Correio braziliense, n. 20054, 17/04/2018. Cidades, p. 19

 

OAB também defende o Hospital da Criança

Augusto Fernandes

17/04/2018

 

 

Ordem dos Advogados do Brasil engrossa o coro a favor da manutenção do modelo da gestão da unidade de saúde, enquanto o GDF diz que fará de tudo para mudar a decisão judicial. Pais de pacientes temem a interrupção dos tratamentos

O Governo do Distrito Federal ganhou mais um aliado na luta para manter o Hospital da Criança de Brasília (HCB) sob administração privada. A seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF) anunciou ontem que vai defender a unidade de saúde no processo contra o Instituto do Câncer Infantil e Pediatria Especializada (Icipe), a entidade responsável pela gestão do hospital desde a criação dele, em 2011. Amanhã, funcionários, pais de pacientes e muitos outros defensores do HCB vão fazer uma manifestação em defesa da instituição.

Presidente da OAB/DF, Juliano Costa Couto manifestou preocupação com as crianças atendidas pelo HCB, “O fechamento do hospital não é uma opção admissível. Se existem problemas, devem ser resolvidos, não fechando o hospital”, ressaltou. Ele anunciou que vai entrar com pedido de amicus curiae — manifestação especializada de um órgão com representatividade adequada com o intuito de dar mais argumentos à decisão judicial — na ação em andamento. Disse ainda que a OAB-DF apoia a ação simbólica organizada por apoiadores da atual gestão do hospital. A organização divulgou o convite para o abraço coletivo na sede da instituição, às 9h30 de amanhã, como forma de protesto.

Prometendo recorrer da decisão proferida pela 7ª Vara da Fazenda Pública, o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) fez duras críticas ao que chama de “perseguição” contra o modelo de gestão da unidade de saúde. “O Hospital da Criança é uma referência internacional (...) É um projeto extremamente vitorioso, que tem sido vítima de uma perseguição política”, afirmou o chefe do Executivo, em entrevista ao programa CB.Poder, da TV Brasília e do Correio Braziliense ontem (leia abaixo).

Ação do MP

Uma das denúncias sobre a gestão do Icipe está relacionada a improbidade administrativa, ajuizada em 2015 pelo Ministério Público (MPDFT). O órgão alegou que a verba destinada ao contrato de gestão do HCB teria aumentado 41% em três anos, de forma injustificada, e que a prestação de contas da unidade de saúde foi julgada irregular pelo Tribunal de Contas do DF.

Autora da ação, a promotora de Defesa da Saúde Marisa Isar divulgou ontem uma nota sobre a ação judicial. “As irregularidades que pairam sobre os contratos vêm desde a origem, como falta de publicidade, falta de realização de audiência pública, irregular qualificação da organização social, irregular dispensa de licitação, inexistência de suficiente dotação orçamentária e inexistência de planilha detalhada de custos”, informou o texto.

Mas tanto o GDF quanto os gestores do hospital e a OAB-DF reforçam não haver caso de corrupção. Para o secretário de Saúde, Humberto Fonseca, há uma tentativa por parte de promotores do MPDFT de “impor a própria convicção mesmo não havendo qualquer ilegalidade”. “Uma decisão desse tipo não pode ser tomada de qualquer forma. Precisamos defender o hospital. É um sistema que funciona muito bem. O fechamento do HCB seria uma catástrofe”, destacou.

“Retrocesso”

De acordo com a médica oncologista e hematologista do HCB Ísis Magalhães, fechar as portas da unidade de saúde seria um passo para trás. “Esse hospital complementou a rede com um atendimento médico de alta complexidade. Recebemos pacientes portadores de doenças raras e complexas, que os profissionais não aprendem a tratar de uma hora para outra. O desmonte dessa estrutura que levou anos para ser arrumada é um retrocesso de ao menos 20 anos para o atendimento da saúde pública”, ressaltou.

