Correio braziliense, n. 20054, 17/04/2018. Política, p. 2

 

O protagonismo sem trégua do STF

Deborah Fortuna

17/04/2018

 

 

UM PAÍS SOB TENSÃO » Com o Congresso travado, Supremo ganha ainda mais força ao pautar temas da política nacional. Tudo parece passar por lá

Com o Congresso Nacional travado, o Supremo Tribunal Federal (STF) assume de vez o protagonismo da política brasileira, e avança em decisões fundamentais. Em uma semana sem trégua, os ministros da Suprema Corte têm uma agenda cheia nos próximos dias, com novos julgamentos de habeas corpus e acolhimento de denúncias. A decisão sobre a prisão após condenação em segunda instância, no entanto, deve ser retomada apenas na semana que vem.

Dez meses após a denúncia, a 1ª Turma deve decidir hoje se torna o senador Aécio Neves (MG) réu pela primeira vez. O pedido foi reiterado ontem pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que solicita que o senador seja investigado pelo crime de corrupção passiva. Aécio é acusado de ter recebido R$ 2 milhões do empresário Joesley Batista e de tentar atrapalhar o andamento das investigações da Lava-Jato. 

O documento também denuncia a irmã do senador, Andréa Neves da Cunha, o primo Frederico Pacheco de Medeiros e o ex-assessor parlamentar do senador Zezé Perrella (MDB-MG) Mendherson Souza Lima. A tendência é que os ministros aceitem a denúncia. Em nota, a defesa do senador reclamou ao dizer que formulou um pedido para ter acesso às provas da investigação. E disse que esses documentos seriam imprescindíveis, já que “esses elementos podem comprovar a ilegalidade de provas e das armadilhas arquitetadas contra o senador”.

A decisão será tomada pelos ministros Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Luiz Fux, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso. O Correio apurou que, desde janeiro, o grupo aceitou as denúncias dos deputados Adilton Sachetti (PRB-MT), Luiz Nishimori (PR-PR), dos senadores Wellington Fagundes (PR-MT) e Romero Jucá (MDB-RR). Entre os pedidos rejeitados está o do deputado Rôney Nemer (PP-DF).

O Supremo também deve decidir esta semana o julgamento do habeas corpus do ex-deputado Paulo Maluf (PP-SP). A decisão, no entanto, levanta a discussão sobre a possibilidade de ministros aceitarem medidas que suspendem a decisão de outros magistrados. Isso porque o ministro Dias Toffoli acatou o pedido de prisão domiciliar de Maluf, que foi antes negado pelo ministro Edson Fachin. Agora, eles devem votar um recurso contra a condenação.

Mandato

A 2ª Turma marcou também para hoje o julgamento da liminar de Toffoli que suspendeu a inelegibilidade de Demóstenes Torres (GO). Ou seja, se a decisão for mantida, o ex-senador poderá concorrer nas eleições de outubro deste ano. O político teve o mandato cassado em 2012 pelo plenário do Senado, após ser acusado de ajudar uma organização criminosa comandada pelo empresário Carlos Cachoeira. A Turma é composta pelos ministros Edson Fachin, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Toffoli.

Além disso, a família Bolsonaro também pode se tornar réu, se o Supremo decidir acatar as denúncias feitas contra o pré-candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e o deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Jair foi acusado pela PGR de racismo contra quilombolas, indígenas, refugiados, mulheres e LGBTs. Enquanto o filho Eduardo foi denunciado por ameaçar uma jornalista. Agora, o STF deverá se posicionar se aceita a denúncia contra ambos.

Foro 

Em um ano eleitoral, em que a tendência é o Congresso fugir de pautas polêmicas, o STF deve continuar à frente das decisões mais marcantes. Enquanto a Câmara adia a votação do foro privilegiado, por exemplo, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, marcou para o próximo 2 de maio o julgamento na Suprema Corte. A discussão já havia sido adiada outras duas vezes pelo pedido de vista dos ministros. O último a fazer a solicitação foi o ministro Toffoli.

Enquanto o Congresso tenta votar, sem sucesso, o fim do foro para todas as autoridades — salvo apenas os presidentes dos três poderes, a votação no Supremo é menos drástica — no texto da pauta da Corte, somente crimes por políticos no exercício do mandato e relacionados à atividade parlamentar seriam julgados diretamente pelo STF. Outros crimes seriam julgados pela Justiça comum. No fim de semana, o presidente Michel Temer disse que cabe ao Legislativo decidir sobre o assunto. A expectativa é de que 55 mil pessoas sejam beneficiadas pela prerrogativa de função, entre eles governadores, prefeitos, juízes, desembargadores e outros cargos.

Já o julgamento da Ação Declatória de Constitucionalidade 43, que muda o entendimento da prisão em segunda instância, deve ficar também para a próxima semana. Caso a Corte decida pela mudança, a decisão pode beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), e preso no começo deste mês. A esperança da defesa é que o Supremo revise a decisão, mas os ministros deram um sinal negativo ao ex-presidente quando votaram contra o habeas corpus do ex-ministro da Casa Civil Antonio Palocci.

Em alta
Confira as pautas previstas para as próximas semanas na Suprema Corte 

Aécio Neves

A Primeira Turma do STF decide hoje se o senador Aécio Neves se torna réu pela primeira vez. Ele foi citado na delação do empresário Joesley Batista, do grupo J&F, pelo suposto recebimento de R$ 2 milhões em propina. Aécio foi acusado pelo então PGR Rodrigo Janot de cometer os crimes de corrupção passiva e por tentar obstruir a Operação Lava-Jato. A atual procuradora-Geral Raquel Dodge reiterou o pedido.

