, assessores e empresários estão envolvidos em investigações, e alguns na prisão
_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Temer é dúvida para janeiro de 2019
José Casado
30/03/2018
Nos últimos oito meses, presidente tem sido protagonista contumaz de devassas judiciais
Michel Temer se mantém como exuberante protagonista de devassas judiciais. Tem sido assim nos últimos oito meses, com a média de um caso de corrupção estampado nas páginas do Diário da Justiça a cada 35 dias.
Ontem, treze dos seus amigos foram presos, quatro pessoas com as quais se relacionou receberam intimações, e alguns dos seus habituais financiadores tiveram vasculhados escritórios e residências.
Isso foi consequência de 36 ordens expedidas na última terça-feira em um dos inquéritos (nº 4621) do Supremo Tribunal Federal, no qual Temer aparece sob a suspeita de “cometimento de crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa/organização criminosa’’ — descrição feita pelo juiz Luís Roberto Barroso. O presidente nega.
Na manhã de 10 de maio do ano passado, Temer assinou um decreto que abriu chance para multiplicação de lucros das concessionárias dos serviços portuários. Segundo o Tribunal de Contas da União, as inovações desse decreto traziam “fortes indícios de ilegalidades’’.
Num exemplo, abriu caminho para beneficiar empresas privadas concessionárias vinculadas à Associação Brasileira de Terminais Portuários, entre elas Libra e Rodrimar, com até 100 termos nos aditivos em contratos de arrendamento de áreas em portos como o de Santos (SP). Dessa zona portuária saem 65% das exportações brasileiras. Os prazos de concessão das áreas em Santos foram estendidos em até 70 anos, em prejuízo dos interesses da administração pública, segundo o TCU.
O juiz Barroso, a procuradora-geral da República Raquel Dodge e a Polícia Federal sabem exatamente o que estão procurando. Mapeiam “recursos para fins pessoais e eleitorais” que as empresas privadas teriam repassado em troca das concessões feitas no decreto de Temer.
No início do mês, Barroso mandou suspender os sigilos fiscal e bancário do presidente da República. As decisões de ontem indicaram algumas novidades na investigação, que avança rápido. Nos mandados de busca e apreensão, lia-se: “Registros e livros contábeis e fiscais, formais e informais, agendas, ordens de pagamento, documentos relacionados à manutenção e movimentação de contas bancárias no Brasil e no exterior, em nome próprio ou de terceiros, contratos, notas fiscais, recibos e quaisquer documentos referentes à solicitação e recebimento de vantagem indevida e na ocultação de valores.”
Em outros documentos, o juiz foi explícito sobre “a possibilidade de se estar diante de um esquema contínuo de concessão de benefícios públicos em troca de recursos privados, para fins pessoais e eleitorais, que persistiria por mais de vinte anos no setor de portos, vindo até os dias ele hoje”. São constantes nos despachos de Barroso referências às “razões expostas” e aos “fatos demonstrados’’ pela polícia e pela procuradoria em procedimentos ainda mantidos sob sigilo.
Michel Temer era um presidente em busca de alternativas para os dias seguintes à descida da rampa do Planalto. Sem foro privilegiado, sua perspectiva é a do juízo de primeira instância — “e isso obviamente é preocupante”, como tem repetido seu advogado. Seu problema, agora, é como chegar a 1ª de janeiro de 2019 com a faixa de presidente da República para passar ao sucessor eleito. No Congresso, Temer se tornou uma dúvida.