Graças ao atendimento do HCB, o filho do engenheiro civil Elisandro Lacerda, 29 anos, superou um neuroblastoma. “Ele ficou 25 dias em coma e os médicos conseguiram fazer com que a doença regredisse a um ponto possível de fazer uma cirurgia. Sem esse hospital, ele não estaria aqui”, comentou.Aos 4 anos, Henry Lacerda está curado. O menino retirou um tumor e precisou de um transplante análogo de medula óssea. Durante a recuperação, fez 19 sessões de quimioterapia, todas no HCB, gratuitas. “A medicação nunca faltou. O atendimento sempre foi o melhor possível. Espero que esse hospital continue salvando a vida de mais crianças”, frisou o pai, que não vê sentido em um possível fechamento do HCB. “A única coisa que está funcionando aqui em Brasília, relacionada à saúde, é o Hospital da Criança. A gestão é muito boa. Sentimos que os funcionários não estão aqui por obrigação. Eles trabalham com alegria. Isso faz a maior diferença”, destacou.

Temor

Pai de Enzo Macedo, 9 anos, o comerciante Antônio Fernandes, 58, teme pelo futuro do filho, que recebe atendimento gratuito no HCB. “Se fechar, vai ser uma perda muito grave”, afirmou. Desde os seis meses, Enzo tem baixa produção de sangue. O menino ficou com uma anemia profunda depois de uma vacina. Os médicos ainda não conseguiram diagnosticar a enfermidade.

A família mora em Alto Paraíso de Goiás. Caso o hospital pare de funcionar, os pais não sabem onde procurar socorro. “Como não existe um laudo conclusivo da doença, é muito difícil conseguir acompanhamento em outra unidade. Sem contar que não temos nenhum apoio do estado (de Goiás). Preciso custear a gasolina e alguns medicamentos”, contou o comerciante.

Portador de diabetes desde os 3 anos, Arythierres Barbosa, 11, se trata no HCB desde 2013. O menino respondeu que “ficaria mal” caso não pudesse mais ir à unidade de saúde. “Sentiria muita falta dos médicos. Eles sempre querem saber como estou. O hospital tem um significado muito grande para mim”, destacou.

O mesmo pensa a professora Suse Oliveira, 43, mãe de paciente. “O atendimento daqui sempre foi bom. Nós nos sentimos bem por conta disso. É um lugar colorido, iluminado e limpo. Os pacientes podem se divertir e nem lembram que estão em uma unidade de saúde. Esse é o melhor hospital de Brasília. Onde vamos conseguir um lugar tão bom para essas crianças?”

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Projeto vítima de "perseguição"

Rodrigo Rollemberg

17/04/2018

 

 

Quais os prejuízos da ação que afastaram o Instituto do Câncer Infantil e Pediatria (Icipe) especializada da administração do Hospital da Criança?

É um prejuízo imenso. O Hospital da Criança (HC) é uma referência internacional. Tive a oportunidade de visitar o hospital da criança mais de uma vez, acompanhado do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, o dr. Tedros Adhanom. Ouvi ele dizer que levaria o modelo do Hospital da Criança para todo o mundo.O Hospital da Criança é um hospital 100% público, totalmente gratuito, que fez mais de 3 milhões de atendimentos, com aprovação de mais de 98% da população. É um projeto extremamente vitorioso, que tem sido vítima de uma perseguição política. No início do nosso governo, quando queríamos modernizar o modelo de saúde,  defendemos a implantação de organizações sociais na gestão do sistema público de saúde e, naquele momento, a única organização social que administrava um hospital público era o Icipe. Em função disso, ele passou a sofrer uma perseguição tremenda, especialmente de uma promotora que tem uma postura ideológica contrária a organizações sociais e que, para tentar impedir a implementação de organizações sociais, passou a promover uma campanha terrível contra o Hospital da Criança e contra os seus dirigentes. Mas tenho muita confiança que a Justiça vai reverter isso. Temos, na rede público do DF, um deficit enorme de pediatras. Contratamos recentemente pediatras e, muitos deles, após um mês de trabalho, foram embora. Seria uma tragédia para a população de Brasília e para os brasileiros que são atendidos pelo SUS no Hospital da Criança, se ele tivesse que abrir mão desse modelo de gestão e fechar.

