O globo, n. 30909, 23/03/2018. País, p. 3

 

Lula ganha 13 dias

André de Souza, Renata Mariz e Jailton de Carvalho

23/03/2018

 

 

STF adia julgamento de habeas corpus e concede liminar que impede prisão até 4 de abril

O Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu ontem, por 6 votos a 5, um salvo-conduto ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, proibindo que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) autorize uma ordem de prisão do juiz Sergio Moro contra o petista até 4 de abril. O tribunal poderá julgar na segunda-feira (26) o recurso da defesa de Lula contra a condenação a 12 anos e 1 mês. Só não poderá mandá-lo para a cadeia, nem aplicar outra medida restritiva.

Ministros que votaram dessa forma dizem que há precedentes nesse sentido, mas não apontaram um caso específico. Habeas corpus são julgados, em geral, nas duas turmas do STF, compostas por cinco integrantes cada. São poucos os casos decididos no plenário, como o de Lula. Neste ano, houve só três julgamentos, segundo estatísticas do tribunal. Em 2017, foram 22 decisões de plenário sobre habeas corpus.

O prazo fixado para o salvo-conduto deriva do fato de que não haverá sessão no plenário do STF na semana que vem pela decisão dos ministros de emendar o feriado da Páscoa. No dia 4 de abril, a Corte vai julgar se Lula pode recorrer em liberdade da condenação imposta pelo TRF-4 pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex no Guarujá. Como pano de fundo há a discussão sobre o início da execução da pena. O entendimento vigente no STF é de que é possível prisão após condenação em segunda instância, caso de Lula. Mas parte dos ministros quer uma rediscussão do tema.

ROSA VOTA A FAVOR DE LIMINAR DE LULA

O desfecho se desenhou já no fim da sessão, após pedido de José Roberto Batochio, um dos advogados do ex-presidente. Os ministros do STF tinham terminado o julgamento de uma questão preliminar e determinado, por sete votos a quatro, que seria possível analisar o habeas corpus de Lula. Mas não tinham ainda iniciado o julgamento do pedido em si, ou seja, se Lula poderia recorrer em liberdade. Em razão do horário e de compromissos já previamente agendados de alguns ministros, ficou definido o adiamento da sessão. Assim, Batochio foi à tribuna e pediu:

— Se houver essa interrupção, mesmo a despeito do que dispõe o regimento, peço que seja concedido um pedido de liminar para sobrestar o pedido de prisão até o julgamento do feito.

O relator do habeas corpus, Edson Fachin, foi contra o adiamento e o impedimento da prisão. Mas prevaleceu o voto contrário. Rosa Weber foi a primeira a discordar do relator. Ela destacou que já há precedente, mas não soube dizer qual.

— Tem precedente, só não me lembro agora o número do processo. Mas justamente para evitar colocar risco ao jurisdicionado, já concedemos liminar. Infelizmente não estou lembrada do número do processo.

Também votaram no mesmo sentido os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Gilmar e Celso chegaram a dizer que há precedentes, mas não citaram casos específicos.

— Não há novidade e não se trata de uma antecipação — disse Gilmar, acrescentando: — Estou absolutamente confortável, porque é difícil me imputar simpatia pelo PT. Todo mundo sabe.

— É uma questão absolutamente técnica e lógica do sistema processual — disse Toffoli.

Do lado vencido, ficaram os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, e a presidente da Corte, Cármen Lúcia.

— Considero irrelevante se tratar de um expresidente. Não tenho conforto de abrir uma exceção a uma jurisprudência em vigor e conceder uma medida liminar — disse Barroso.

ADVOGADOS DO EX-PRESIDENTE COMEMORAM

Dos 11 ministros da atual composição do Supremo, seis já se manifestaram antes contra a prisão após condenação em segunda instância. Rosa Weber é uma delas. Mas seu voto é visto como chave no julgamento do habeas corpus de Lula porque ela costuma respeitar o entendimento vigente quando analisa um caso específico. Ontem, na análise preliminar — se o pedido da defesa de Lula pode ser julgado ou deve ser rejeitado sem sequer ser analisado —, ela voltou a ressaltar o respeito ao “princípio da colegialidade”.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, foi contra a análise do habeas corpus e e também contra a liminar. Segundo ela, todas as garantias constitucionais de ampla defesa foram dadas ao ex-presidente.

Após a sessão, advogados de Lula comemoram discretamente a decisão do STF de conceder um salvo-conduto provisório ao líder petista. Para eles, se não chegou a ser uma vitória completa, o ex-presidente terá a garantia de não ser preso até que o STF decida, em definitivo, sobre o pedido de habeas corpus de Lula.

— Nas circunstâncias era o que se poderia esperar do tribunal — disse o ex-ministro Sepúlveda Pertence, que hoje é um dos advogados da equipe montada por Lula.

O tribunal fez um forte esquema de segurança dentro e fora do plenário para o julgamento do habeas corpus. O auditório permaneceu lotado durante toda a tarde. Mesmo assim, não houve registro de qualquer incidente. Boa parte das vagas foi ocupada por estudantes universitários de duas faculdades privadas. A plateia acompanhou os debates em silêncio sem se manifestar. Do lado de fora, manifestantes contrários a Lula tentaram erguer um boneco inflável do ex-presidente vestido de presidiário, mas foram impedidos.