ADC 43

A Ação Direta de Constitucionalidade 43 muda o entendimento da prisão após condenação em 2ª instância. O ministro Marco Aurélio Mello afirmou que levará esse assunto até a Suprema Corte, e o julgamento — previsto para semana passada, foi adiado por um pedido do PEN, autor do projeto. A previsão é que após o período de cinco dias úteis, iniciado ontem, o tema volte a ser debatido. 

Demóstenes Torres

Hoje, a 2ª Turma do STF também deve julgar a decisão do ministro Dias Toffoli, que suspendeu a inelegibilidade de Demóstenes Torres (GO). Caso aprovado, o ex-senador pode concorrer às eleições de outubro deste ano. O mandato dele foi cassado em 2012, após ser acusado de agir em parceria de uma organização criminosa supostamente liderada pelo empresário Carlos Cachoeira.


Paulo Maluf

Após ser adiada duas vezes na Suprema Corte, os ministros podem votar esta semana o habeas corpus do ex-deputado Paulo Maluf (PP-SP). Por uma decisão do ministro Dias Toffoli, Maluf está, agora, cumprindo prisão domiciliar. O pedido foi feito pela defesa do político ao argumentar que ele estaria sofrendo com problemas sérios de saúde, o que pioraria dentro de uma prisão. 

Jair Bolsonaro

O STF deve se posicionar a respeito de uma denúncia apresentada pela PGR, Raquel Dodge, contra o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ) por racismo contra quilombolas, indígenas, refugiados, mulheres e LGBTs, após um discurso em uma palestra no Rio de Janeiro. O presidenciável teria usado expressões de cunho discriminatório. A PGR pede o pagamento mínimo de R$ 400 mil por danos morais coletivos. 

Eduardo Bolsonaro

A PGR também denunciou Eduardo Bolsonaro após uma suposta troca de mensagens com a jornalista Patrícia de Oliveira Souza Lélis, em que o deputado teria ameaçado a vida dela, e dito que ela “iria se arrepender de ter nascido”. 

Foro privilegiado

Após parar no Congresso, o STF decide marcar o julgamento pelo fim do foro privilegiado para o dia 2 de maio.  A discussão já havia sido adiada outras duas vezes pelo pedido de vista de ministros. O último a fazer a solicitação foi Toffoli. No texto da Corte, somente crimes cometidos por políticos no exercício do mandato e relacionados à atividade parlamentar seriam julgados pelo STF.

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Aécio diz estar "sereno"

Rosana Hessel

17/04/2018

 

 

Na véspera de ser julgado pela primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF), o senador Aécio Neves (PSDB-MG), tentou mostrar tranquilidade e afirmou que pretende aguardar a decisão “com absoluta serenidade”. O tucano refutou as denúncias de corrupção feitas contra ele pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot que foram reforçadas pela atual titular da PGR, Raquel Dodge. Ele se queixou de que não houve investigação “clara e objetiva” dos fatos.

“Lamento não ter havido inquérito e informações para desmontar as acusações. Continuarei firme e confiante de que vou provar minha absoluta inocência”, disse Neves a jornalistas, ontem, em seu gabinete. “Houvesse inquérito e investigação, essas denúncias se desmontariam como um castelo de cartas porque não se sustentam”, reforçou.

Para o senador, houve atropelo do Ministério Público e da PGR em um “tsunami de versões”, em uma velocidade que fica difícil de as pessoas entenderem o que aconteceu. “O lamentável de tudo isso é que a ânsia de punir impediu aquilo que é normal e tradicional no sistema jurídico, que é a investigação”, afirmou. “Não houve inquérito. Não houve investigação. Pulou-se essa etapa e amanhã (hoje) chegamos imediatamente à denúncia”, emendou.

Mesmo se o Supremo aceitar denúncia contra ele, Aécio afirmou que “ficará resistente até o final para provar a verdade”. As denúncias contra o senador mineiro destacam troca de favores, no qual a JBS teria repassado R$ 60 milhões ao parlamentar por meio de notas frias e, em contrapartida, o senador teria usado o mandato para beneficiar o grupo. Na segunda denúncia sobre gravação de conversa entre Aécio e um dos donos da JBS, Joesley Batista, a PGR alegou que ficou claro que não houve qualquer tipo de indução por parte dos colaboradores para que o senador cometesse o crime de corrupção passiva.

A procuradoria, inclusive, atestou a validade da gravação e discorda das tentativas da defesa do senador de anular a prova. A terceira denúncia que pede a condenação do tucano e de sua irmã, Andrea Neves, por corrupção passiva e obstrução da Justiça, alega que ele recebeu R$ 2 milhões em propina da JBS.

De acordo com o senador, os repasses de recursos ao PSDB, “foram legais e para o partido” e não tiveram contrapartida, como alega a acusação, porque os R$ 24 milhões apontados como devolução de impostos pelo estado de Minas Gerais “não ocorreram”. No entanto, ele reconheceu as declarações feitas em uma gravação “infeliz” e lamentou ter aceito R$ 2 milhões em dinheiro vivo dos executivos da JBS “em um momento de dificuldade”. “Cometi esse erro, mas não cometi qualquer ilegalidade”, declarou. “Não são 20 minutos de uma conversa infeliz e da qual me penitencio, com termos inadequados, que vão definir minha história”, completou.