 

O que seria a guerra ideológica que o senhor citou? Não é uma guerra partidária, certo?

É uma visão antiga. É absolutamente impossível gerir adequadamente o SUS com os modelos de contratação que você tem. Adotamos agora o Serviço Social Autônomo no Hospital de Base, uma experiência inovadora. Como não conseguimos aprovar as organizações sociais, evoluímos para esse modelo, que vai ser referência para o Brasil. O Instituto Hospital de Base do DF (IHBDF) comprou, em janeiro, 180 medicamentos de combate ao câncer, em um período de 20 dias, com economia de 10%. Ou seja, o interesse público está aí colocado, a saúde não pode esperar. É um modelo moderno que beneficia a população.

 

Se o Icipe não puder administrar o Hospital da Criança, como ele ficará?

O HC tem servidores da Secretaria de Saúde e outro conjunto de servidores contratados pelo Icipe. Qualquer outro modelo em substituição ao Icipe traria um enorme prejuízo ao atendimento. Portanto, vamos trabalhar até o último minuto, com todas as nossas forças, para garantir que a gestão do HC continue sendo feita da maneira atual pelo Icipe. Se for necessário fazer algum ajuste, fazer um novo chamamento, faremos, mas é muito importante a continuidade do modelo. Estamos próximos de inaugurar mais alguns blocos que nós chamamos de Bloco 2, mas são quatro blocos com 202 novos leitos, sendo 38 de UTI pediátrica, que vão atender toda a demanda de alta e  demédia complexidade de pediatria no DF.

 

Esse modelo garante uma fiscalização segura dos gastos?

Tanto o HC como o IHBDF têm um controle interno do governo, por meio da Controladoria-Geral, e o controle externo, feito pelo Tribunal de Contas do DF e pelo Ministério Público do DF. É importante registrar que o HC, nesta ação de improbidade administrativa, movida pela promotora Marisa Isar, não acusa os gestores por desvio de recursos, por corrupção, por inidoneidade. Ela questiona a forma de contratação, de que não houve chamamento público. Isso já foi analisado pelo TCDF, que entendeu que a forma de contratação foi legal, aprovou a conta dos primeiros anos do funcionamento e tem parecer técnico favorável às prestações de contas dos anos seguintes.

 

O senhor vai participar da manifestação em favor do HC, na quarta-feira?

Vou fazer o que estiver ao meu alcance para defender o HC, porque é um projeto em que acredito. Confio nos gestores do HC, fico emocionado todas as vezes que visito aquele hospital, com a dedicação dos servidores. Dá gosto de ver o compromisso dos servidores daquele hospital, a defesa que eles fazem do hospital, sejam eles servidores públicos do GDF, sejam eles servidores contratados pelo Icipe. Sempre digo, quer conhecer o HC, vá lá sem marcar, de surpresa. Digo isso aos promotores, aos juízes e todos aqueles que couberem julgar alguma coisa em relação ao HC. Vá lá sem se apresentar e entreviste uma mãe, uma criança, os servidores, para ter noção da qualidade do serviço.

 

É o modelo de gestão que define a qualidade desse hospital?

É o modelo de gestão e a qualidade dos dirigentes. O HC surgiu a partir de pais e mães, de pessoas que tiveram câncer e que se uniram através da Abrace e construíram o hospital. Ele foi construído pela sociedade civil e doado para o GDF. Na ocasião, o GDF não tinha condições de administrar e pediu para eles criarem um modelo para gerir e, então, foi criado o Icipe, por meio da Abrace.