Título: Aborto de anencéfalo, uma decisão da mulher
Autor: Abreu , Diego
Fonte: Correio Braziliense, 13/04/2012, Brasil, p. 8

O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu ontem à noite, por oito votos a dois, que as grávidas diagnosticadas com fetos anencéfalos poderão interromper a gestação sem que isso seja considerado crime. A decisão, que passa a valer a partir de sua publicação no Diário da Justiça, pode abrir caminho para que, em um futuro próximo, o Poder Legislativo ou o próprio Supremo debatam o aborto de fetos com outras anomalias e até o aborto em geral. O temor é destacado por entidades religiosas e movimentos pró-vida. A atual legislação brasileira permite o aborto somente em casos de estupro e de risco de vida para a mulher.

Um dos ministros contrários à precipitação da gravidez de anencéfalos, Ricardo Lewandowski alertou que a decisão do Supremo abre portas para a interrupção de gestações de inúmeros embriões que sofrem ou venham a sofrer de doenças genéticas ou adquiridas que, de algum modo, levariam ao encurtamento da vida intra ou extrauterina. Em contrapartida, Luiz Fux, favorável ao parto antecipado de anencéfalos, sinalizou como poderia se comportar em um futuro debate. Ele disse que o aborto é uma questão de saúde pública, e não de direito penal. Já Celso de Mello admitiu a possibilidade de o Supremo analisar o tema. "Essa é uma questão que eventualmente pode ser submetida à discussão dessa Corte em outro momento."

Cármen Lúcia e Carlos Ayres Britto, porém, fizeram questão de frisar que o julgamento encerrado ontem não teve qualquer relação com a discussão do aborto. "Essa decisão em nada facilita a tese de que o aborto está liberado", destacou Britto. Relator do processo, Marco Aurélio Mello frisou que o entendimento é específico no sentido de que anencéfalos não têm expectativa de vida, ao contrário de fetos ou crianças com problemas como "pés tortos, sexo dúbio, síndrome de Down".

O julgamento foi iniciado na quarta-feira, quando cinco ministros se manifestaram a favor da antecipação terapêutica do parto e apenas um contra. A análise da ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) foi retomada ontem, com o voto de mais quatro magistrados. De acordo com o relator, cabe à mulher decidir se levará a gravidez até o fim quando diagnosticada com um feto com malformação cerebral.

Primeiro a votar ontem, Ayres Britto alertou que a Constituição não define quando se dá o início da vida. Para ele, é estranho criminalizar o aborto sem que haja essa definição. Britto alertou que os fetos com anencefalia não têm chance de sobreviver. "Feto anencéfalo é uma crisálida que jamais se transformará em borboleta e não alçará voos jamais", comparou.

Britto acrescentou que a interrupção de gravidez de anencéfalo não configura crime. "Se todo aborto é uma interrupção voluntária de gravidez, nem toda interrupção voluntária de gravidez é aborto", argumentou. "É preferível retirar essa plantinha do chão do útero do que vê-la precipitar da sepultura."

Favorável à antecipação terapêutica do parto de anencéfalos, Gilmar Mendes sugeriu a criação de uma norma do Ministério da Saúde que regulamente a questão de forma que dois diagnósticos médicos sejam obrigatórios. A sugestão não prosperou. Rebatendo o voto de Lewandowski, que, na quarta, alertou que cabe somente ao Congresso regular o tema, Mendes ponderou que o STF só agiu por haver uma "omissão legislativa".

Celso de Mello, que fez o voto mais longo de ontem, alertou que a vida só começa a partir dos primeiros sinais de atividade cerebral. O presidente do Supremo, Cezar Peluso, por sua vez, se manifestou contrário à antecipação do parto de anencéfalo. Ele e Lewandowski foram os únicos vencidos no julgamento.

"A vida não é um conceito artificial criado pelo ordenamento e, sobretudo, pela ciência jurídica para efeitos operacionais mediante técnicas ou de presunção ou de ficção", afirmou Peluso, para quem o julgamento de ontem foi o mais importante da história do Supremo, por tratar do alcance constitucional do conceito de vida. Em nota, a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República informou que o governo dará suporte integral à implementação da decisão do STF.